Internacional

O mercado negro cubano e suas distorções

Materiais diversos, produzidos e vendidos sob controle estatal, à mostra para venda em um posto informal, na entrada de uma casa no município de Cerro, em Havana, Cuba. Um mercado que cresce alimentado pela corrupção. Foto: Jorge LuisBaños /IPS
Materiais diversos, produzidos e vendidos sob controle estatal, à mostra para venda em um posto informal, na entrada de uma casa no município de Cerro, em Havana, Cuba. Um mercado que cresce alimentado pela corrupção. Foto: Jorge LuisBaños /IPS

Por Patricia Grogg, da IPS – 

Havana, Cuba, 21/7/2016 – Em um cenário que se faz comum na capital cubana, vendedores de todo tipo de produto, geralmente em falta nas lojas, abordam as pessoas nas proximidades, ou mesmo na porta, dos estabelecimentos formais para mostrar suas ofertas, que vão desde fraldas descartáveis até caras banheiras de hidromassagem.

“Tenho jogos de banhos a partir de 280 CUC (US$ 314 na troca da moeda conversível local), banheiras, duchas, louças de cerâmica, tudo de qualidade muito boa. O que procura?”, perguntou uma mulher a uma potencial cliente, antes que acabasse de estacionar seu carro. “Levamos o produto à sua casa e sem compromisso. Se não gostar, não há negócio”, acrescentou

Em uma banca de ferragens numa rica área residencial de Havana, não havia muito para ver. Duas pessoas andavam de um lado para outro observando a escassa mercadoria, enquanto uma mulher sentada junto à caixa registradora as observava com cara de aborrecida. “Não tem”, respondeu laconicamente a alguém que procurava por um recipiente branco com pedestal para lavar as mãos.

O economista cubano Esteban Morales contou à IPS que esse mercado negro se nutre da corrupção no setor do comércio, que ele denunciou em 2010, o que custou seu afastamento por vários meses das fileiras do governante Partido Comunista de Cuba (PCC). “Os revendedores aproveitam a escassez e o que vendem provém das lojas estatais”, assegurou.

Cuba é um país de economia centralmente planejada, onde o Estado controla todas as importações, bem como o comércio interno e externo, embora, como parte do processo de modernização de seu modelo socialista, permita o trabalho privado em determinadas áreas produtivas e de serviços, como a gastronomia.

Em um informe à Assembleia Nacional do Poder Popular (parlamento unicameral), em sessão na primeira semana deste mês, a controladora geral, Gladys Bejerano, informou que a análise dos fatos delitivos nas “organizações econômicas”,informados em 2015, mostra que prevalece em algumas administrações um ambiente de descontrole e impunidade.

Essa situação tem maior incidência no comércio, na gastronomia e no setor agroalimentar. No período analisado, o desvio de recursos e manifestações de corrupção administrativa custaram ao país 30 milhões em CUC (mais de US$ 33 milhões) e mais de cem milhões de pesos cubanos.

Caminhão transportando tanques para armazenar água. Esse produto industrial de grandes dimensões não escapa de ser furtado em entidades estatais e chega para vendano florescente mercado negro. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Caminhão transportando tanques para armazenar água. Esse produto industrial de grandes dimensões não escapa de ser furtado em entidades estatais e chega para vendano florescente mercado negro. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Bejerano acrescentou que a essência do problema está na conduta assumida por parte dos que se associam para delinquir ou faltar com a ética em beneficio próprio e de terceiros, e nas falhas dos sistemas de controle interno, bem como no abuso no exercício do cargo e na utilização de privilégios por parte dos diretores e funcionários.

“O mercado negro é a expressão visível e diária da corrupção, porque por trás dele há um problema mais sério, que é a subtração de reservas e recursos do Estado, único importador de eletrodomésticos, peças para automóveis, materiais de construção, enfim, tudo o que é oferecido por essas pessoas”, apontou Morales.

Em sua opinião, essa economia negra, que aproveita a escassez para lucrar com perdas milionárias para o erário nacional,também prejudica moralmente. “As pessoas que não estão envolvidas se desanimam, se cansam e dizem, bom, se outros fazem, por que não farei, eu que tenho tantas necessidades”, pontuou o pesquisador.

Morales considera insuficientes as inspeções e as punições penais, que às vezes passam despercebidas porque não são publicadas. Em certas ocasiões, os revendedores desaparecem dos arredores das principais lojas de Havana, devido abatidas policiais de surpresa. Mas, passado um tempo, retornam.

Neste momento “de maior abertura para o exercício da crítica, a imprensa deveria denunciar e investigar sistematicamente esses problemas, expor à opinião pública os culpados, destacou Morales, convencido de que uma transparência maior na divulgação de informações ajudaria muito a enfrentar o comércio clandestino.

Interior do centro comercial Plaza Carlos III, com lojas e praça de alimentação, no município de Centro Habana, na capital de Cuba. Esses novos negócios, parte administrados por operadores privados, são prejudicados pelos vendedores informais que operam no mercado negro. Foto: Jorge LuisBaños/IPS
Interior do centro comercial Plaza Carlos III, com lojas e praça de alimentação, no município de Centro Habana, na capital de Cuba. Esses novos negócios, parte administrados por operadores privados, são prejudicados pelos vendedores informais que operam no mercado negro. Foto: Jorge LuisBaños/IPS

Isbel Díaz, integrante do coletivo autônomo CUP (Consumidores e Usuários Protegidos), que acompanha o tema do ponto de vista do consumidor, afirmou à IPS que, entre outras razões, as pessoas costumam optar pelo “comércio informal” em busca de artigos de melhor qualidade, como acontece com as roupas, por exemplo.

“Devem coexistir as duas formas de comércio, desde que gerem mecanismos de autocontrole, como, por exemplo, a qualidade e os preços e que tenham um vínculo real com os consumidores e a sociedade”, opinou Díaz. O coletivo CUP é uma iniciativa criada no ano passado com a intenção de reverter a desproteção dos consumidores.

Com salário médio equivalente a US$ 23, uma parte da população cubana, de 11,2 milhões de pessoas, busca resolver suas necessidades de alimentos, calçados ou roupas no mercado informal, no qual, em alguns casos, os preços são menores do que nas lojas estatais, as únicas autorizadas.

O mercado paralelo teve seu maior auge nos anos 1990, depois do começo da recessão econômica conhecida oficialmente como período especial. Com a queda do bloco socialista e a extinção da União Soviética, Cuba perdeu seus principais fornecedores e a escassez se tornou crítica.

No entanto, pesquisadores consideram que a economia paralela na ilha se diferencia da existente na maior parte da região, porque não compete com a formal – nesse caso, estatal – com base em preçosmenores, a tendência mundial, mas que, pelo contrário, opera a preços mais altos, devido à falta de oferta no mercado oficial.

O governo de Raúl Castro criou a Controladoria Geral da República em 2009, com a missão de elevar o controle interno e “o enfrentamento direto de qualquer manifestação de corrupção”, entre outras funções. Sua autoridade está acima dos ministérios e despacha diretamente com o presidente.

No entanto, estudos coincidem em afirmar que o movimento ilegal de mercadorias existirá enquanto a economia não melhorar. Com finalidade declarada de aumentar a capacidade aquisitiva do peso cubano, o governo baixou, em maio deste ano, os preços de alguns produtos de primeira necessidade nas Lojas Arrecadadoras de Divisas (TRD).

Porém, muitas pessoas consultadas pela IPS consideram insuficiente a medida e se queixam de que nem todas as TRD estão bem abastecidas. A família cubana tenta, segundo sua renda, completar nesses estabelecimentos suas necessidades não atendidas pela caderneta de abastecimento racionado que o Estado subsidia. Envolverde/IPS