Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 5/5/2016 – Por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado em 3 de maio, uma coalizão de 35 organizações pediu à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), de 193 membros, que designe um representante especial do secretário-geral para acompanhar e supervisionar a segurança dos profissionais em todo o mundo. “Naturalmente, é algo do que estamos conscientes”, afirmou o porta-voz das Nações Unidas, Stephane Dujarric. “Mas veremos como avança o debate na Assembleia Geral”, acrescentou.
Um diplomata asiático, que pediu para não ser identificado, disse à IPS que ficará “gratamente surpreso” caso o plenário aprove a proposta. Alguns membros consideram que até a simples designação de um relator especial pelo Conselho de Direitos Humanos, com sede em Genebra, é uma “intrusão política” e são contra as visitas formais desses enviados para investigar violações dos direitos humanos, indicou o diplomata.
Por exemplo, o relator especial para o Irã não conseguiu nem autorização para visitar esse país desde que foi criado o cargo há cinco anos, o relator especial para a tortura não pôde visitar os Estados Unidos, e o designado para atender a violência contra as mulheres não pôde entrar em centros penitenciários do estado norte-americano de Michigan. Desde 2012 a ONU adotou várias resoluções condenando o assassinato e a prisão de jornalistas. Mas as medidas concretas estão muito atrasadas em relação aos pronunciamentos públicos.
Um representante especial, caso seja aprovado pela Assembleia Geral, “atrairia mais a atenção para os riscos que os jornalistas enfrentam e, por trabalhar próximo ao secretário-geral, teria peso político e legitimidade para tomar medidas concretas a fim de proteger os jornalistas e para que as agências da ONU sejam responsáveis por integrar um plano de ação em seu trabalho”, destacou a coalizão em carta dirigida ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e aos Estados membros.
Entre as 35 organizações que integram essa coligação estão o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), Repórteres Sem Fronteiras, Freedom House, Índice de Censura, Federação Internacional de Jornalistas, Media Watch e Associação Mundial de Jornais.Segundo o CPJ, com sede em Nova York, 1.189 jornalistas foram assassinados desde 1992, e os cinco países onde mais morrem profissionais da imprensa são Iraque, com 174 mortes, Síria, com 94, Filipinas, com 77, Argélia, com 60, e Somália, com 59.
Além disso, os assassinatos ficam impunes em nove em cada dez casos, “uma estatística que raramente muda desde 2012”, destacou o CPJ. Os responsáveis são tanto forças rebeldes e organizações terroristas como os governos no poder. O lamentável é que os assassinatos ocorrem em países que integram algumas das resoluções adotadas pela ONU. A resolução sobre a proteção de jornalistas foi adotada pela primeira vez em novembro de 2013 e reafirmada em 2015, pelo terceiro ano consecutivo.
Bob Dietz, coordenador do programa Ásia do CPJ, apontou à IPS que a ONU emitiu muitas declarações corretas em matéria de proteção de jornalistas, mas não as acompanhou de muitas ações claras. “Não vimos muita ação desde a introdução do Plano de Ação da ONU para a Segurança dos Jornalistas e a Impunidade dentro das Nações Unidas ou em seus Estados membros”, acrescentou.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), com sede em Paris, foi a agência da ONU designada para promover a liberdade de expressão e de imprensa, mas não conseguiu muitos resultados. “E o movimento que gerou o plano não parece ter realmente concentrado sua atenção em um amplo espectro de agências da ONU”, afirmou Dietz. Em certos países, houve tentativas para retificar a situação, mas é difícil concretizar ações internacionais sustentáveis para enfrentar o problema, lamentou.
Dujarric ressaltou à imprensa que a posição do secretário-geral em matéria de liberdade de imprensa é clara e os que assediam, assassinam e torturam jornalistas devem enfrentar a justiça. Há numerosos mecanismos em funcionamento em diferentes partes do sistema da ONU, seja de direitos humanos ou da Unesco, que procuram colaborar na proteção dos profissionais da imprensa, acrescentou.
Ian Williams, correspondente do jornal Tribune na ONU e autor de Untold: a fUNGuideto the UN, pontuou à IPS que a posição das Nações Unidas em matéria de liberdade de imprensa não pode ser contraditória.Por exemplo, a Unesco deu o Prêmio à Liberdade de Imprensa 2016 para Khadija Ismayilova, uma jornalista do Azerbaijão detida em setembro de 2015 e condenada a sete anos e meio de prisão sob acusações espúrias.
Porém, a agência não cancelou, e de fato celebra ativamente, sua embaixadora de boa vontade Mehriban Aliyeva, esposa do presidente do Azerbaijão, Ilam Aliyev, apesar de em 2012 ter concedido o prêmio a Eynulla Fatullayev,outro repórter desse país também perseguido.Em termos gerais, provavelmente seja certo que onde a imprensa é perseguida também se persegue a população.
Em particular, depois que o Wikileaks divulgou, em 2007, imagens de militares disparando contra uma equipe da agência de notícias Reuters e contra os civis que tentavam socorrê-los em um helicóptero norte-americano, o silêncio da imprensa ocidental foi ensurdecedor, com a consequente completa impunidade dos responsáveis e seus comandantes, destacou Williams.
“Os jornalistas não são criminosos. Mas frequentemente sofrem maus tratos ou mesmo encontram a morte porque têm o valor de denunciar fatos criminosos”, destacou o Ban Ki-moon.Somente em 2015, 105 jornalistas perderam a vida. A morte de profissionais ocidentais pelas mãos do Estado Islâmico (EI) ou de outros grupos extremistas violentos concentrou a atenção mundial. Mas 95% dos jornalistas assassinados em conflitos armados são repórteres locais, enfatizou o secretário-geral.
Em abril deste ano, o repórter mexicano Moisés Dagdug Lutzow foi morto em sua casa na cidade de Villa hermosa. O jornalista policial Elvis Ordaniza, das Filipinas, foi atingido por um tiro que causou sua morte. O mesmo aconteceu com Karun Misra, chefe de escritório local do jornal Jan Sandesh Times, da Índia.“Cada vez que se mata um jornalista ou silenciam a imprensa, o direito e a democracia se debilitam”, ressaltou Ban Ki-moon, ao apelar aos Estados membros para que“participem do Plano de Ação para a Segurança dos Jornalistas da ONU”. Envolverde/IPS
*Este artigo integra uma série elaborada pela IPS por ocasião do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado em 3 de maio.