Internacional

ONU entre o gênero e a geografia

Um monumento sobre a queda do Muro de Berlim foi colocado ao lado de uma escultura soviética na sede da ONU em Nova York. Foto: Rick Bajornas/ONU
Um monumento sobre a queda do Muro de Berlim foi colocado ao lado de uma escultura soviética na sede da ONU em Nova York. Foto: Rick Bajornas/ONU

Por Thalif Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 27/4/2016 – A campanha para eleger o próximo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) ganha força e uma das dúvidas que apresenta é a legitimidade do dissolvido bloco político da Europa oriental para reclamar o cargo em função do princípio de rotatividade geográfica.Dos nove candidatos que desejam o cargo, sete são dessa região. Os anteriores procederam de outros grupos regionais: África, Ásia Pacífico, América Latina, Caribe,Europa ocidental, e outros Estados.

No final da Guerra Fria, entre 1990 e 1991, as nações da Europa oriental se integraram à União Europeia (UE) ou à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ou mesmo a ambas. Por exemplo, a Bulgária e a Romênia uniram-se à UE em 2007, a Croácia o fez em 2013, e Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia e República Checa em 2004. Além disso, alguns países que aguardam sua incorporação à UE são Albânia, Montenegro, Sérvia e Macedônia.

O subsecretário-geral para Assuntos de Desarmamento, JayanthaDhanapala, do Sri Lanka, que também foi candidato a secretário-geral, apontou à IPS que o final da Guerra Fria transformou a Europa oriental de uma entidade político-geográfica em um grupo geográfico. E acrescentou que o princípio de “rotatividade geográfica” para designar o secretário-geral da ONU não é tão forte agora como é a questão da igualdade de gênero.“A designação de uma mulher competente e qualificada é essencial”, destacou Dhanapala, que perdeu a eleição para o atual secretário-geral, o sul-coreano Ban Ki-moon.

A Europa oriental deveria integrar a região da Europa ocidental e outros Estados. Mas continua existindo separada dentro das Nações Unidas só para ocupar assentos, inclusive entre membros não permanentes do Conselho de Segurança, afirmaram vários diplomatas consultados pela IPS. Nas eleições para o Conselho Econômico e Social da ONU, que aconteceu na terceira semana deste mês, a Bielorússia obteve um assento somente com base no fato de pertencer à Europa do leste.

O mesmo ocorreu em outras agências. Por exemplo, a Estônia na Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher, Bielorússia e Montenegro no executivo da ONU Mulheres, Romênia no Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e Albânia e Moldávia na direção executiva do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), no Fundo de População (UNFPA) e no Escritório de Serviços para Projetos (Unops).

Desde a criação da ONU, há mais de 70 anos, o cargo de secretário-geral esteve nas mãos de Trygve Lie, da Noruega (1946-1953), Dag Hammarskjold, da Suécia (1953-1961), U. Thant, da Birmânia, atualmente Myanmar (1961-1971), Kurt Waldheim, da Áustria (1972-1981), Javier Pérez de Cuéllar, do Peru (1982-1991), Boutros Boutros-Ghali, do Egito (1992-1996), Kofi Annan, de Gana (1997-2006), e Ban Ki-moon, da Coreia de Sul, de 2007 até este ano.

Os nove candidatos que atualmente fizeram apresentações perante as delegações são SrgjanKerim, da Macedônia, VesnaPusic, da Croácia, Igor Luksic, de Montenegro, Danilo Turk, da Eslovênia, Irina Bokova, da Bulgária, Natalia Gherman, da Moldávia, eVukJeremić, da Sérvia, todos da Europa oriental.Defora dessa região, os candidatos são Helen Clark, da Nova Zelândia, e Antonio Guterres, de Portugal.

Consultada sobre a rotatividade geográfica, Clark afirmou que “quando foi feito o chamado aos Estados membros, se fez para todos os Estados membros. Já foi proposto um candidato que não é da Europa oriental (Guterres). Suponho que haverá outras designações. É um concurso aberto e espero que os Estados membros analisem os desafios que o secretário-geral terá que assumir e se concentrem em quem tem as melhores capacidades para o trabalho”.

A ONU é uma das grandes organizações que defende o empoderamento das mulheres, mas apenas três delas ocuparam a presidência da Assembleia Geral, o maior órgão político das Nações Unidas: VijayaLakshmiPandit, da Índia (1953),Angie Brooks, da Libéria (1969), e a xequesaHayaRashed Al Jalifa, do Bahrein (2006).Considerando que as mulheres são metade dos 7,2 bilhões de habitantes do mundo, a iniciativa para designar uma mulher para a secretaria-geral parece uma reclamação legítima.

Há duas questões importantes: se finalmente uma mulher será eleita para o cargo e se a Europa oriental estará representada, afirmou James Paul ex-diretor-executivo da organização Global PolicyForum, com sede em Nova York. Ele pontuou que há anos ocorrem protestos contra o hermetismo em torno da eleição do secretário-geral, e o atual anúncio de um “processo aberto” e de “diálogos” com os candidatos é um pequeno avanço no que tem sido um revoltante processo secreto.

Entretanto, Paul lamentou que “era previsível que se desse pouca atenção ao assunto mais delicado de todos, de que a eleição ainda está nas mãos de um pequeno grupo oligárquico”. E ressaltou que, em 2016, como nos anos anteriores, o secretário-geral será eleito pelo chamado P5, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança: China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia.

“Novamente se faz pouca referência à vontade dos outros países, às preocupações das pessoas ou às necessidades mais graves da organização. As respeitosas conversações na Assembleia Geral não frearão o gigante P5”, indicou Paul, explicando que “o P5 com Washington à frente tem antecedentes de eleger o candidato mais fraco e dócil, uma pessoa que atenda aos interesses das potências e aceite uma ONU frágil e relativamente inativa”.

As eleições do secretário-geral de 2005 e 2011 mostram claramente que os candidatos fortes e dinâmicos ficam de fora, que o mau desempenho não impede sua reeleição e que a esmagadora maioria dos Estados membros, mesmo os que ocupam uma cadeira no Conselho de Segurança, quase não tem influência no resultado, observou Paul. “As pessoas já estão fartas de seus governantes. O P5 não poderá seguir com seu despotismo para sempre”, ressaltou.

Samir Sanbar, um ex-secretário-geral adjunto que encabeçou o Departamento de Informação Pública, disse à IPS que o grupo da Europa oriental foi originalmente uma aliança política, que apoiava a dissolvida União Soviética para se contrapor ao peso da Europa ocidental e de outros países.

As linhas políticas se desfizeram com a queda do Muro de Berlim, mas parece uma questão de oportunismo político interpretar o tema do ponto de vista geográfico apenas por uma questão de equilíbrio, opinouSanbar. “Alguns empurrarão os limites para interpretar em termos europeus em geral”, afirmou, acrescentando que a rotatividade não foi obviamente essencial quando da eleição de dois candidatos escandinavos seguidos (Trygve Lee y Hammarskjold).

E um terceiro europeu, um presidente da Assembleia Geral irlandês, esteve na ordem do dia quando o asiático U Thant surgiu como candidato surpresa por um consenso prático, a princípio como secretário-geral interino, recordou Sanbar, que foi funcionário da ONU durante o mandato de cinco secretários-gerais diferentes. Quando U Thant rejeitou o segundo mandato, não se estendeu a outro asiático, elegendo-se Kurt Waldheim, da Áustria. Diplomatas africanos sugeriram Salim Salim, da Tanzânia,  para substituí-lo em função da rotatividade geográfica, mas no último minuto foi escolhido um latino-americano, Javier Pérez de Cuellar, em 1982.

Enquanto forem mantidos os grupos geográficos, ainda que de forma nominal, os candidatos da Europa oriental reclamarão seu lugar, disse Sanbar, embora as mulheres qualificadas de qualquer parte da Europa tenham um argumento mais convincente. Envolverde/IPS