Por Orlando Milesi e MarianelaJarroud, da IPS –
Santiago, Chile, 2/5/2016 – O Chile, com 6.435 quilômetros de costa no Oceano Pacífico, poderia encontrar nas energias das ondas e das marés a solução para sua permanente necessidade de diversificar sua matriz energética. Um estudo encomendado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) indica que este país tem um potencial bruto de 164 gigawatts (GW)em energia produzida exclusivamente pelas ondas, o que qualifica o país como uma potência “única no mundo”.
A pesquisa acrescenta que o aproveitamento deapenas 10% da energia disponível parageração a partirdas ondas e das marés se igualaria à capacidade instalada de todo o Sistema Interligado Central do país, pouco superior a 15.500 megawatts (MW).A energia dos mares, “tanto na zona costeira como entre a ilha de Chiloé e Cabulco (no extremo sul do país) é bastante estudada e seu potencial é enorme”, afirmou à IPS a ecologista Sara Larraín, diretora da organização Chile Sustentável.
Especialistas e estudos coincidem em explicar que, ao avançar para o extremo do Polo Sul, a profundidade do Oceano Pacífico aumenta e é maior o potencial energético de suas ondas e marés, oque faz do Chile um país privilegiado para seu aproveitamento.
Larraín acrescentou que as tecnologias ainda estão em nível de protótipos, italianos e escoceses, e os avanços dependem dos centros de pesquisa internacionais,“porque o Chile não tem a capacidade científica, nem tecnológica e financeira para dar esse salto tecnológico de forma autônoma”. Segundo a ecologista, “as experiências-piloto funcionaram bem, mas daí a dar o salto e passar ao tema industrial ainda há um bom caminho”.
O Chile possui 17,6 milhões de habitantes e capacidade total instalada de 20.203 MW distribuídos majoritariamente no Sistema Interligado Central (78,38%) e do Norte Grande (20,98%). Destes, 58,4% da energia é de geração a diesel, carvão e gás natural, enquanto o restante corresponde a energias renováveis que incluem, em sua grande maioria, a mega-hidroeletricidade.
Apenas 13,5% do total corresponde a energias renováveis não convencionais como eólica (4,57%), solar fotovoltaica (3,79%), mini-hidrelétrica (2,8%) e biomassa (2,34%).Graças ao funcionamento de centrais eólicas e solares, nos últimos anos o preço da energia elétrica no Chile, situado por anos comoo mais elevado da América Latina, caiu para US$ 104 o MW/hora, com queda de 34% desde 2013.
Segundo dados oficiais, as necessidades de energia elétrica aumentarão em 54% na próxima década e o governo lançou, em dezembro, o plano Energia 2050, com o objetivo de ter,este ano, 70% de geração procedente de fontes limpas, sete vezes mais do que atualmente. E, para 2035, se projeta que 40% da geração chilena virá de fontes de energias renováveis não convencionais.
Como parte do plano para alcançar essas ambiciosas metas, Chile e França assinaram, em junho de 2015, um acordo de cooperação para a instalação de um centro de pesquisa e desenvolvimento aplicado em energia dos mares, conhecido como Meric, sigla de seu nome em inglês: Marine Energy ResearchandInnovation Center. Único na América Latina, o Mericterá custo aproximado de US$ 20 milhões, dos quais a Subsecretaria de Energia, por intermédio da Corporação de Fomento, aportará 58% no período de oito anos.
O Meric, com sede no Chile, pode transformar este país em uma referência regional e mundial no aproveitamento da energia dos mares.De acordo com o governo, o centro terá por objetivo final desenvolver conhecimento e colocá-lo à disposição da indústria chilena, a fim de propiciar a integração e a promoção de tecnologias de energias marinhas e, num futuro próximo, permitir com esse conhecimento a diversificação da matriz energética local e uma escalada tecnológica em nível nacional e internacional.
Após estudar a infraestrutura regional e a cadeia de fornecimento nacional para a indústria de energia marinha, o Mericagora pesquisa as condições específicas do mar chileno, emconjunto comuma rede de pesquisadores que integram aliados como o grupo francês DCNS e a companhia italiana Enel Green Power, junto com duas universidades locais e a fundação Inria Chile.
“A avaliação dos recursos e ecossistemas está em sua fase inicial, com coleta de informação sobre o comportamento de mamíferos marinhos, as especificidades chilenas em corrosão marinha e biofouling (assentamento de espécies nos materiais), a modelagem numérica da onda e da influência de turbinas no fluxo”, explicou à IPS o diretor executivo do Meric, Luc Martin. Estão sendo avaliados vários locais potenciais para os estudos, acrescentou.
Buscando adicionar experiências sobre energia marinha, o Mericjá assinou acordos de confidencialidade com instituições de pesquisa do Chile, dos Estados Unidos e da França, e se prepara para fazê-lo com entidades do Brasil, da Escócia e da Finlândia. “Esperamos formar uma plataforma multidisciplinar para a pesquisa aplicada no Chile, que impulsione o desenvolvimento da energia marinha no país e no mundo”, destacou Martin.
Para definir exatamente o potencial da energia marinha no Chile e localizar lugares de interesse para um desenvolvimento sustentável da exploração, são estudadas atualmente as condições físicas, químicas e biológicas, o que permitirá estabelecer modelos de comportamento e manutenção de sistemas desse tipo de energia. De Chiloé até o austral Estreito de Magalhães,“ocorrem diferenças de altura muito significativas, que poderiam ser usadas com essa finalidade”, pontuou Carlos Finat, diretor executivo da Associação Chilena de Energias Renováveis, que reúne empresários do setor.
Em conversa com a IPS, Finatobservou que há muito por fazer, pois o estado de desenvolvimento das tecnologias destinadas a converter a energia das marés em energia elétrica “ainda não atingiu o nível de aplicação comercial, apesar de se estar avançando bastante”.É grande a distância entre canais, estreitos e fiordes no sul do Chile, os lugares mais factíveis para projetos que explorem a energia do mar, e os centros de grande demanda de energia elétrica doe país, situados principalmente no norte.
“O sistema de transmissão atual não seria capaz de transportar blocos grandes de energia entre esses pontos e, portanto, seria necessário construir ampliações, que neste momento não estão planejadas”, ressaltouFinat.“Resta um importante caminho a ser percorrido antes de se chegar a protótipos comercialmente viáveis, o que seguramente exigirá um período de vários anos”,concluiu. Envolverde/IPS