Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 29/1/2016 – Quando o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, assumiu o cargo, em janeiro de 2007, os pedidos de fundos para as emergências humanitárias mundiais chegavam a cerca de US$ 4 bilhões anuais. “Agora necessitamos de mais US$ 20 bilhões”, ressaltou nos últimos dias, enquanto mais de 60 milhões de pessoas são refugiadas dentro de seus próprios países, ou tiveram que fugir deles para serem refugiados do dia para a noite no exterior. Além disso, aproximadamente 40 dos 193 Estados membros da ONU estão envolvidos em “crise e violência de todos os níveis”, afirmou Ban.
Um estudo da organização Oxfam Internacional, intitulado Corrigindo o Incorreto,aponta que dezenas de milhões de pessoas recebem ajuda humanitária a cada ano, mas outros milhões sofrem sem a ajuda e proteção necessárias. “Com muita frequência seu sofrimento acontece porque seus governos não podem garantir, ou não o fazem intencionalmente, o acesso de seus cidadãos à assistência e proteção”, afirma o estudo divulgado no dia 26.
A ajuda internacional não segue o ritmo dos desastres derivados do clima e dos conflitos aparentemente insolúveis, e as promessas de ajuda para reduzir a vulnerabilidade das vítimas diante das crises futuras e permitir que conduzam sua própria resposta humanitária não foram cumpridas, denunciou a Oxfam.
A ONU e várias de suas agências continuam solicitando fundos humanitários com monótona regularidade, mas as respostas são escassas. Ban informou que alguns doadores reduziram seus fundos de 30% a 40%. “Essa é uma situação compreensível. Mas não é um jogo de soma zero. A ajuda para o desenvolvimento e a ajuda humanitária… Deve haver um orçamento adicional e dinheiro para essas pessoas. É isso que se pede”, afirmou o secretário geral.
A maior solicitação de fundos é para a Síria – acima de US$ 3,2 bilhões para este ano –, onde é travada uma guerra civil que completará cinco anos em março e que causou mais de 220 mil mortes, 7,6 milhões de deslocados e quase quatro milhões de refugiados. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) pediu US$ 2,8 bilhões para dar assistência aos cerca de 43 milhões de meninos e meninas refugiados em todo o mundo.
A Organização Mundial da Saúde pretende obter US$ 76 milhões para cobrir as emergências sanitárias relacionadas com o El Niño na Etiópia, Quênia, Lesoto,Papua-Nova Guiné, Somália, Tanzâniae Uganda, sete países de alto risco, onde esse fenômeno climático provocou focos de doenças e escassez de água que afetam cerca de 60 milhões de pessoas.Ao mesmo tempo, o Programa Mundial de Alimentos solicita US$ 41 milhões para alimentar aproximadamente 2,5 milhões de pessoas que sofrem fome na República Centro-Africana.
Este mês a ONU implantou um plano no valor de US$ 885 milhões para cobrir as necessidades de 30 mil iemenitas que fogem de seu país devastado pela guerra para a vizinha Somália. Se prevê que esse número de pessoas crescerá este ano.E o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, a Organização Internacional para as Migrações e 65 organizações não governamentais solicitaram este mês US$ 550 milhões para despesas com comida, água, abrigo e atenção médica para os refugiados que se dirigem à Europa.
Na Síria, o governo e as forças insurgentes bloqueiam o acesso humanitário em diferentes partes do país, o que priva de alimentos e água cerca de 181 mil moradores em cidades e povoados sitiados, enquanto 4,5 milhões de sírios vivem em zonas “difíceis de se alcançar”. O porta-voz da ONU, Stephane Dujarric, recordou que o uso da inanição como arma nos conflitos bélicos é uma clara violação do direito internacional humanitário e constitui crime de guerra.
O estudo da Oxfam denuncia que o extenso sistema internacional humanitário liderado pela ONU – no qual a Oxfam, o Movimento da Cruz Vermelha e da Meia-Lua Vermelha, e outras ONGs internacionais são fundamentais – não salva todas as vidas que poderia devido a profundas falhas estruturais que perpetuam a dependência dos beneficiários da ajuda de maneira insustentável.
Apesar dessas falhas, muito se conseguiu nos últimos 70 anos. “Valentes trabalhadores dedicados à ajuda salvaram milhares de vidas e forneceram serviços vitais, como saúde, água e proteção a milhares de pessoas”, diz o estudo da Oxfam, ressaltando que “o sistema atual se expande muito e a ajuda humanitária costuma ser insuficiente, tardia e inapropriada para o contexto local”.
Na assembleia anual do Fórum Econômico Mundial, realizada em Davos, na Suíça, entre os dias 20 e 23 deste mês, o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, disse que, para criar uma base de financiamento mais sólida e sustentável para os pedidos humanitários da ONU,“estamos buscando compromissos de contribuições regulares de pelos menos deznovas nações”.
“Além desse esforço, vamos buscar pelo menos um aumento de 30% para o financiamento de pedidos humanitários globais, de US$ 10 bilhões em 2015 para US$ 13 bilhões este ano”, acrescentou Kerry.O presidente da Oxfam Estados Unidos, Ray Offenheiser, recebeu bem os comentários do secretário norte-americano. “Devemos trabalhar juntos para enfrentar as causas fundamentais da crise de refugiados e investir mais para garantir que as comunidades tenham melhores condições de resposta quando ocorre um desastre”, afirmou à IPS.
Segundo Offenheiser, sua organização solicitou à comunidade internacional que responda aos pedidos de fundos, reassente os refugiados e permita que trabalhem e façam mais para apoiar os países receptores. “Temos que olhar além da questão do reassentamento, que é de vital importância, para abordar de maneira integral o que podemos fazer para melhorar a situação dos refugiados e das comunidades de acolhida”, acrescentou.
“Em termos de emprego, a comunidade internacional deve trabalhar com os países no desenvolvimento de políticas que permitam aos refugiados se manterem financeiramente e contribuirem com a economia de sua comunidade de acolhida”, recomentou o presidente da Oxfam Estados Unidos. “É para proveito de todos que os refugiados possam encontrar um emprego estável e legal. Não se trata apenas de terem direito ao trabalho, mas que isso vai gerar comunidades mais prósperas e estáveis”, pontuou.
Em seu estudo, a Oxfam pergunta “como podemos corrigir esta falha?”.A resposta está na entrega de mais poder, recursos e responsabilidade aos atores internacionais – as agências da ONU, os países ricos, as grandes ONGs internacionais e o Movimento da Cruz Vermelha e da Meia-Lua Vermelha –, aos atores locais, como os governos e as ONGs nacionais, grupos comunitários e outras organizações da sociedade civil.
É uma tarefa enorme, reconhece a Oxfam. Mas atualmente apenas uma pequena fração dos fundos é destinada diretamente aos atores locais. Muito frequentemente os trabalhadores humanitários locais recebem instruções da comunidade internacional que tende a relegar ao papel de terceirizados, em lugar de considerá-los pares em igualdade de condições. Envolverde/IPS