Internacional

Opiniões divergentes sobre o papa

Papa Francisco durante discurso perante a sessão conjunta do Congresso dos Estados Unidos, em Washington, no dia 25. Foto: Li Muzi/Pool
Papa Francisco durante discurso perante a sessão conjunta do Congresso dos Estados Unidos, em Washington, no dia 25. Foto: Li Muzi/Pool

Por Thafli Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 30/9/2015 – As declarações do papa Francisco sobre os refugiados, a mudança climática, a venda de armas, o acordo nuclear com o Irã e as relações entre Cuba e Estados Unidos, entre outros temas políticos, foram bem recebidas por uns e causaram irritação em outros. Vários legisladores de direita nos Estados Unidos afirmaram que a “infalibilidade” do papa se refere unicamente à teologia, e não à política mundial ou à degradação do ambiente.

Pelo menos dois dos candidatos republicanos que buscam a indicação de seu partido para a Presidência dos Estados Unidos, o governador de Nova York, Chris Christie, e o senador pela Flórida, Marco Rubio, ambos católicos, discordaram de Francisco, primeiro papa latino-americano.

“Creio que o papa se equivocou”, afirmou Christie se referindo ao papel desempenhado pelo pontífice na retomada das relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos. “E o fato é que sua infalibilidade se refere aos assuntos religiosos e não políticos”, acrescentou. Para Rubio, “o papa, como pessoa individual, uma figura importante no mundo, também tem opiniões políticas. E delas, fica claro, temos a liberdade de discordar”.

Entretanto, Eric LeCompte, diretor da Rede Jubileu Estados Unidos, uma aliança de mais de 75 organizações e 400 comunidades religiosas do país, disse à IPS que Francisco nunca fez declarações “infalíveis”. As declarações infalíveis “são feitas de uma maneira muito específica, e do trono de São Pedro. Em toda a história da Igreja Católica, se fez pouquíssimas dessas declarações”, afirmou.

A questão mais importante é que todas as declarações de Francisco “são ensinamentos morais para os católicos. Quando o papa fala sobre desigualdade, pobreza, ambiente, guerra e economia, está nos dando uma orientação moral muito clara”, assegurou LeCompte, que também é consultor junto ao Vaticano.

“Sua Santidade está aplicando ensinamentos católicos e bíblicos específicos diretamente às políticas econômicas que afetam milhões de pessoas. Pede um processo de quebra internacional para proteger os mais vulneráveis às crises financeiras”, apontou LeCompte em defesa dos pronunciamentos públicos do papa. “Está aplicando ensinamentos católicos básicos sobre pobreza, compaixão e misericórdia às políticas econômicas que causam a pobreza”, detalhou.

Depois de seu histórico discurso perante a sessão conjunta do Congresso dos Estados Unidos em Washington, o papa falou na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), no dia 25. Na ocasião também pediu um sistema responsável de créditos internacionais para enfrentar a crise financeira.

“É assombroso ver o papa Francisco falar sobre a responsabilidade dos credores. Inclusive se referindo ao que era formalmente um pecado na Igreja Católica, a usura”, destacou LeCompte. O discurso papal insistiu em dois temas da agenda da ONU, a desigualdade econômica e o ambiente. O mau uso e a destruição do ambiente também estão acompanhados de um processo implacável de exclusão, afirmou.

“Um afã egoísta e limitado de poder e bem-estar material leva tanto a abusar dos recursos materiais disponíveis como a excluir os fracos e com menos habilidades, seja por ter capacidades diferentes, deficiências, ou porque estão privados dos conhecimentos e instrumentos técnicos adequados, ou possuem insuficiente capacidade de decisão política”, afirmou o papa.

“A exclusão econômica e social é uma negação total da fraternidade humana e um gravíssimo atentado aos direitos humanos e ao ambiente”, pontuou Francisco. E também afirmou que “os mais pobres são os que mais sofrem esses atentados, por um triplo grave motivo: são descartados pela sociedade, são ao mesmo tempo obrigados a viver do descarte e devem injustamente sofrer as consequências do abuso que se comete contra o ambiente. Esses fenômenos formam a hoje tão difundida e inconscientemente consolidada cultura do descarte”.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, se dirigiu ao pontífice. “O senhor está em casa não nos palácios, mas entre os pobres, não com os famosos, mas com os esquecidos, não nos retratos oficiais, mas nas selfies com os jovens”, afirmou. Como a ONU, “o senhor é motivado pela paixão por ajudar os demais. Seus pontos de vista comovem milhões. Seus ensinamentos conduzem à ação. Seu exemplo inspira a todos” , ressaltou.

Mas nem todos elogiaram tanto.

Barbara Blaine, da Rede de Sobreviventes Abusados por Sacerdotes, afirmou que o papa “fala de algum suposto ‘grande sacrifício’ realizado pelos bispos” após os abusos cometidos por religiosos católicos contra meninos e meninas, e seu posterior encobrimento, comprovado ao longo dos anos. “Qual sacrifício? Qual bispo tira menos férias, dirige um carro menor, lava sua própria roupa ou não foi promovido porque oculta os depredadores e coloca a infância em perigo”?, questionou. Nenhum, respondeu. Além disso, acrescentou, “se você é mulher, não pode ser sacerdote, se está casado, não pode ser sacerdote, mas se violou crianças pode continuar sendo sacerdote”.

Entretanto, representantes de outras organizações não governamentais elogiaram o papa, como é o caso de Ben Phillips, da ActionAid. “Nossa organização recebe com grande satisfação a liderança moral do papa sobre a desigualdade econômica e a mudança climática. Ele fala pelos muitos milhões de pessoas em todo o mundo que vivem com as consequências. A urgência agora é a ação dos líderes políticos”, acrescentou. “Em poucas palavras, o cuidado com nosso planeta e os mais necessitados entre nós é uma responsabilidade que todos compartilhamos”, ressaltou.

Barbara Frost, presidente da WaterAid, observou que Francisco lançou luz sobre a difícil situação dos mais pobres e dos mais vulneráveis, que são os mais afetados pela mudança climática e pelas enormes desigualdades que existem em nosso mundo de hoje. “Ele fez muito para reafirmar o acesso a água potável e segura e a saneamento como direitos básicos e universais essenciais para a saúde e a dignidade. E pediu a todos que cuidemos das pessoas em nosso planeta”, acrescentou.

A Campanha Internacional para Abolir as Armas Nucleares (Ican) considerou que os argumentos morais e humanitários que fundamentam o discurso do papa devem inspirar os governos a iniciarem as negociações de um tratado que proíba essas armas. “As armas nucleares são armas imorais e inaceitáveis. Os governos devem responder ao pedido do papa e iniciar a negociação de um novo instrumento jurídico” que as proíba, afirmou Beatrice Fihn, diretora da Ican. Envolverde/IPS