Por Zofeen Ebrahim, da IPS –
Karachi, Paquistão, 26/6/2015 – Mais de 950 pessoas morreram em apenas cinco dias devido à onda de calor que açoita Karachi, a maior cidade do Paquistão. Os necrotérios não dão conta pela quantidade de cadáveres que continua chegando, enquanto os hospitais estão lotados. Essa cidade portuária, onde vivem 23 milhões de pessoas, sofre sua pior onda de calor desde a década de 1950, segundo o Departamento de Meteorologia deste país do sul da Ásia.
O calor pouco habitual, que começou no dia 18 deste mês, fez com que temperatura subisse para 44,8 graus Celsius no dia 20, baixando ligeiramente no dia seguinte e chegando aos 45 graus no dia 23. Embora o calor afete toda a província de Sindh, onde morreram 1.100 pessoas, sua capital, Karachi, é a mais afetada, especialmente pelo fenômeno conhecido por “ilha de calor urbano”, que faz os 45 graus serem sentidos como se fossem 50 graus, segundo os especialistas em clima.
Nessa situação, o calor fica preso e converte a cidade em uma espécie de forno cozinhando lentamente. Todos os habitantes sentem o calor, mas a maioria dos mortos era de pobres, que sofrem duplamente pela falta de acesso a eletricidade e por viverem em assentamentos lotados e informais, que oferecem pouco abrigo do sol ardente. A população pobre já tinha péssimos indicadores de saúde, e essa vulnerabilidade se agrava porque tem escassas possibilidades de evitar a exposição ao sol.
Anwar Kazmi, porta-voz da Fundação Edhi, a maior organização humanitária do Paquistão, disse à IPS que 50% dos mortos foram recolhidos nas ruas e é provável que sejam mendigos, consumidores de drogas e diaristas que não têm opção que não seja ignorar as advertências do governo para ficar em casa até passar o calor intenso.
No segundo dia da crise, com todos os espaços livres ocupados e centenas de cadáveres chegando diariamente, o maior necrotério da cidade, administrado pela Fundação, começou a enterrar os corpos que não eram reclamados. “Em meus 25 anos de serviço, nunca vi tantos cadáveres em tão pouco tempo”, contou à IPS Mohammad Bilal, diretor do necrotério da Fundação Edhi.
O governo foi criticado por não alertar a população a tempo. O primeiro-ministro, Nawaz Sharif, e o ministro-chefe de Sindh, Syed Qaim Ali Shah, ordenaram tardiamente o fechamento de escolas e repartições pública. Saeed Quraishy, superintendente médico do Hospital Civil, o maior hospital público de Karachi, informou que o hospital deixou de admitir pacientes para se dedicar somente aos casos de emergência.
A crise expõe vários problemas que açoitam esse país com 196 milhões de habitantes, como escassez de energia, impacto desproporcional da mudança climática nos pobres e as consequências da rápida urbanização. Em Karachi, a metrópole mais povoada do país, esses problemas aumentam. Embora o último censo seja de 1998, as organizações não governamentais afirmam que há dezenas de milhões de pessoas que vivem e trabalham nas ruas, como mendigos, vendedores ambulantes e trabalhadores braçais.
Mais de 62% da população urbana vive em assentamentos informais com densidade de quase seis mil pessoas por quilômetro quadrado. Muitos carecem de serviços básicos como água e eletricidade, fundamentais em épocas de fenômenos climáticos extremos. Uma forma popular de ter acesso à rede de energia elétrica é o sistema kunda, de conexões ilegais. Apenas este mês, a empresa de eletricidade de Karachi retirou 1.500 dessas ligações ilegais.
Mas, mesmo os 46% das famílias do país que estão ligadas à rede elétrica, não têm garantido o fornecimento sem interrupções. O Paquistão tem uma escassez de energia diária próxima dos quatro mil megawatts e não são raros os apagões de até 20 horas por dia. As famílias mais ricas podem recorrer a geradores, mas os cerca de 91 milhões de pessoas que vivem com menos de US$ 2 por dia não têm opção. Só lhes resta a luta pela sobrevivência, que muitos na última semana perderam.
As instruções oficiais para combater o calor não têm sentido para a metade mais pobre da sociedade paquistanesa. Tomar banhos frios, consumir sais de reidratação ou permanecer dentro de casa não são opções para os que vivem com US$ 1,25 por dia ou em assentamentos informais, onde centenas de famílias têm de compartilhar uma torneira.
Tasneem Ahsan, ex-diretora-executiva do Centro Médico de Pós-Graduação Jinnah, destacou à IPS que a ação preventiva teria salvo inúmeras vidas. “O governo deveria ter ocupado espaços grandes, como salões para casamentos e escolas, e convertê-los em abrigos com eletricidade e água para que as pessoas pudessem se refrescar”, afirmou.
A especialista disse que, para isso, o Estado deveria ter instalado cisternas de água nas localidades mais pobres, aconselhando a população sobre roupas apropriadas para enfrentar a onda de calor e distribuindo folhetos com métodos simples de proteção. A imprensa também tem culpa, segundo Ahsan, por informar sobre os mortos como se fossem resultados esportivos, em lugar de divulgar conselhos que poderiam ter salvo vidas, como, por exemplo, “coloque uma toalha molhada na cabeça”.
O governo da província de Sindh cancelou as licenças e férias do pessoal médico e trouxe pessoal adicional para enfrentar a avalanche de pacientes, que se espera aumentará quando os devotos sucumbirem pela fadiga e fome no atual mês sagrado do Ramadã, no qual os muçulmanos praticam o jejum diurno. Envolverde/IPS