Internacional

Ódio e xenofobia crescem, afirma a ONU

Uma família de refugiados afegãos chega a Lesbos, na Grécia, em 2015.Foto: GilesDuley/Acnur
Uma família de refugiados afegãos chega a Lesbos, na Grécia, em 2015.Foto: GilesDuley/Acnur

Por Baher Kamal, da IPS – 

Roma, Itália, 23/6/2016 – “O ódio está se generalizando. Os muros – que atormentavam as gerações anteriores, e nunca produziram uma solução sustentável para nenhum problema – estão voltando. São erguidas barreiras de desconfiança, que serpenteiam por, e entre, nossas sociedades e são assassinas”, denunciou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.

O diplomata jordaniano ZeidRa’ad Al Hussein pronunciou essas palavras na 32ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, que começou no dia 13 deste mês e terminará em 1º de julho, em Genebra, na Suíça.“As restrições das liberdades públicas e a repressão dos ativistas da sociedade civil e dos defensores dos direitos humanos estão reduzindo as forças que sustentam o bom funcionamento das sociedades. As instituições judiciais, que atuam como controles do poder Executivo, estão se desmantelando”, alertou Zeid Ra’ad.

Segundo Zeid Ra’ad, “as leis, as instituições, e mais, os valores que nos unem balançam. Quem mais sofre esse assédio são nossos semelhantes que levam a pior parte da privação, da miséria, da injustiça e do derramamento de sangue”. E acrescentou que, “na realidade, só há uma maneira de garantir um futuro que seja bom e sustentável para a humanidade: assegurar o respeito, resolver as disputas, construir instituições que sejam sólidas e justas, e compartilhar os recursos e as oportunidades de maneira equitativa”.

O comissário de Direitos Humanos da ONU ressaltou que muitos países se distinguem ao darem as boas-vindas a um grande número de imigrantes e refugiados desesperados, comumente aterrorizados e em situação de pobreza.

“Mas muitos outros países não fazem isso. E ao não aceitarem uma parte justa dos mais vulneráveis do mundo, são minados os esforços dos Estados mais responsáveis. Em geral, vemos uma forte tendência que anula os compromissos internacionais, nega a humanidade básica e fecha as portas na cara dos seres humanos que dela necessitam”, denunciou Zeid Ra’ad.

ZeidRa’ad A Hussein,Alto Comissariado para os Direitos Humanos. Foto: Pierre Albouy/ONU
ZeidRa’ad A Hussein,Alto Comissariado para os Direitos Humanos. Foto: Pierre Albouy/ONU

“A única maneira sustentável de resolver os movimentos atuais de pessoas será melhorando os direitos humanos nos países de origem”, assegurou o comissário. “A Europa tem que encontrar a maneira de encarar a crise atual de migração de forma coerente e que respeite os direitos das pessoas afetadas, inclusive no contexto do acordo entre a União Europeia e a Turquia”, concretizado em 22 de março.

Para Zeid Ra’ad, “é totalmente possível a criação de sistemas de gestão da migração que funcionem bem, inclusive para um grande número de pessoas, com uma determinação justa e eficaz das necessidades individuais de proteção, se os governos europeus conseguirem eliminar a histeria e o pânico da equação, e se todos contribuírem para a solução”.

De acordo com o comissário, em muitas partes do Oriente Médio e norte da África a repressão, o conflito ou a anarquia violenta sufocam a liberdade e a esperança das pessoas. “A tortura, as execuções sumárias e as detenções arbitrárias são ataques à segurança das pessoas, e não medidas para proteger a segurança. É um erro imaginar que atacando os direitos do povo os deixará mais seguro”, pontuou.

“O antídoto para a selvageria do extremismo violento é um maior império da lei”, destacou Zeid Ra’ad, lembrando que “a melhor maneira de lutar contra o terrorismo e de estabilizar a região é combater a discriminação, a corrupção, o mau governo, os fracassos da polícia e da justiça, a desigualdade, a negação das liberdades públicas e outros fatores de radicalização”.

A radicalização, ou melhor, a desradicalização, é precisamente o objetivo de umpainel que acontece hoje, dia 23, organizado no contexto do atual período de sessões do Conselho de Direitos Humanos, pelo Centro de Genebra pelo Avanço dos Direitos Humanos e do Diálogo Global e pela missão permanente da Argélia em Genebra. O painel será moderado pelo diplomata argelino,IdrissJazairy.

Mulher prepara refeição no acampamento para refugiados internos Bab Al Salame, em Alepo, na Síria, perto da fronteira com a Turquia, em janeiro de 2014. Foto: Ocha/ONU
Mulher prepara refeição no acampamento para refugiados internos Bab Al Salame, em Alepo, na Síria, perto da fronteira com a Turquia, em janeiro de 2014. Foto: Ocha/ONU

Os organizadores lembram que o “extremismo violento seu deu até 2001, principalmente em países em desenvolvimento, como Uganda (onde o Exército de Resistência do Senhor atacou a população civil e obrigou crianças a participarem dos conflitos armados), Sri Lanka (onde se originaram os primeiros atentados suicidas), e Argélia (onde foram assassinados mais muçulmanos em uma década do que europeus em todo o mundo desde então)”.

E acrescentam que os observadores externos tendiam a minimizar o impacto desse tipo de violência e a consideravam um produto de incidentes locais, e às vezes a atribuíam a “guerrilheiros” que respondia aos déficits de democracia e de governo nos países atacados.

Nas últimas fases da Guerra Fria, alguns setores toleraram o extremismo violento como uma arma contra o comunismo, diz o documento de síntese do painel, acrescentando que mais radicais foram recrutados devido à paralisação da conversação entre israelenses e palestinos, o colapso de Iraque e Líbia e as guerras no Afeganistão, Síria e Iêmen.

“Esses fatos aconteceram principalmente nos países muçulmanos, exacerbando, assim, o extremismo violento associado a essa região e que levou à intensificação da islamofobia em outras partes, especialmente na Europa e América do Norte”, diz o documento.

Como destacou a Conferência de Genebra para a Prevenção do Extremismo Violento, realizada em abril deste ano, “o extremismo violento ou o terrorismo não podem e não devem ser associados com nenhuma religião nacionalidade, civilização ou grupo étnico”. A reação da comunidade internacional tardou na ONU pelas diferenças políticas quanto à aceitação da definição de terrorismo, segundo o documento de síntese.

“O próprio linguajar dos assuntos internacionais está sendo manipulado para favorecer reações precipitadas que nutrem as ideologias dos partidos racistas e xenófobos no mundo avançado. Também anima um clima propício para a explosão do extremismo violento em todo o mundo”, alertam os organizadores do painel.

Na Europa, mais de 20 milhões de muçulmanos viveram durante décadas em harmonia com devotos de outras religiões e com pessoas que não são crentes, e contribuíram para a riqueza de seu país de residência, acrescentaram os organizadores.

E ressaltaram que “agora são atacados em virtude de sua identidade e não por seus atos. Sofrem em solidão pela expansão do medo e pelo crescimento da xenofobia contra diversos grupos minoritários em diferentes partes do mundo. Nesse contexto, é necessário compreender melhor as causas e os meios pelos quais se perpetua e se difunde o extremismo violento”. Envolverde/IPS