Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 24/11/2015 – A situação dos banheiros do mundo revela o bom, o mau e o feio, mas não necessariamente nessa ordem. Enquanto a Organização das Nações Unidas celebrava o Dia Mundial do Banheiro, no dia 19, um novo estudo indicava que, contrariando o que se acredita, nos países ricos nem todos têm acesso a um vaso sanitário. O estudo, da organização britânica WaterAid, mostra que Canadá, Irlanda, Grã-Bretanha e Suécia estão entre os países industrializados onde uma parte da população ainda carece de sanitários seguros e privados em suas casas.
A Rússia tem a porcentagem mais baixa de sanitários domésticos em todo o Norte industrializado, enquanto a Índia, segundo país mais povoado do mundo, com quase 1,25 bilhão de pessoas, apresenta o recorde de maior quantidade de gente sem saneamento (774 milhões) e a maior quantidade de habitantes por quilômetro quadrado (173) que defecam ao ar livre.
Mais de 2,3 bilhões de pessoas, da população mundial de 7,3 bilhões, não têm acesso a um sanitário privado seguro. Deles, quase um bilhão não conta com outra opção que não seja defecar ao ar livre – nos campos, junto às estradas ou entre os arbustos. O resultado é um ambiente contaminado, no qual as doenças se propagam rapidamente. Calcula-se que cerca de 314 mil meninas e meninos menores de cinco anos morrem por ano vítimas de enfermidades diarreicas que poderiam ser prevenidas com água potável, saneamento e boa higiene.
O pequeno arquipélago do sul do Pacífico, Tokelau, foi o Estado que mais progrediu desde 1990 na prestação dos serviços de saneamento, e ocupa o primeiro lugar em avanço, seguido por Vietnã, Nepal e Paquistão. No mesmo período, a Nigéria teve uma drástica redução no número de pessoas com acesso a um vaso sanitário, apesar de seu considerável desenvolvimento econômico desde então. Já o país mais jovem do mundo, o Sudão do Sul, tem o pior acesso doméstico aos serviços de saneamento, seguido de perto por Níger, Togo e Madagascar, segundo o estudo.
A presidente da WaterAid, Barbara Frost, recorda que há apenas dois meses todos os Estados membros da ONU se comprometeram em conseguir que todas as pessoas do mundo tenham acesso a sanitários privados e seguros até 2030. “Nossa análise revela como muitas nações do mundo não dão ao saneamento a prioridade política e os fundos necessários. Também sabemos que é possível avançar rapidamente, devido aos impressionantes progressos alcançados em saneamento por países como Nepal e Vietnã. Não importa onde se esteja no mundo, todos têm direito a um lugar seguro e privado para fazer suas necessidades, e a viver uma vida saudável e produtiva sem a ameaça de contrair enfermidades pela falta de saneamento e higiene”, destacou.
“Neste Dia Mundial do Banheiro é hora de o mundo cumprir suas promessas e entender que, embora a todos nos encantem o humor sobre os sanitários, o estado do saneamento no mundo não é uma piada”, apontou Frost. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alerta que a falta de saneamento, em particular a defecação ao ar livre, contribuem para a incidência da diarreia e a propagação de parasitas intestinais, que por sua vez provocam a desnutrição.
“Temos que mostrar soluções concretas e inovadoras para o problema de como as pessoas vão ao banheiro, do contrário estaremos falhando com milhões de nossas crianças mais pobres e vulneráveis”, afirmou Sanjay Wijesekera, diretor dos programas de água, saneamento e higiene do Unicef. “A comprovada relação com a desnutrição é um fio que reforça a maneira como devem estar interligadas nossas respostas diante do saneamento se queremos ter êxito”, acrescentou.
Em um informe publicado no dia 18 deste mês, o Conselho Assessor da ONU sobre Água e Saneamento (UNSGAB), integrado por 21 membros, recomenda “dar prioridade ao saneamento como medicina preventiva e assim romper o círculo vicioso da doença e da desnutrição, que afeta especialmente mulheres e crianças”. E acrescenta que o enfoque deve ser estendido além da moradia, já que os sanitários são necessários em escolas, clínicas, locais de trabalho, mercados e outros espaços públicos.
Segundo o UNSGAB, também se deve “levar a sério as tecnologias inovadoras da cadeia de saneamento e dar rédea solta a outra revolução sanitária, como facilitadora econômica e médica essencial no período anterior a 2030, e levar à realidade o potencial de recursos (econômicos que podem gerar) dos dejetos humanos”. Além disso, exorta no sentido de “acabar com o tabu sobre o tema da gestão da higiene menstrual, que merece ser tratado como prioridade pela ONU e pelos governos”.
Em seu informe, a WaterAid exorta os governantes de todo o mundo a financiar, implantar e avançar no cumprimento até 2030 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), aprovados em setembro e que substituirão os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que vencem no final deste ano. O objetivo 6 dos ODS (garantir a disponibilidade de água e sua gestão sustentável e o saneamento para todos) deve ser uma prioridade, pois é fundamental para acabar com a fome e garantir uma vida saudável, educação e igualdade de gênero.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pontuou que os ODS reconhecem o papel central que o saneamento tem no desenvolvimento sustentável. “A natureza integrada da nova agenda significa que precisamos entender melhor as conexões entre os componentes básicos do desenvolvimento”, ressaltou. Com esse espírito, a comemoração do Dia Mundial do Banheiro este ano se centra no círculo vicioso que existe entre o saneamento deficiente e a desnutrição. A falta de saneamento e a má higiene estão no centro das doenças e da desnutrição, acrescentou.
Anualmente, a vida de inúmeras crianças menores de cinco anos é interrompida ou alterada para sempre em consequência da falta de saneamento. Mais de 800 mil crianças (uma a cada dois minutos) morrem de diarreia, e quase metade de todas as mortes de menores de cinco anos se deve à desnutrição. Cerca de 25% de todos os meninos e meninas com menos de cinco anos sofrem atraso no crescimento, e um sem-número de crianças e adultos sofrem graves enfermidades, com graves consequências de longo prazo e até para toda a vida, em sua saúde e seu desenvolvimento, denunciou Ban.
O secretário-geral se queixou de que, “apesar dos argumentos morais e econômicos de peso para que sejam tomadas medidas em matéria de saneamento, o progresso é muito pouco e muito lento”. Para muitos, o saneamento é o ODM mais descumprido. “Por isso, lançamos o Chamado à Ação pelo Saneamento em 2013 e porque nosso objetivo é pôr fim à defecação ao ar livre até 2025”, enfatizou. Envolverde/IPS