Internacional

Oposição a projeto constitucional no Nepal

Mulheres ativistas se opõem a um novo projeto constitucional que agravaria a desigualdade de gênero. Foto: Post Bahadur Basnet/IPS
Mulheres ativistas se opõem a um novo projeto constitucional que agravaria a desigualdade de gênero. Foto: Post Bahadur Basnet/IPS

Por Post Bahadur Basnet , da IPS –

Katmandu, Nepal, 29/7/2015 – A Assembleia Constituinte (AC) do Nepal pretende adotar no mês que vem uma nova constituição, mas enfrenta a oposição de importantes setores sociais deste país do sul da Ásia, porque o texto redigido não dá protagonismo a dois temas determinantes: identidade e inclusão. Após um ano de paralisação, os principais partidos políticos do Nepal assinaram um acordo de 16 pontos, em junho, que preparou o caminho para que a AC redigisse a nova Constituição.

Foi a primeira vez que se alcançou um acordo sobre sua redação desde o fim da guerra civil (1996-2006) e a mudança de regime da monarquia para república democrática, em 2008. A AC preparou um anteprojeto baseado no acordo de 16 pontos, e está no processo de realizar audiências públicas sobre esse texto. Porém, vários setores questionaram o projeto, preparado pelos partidos que ocupam 90% das cadeiras na AC, porque afirmam que não considera suas demandas de identidade e inclusão.

Nos últimos dias, uma série de audiências públicas sobre o projeto constitucional provocou violentos protestos em algumas partes do país, inclusive com queima de cópias de seu rascunho. A maior resistência procede dos grupos étnicos, das mulheres, dos dalits (antes conhecidos como intocáveis, neste país estruturado em castas sociais) e os nacionalistas hindus.

O projeto estabelece que caberá ao parlamento definir a forma de federalismo do Nepal, segundo recomendação de uma comissão de especialistas. Mas os ativistas que pedem o federalismo afirmam que esse é um defeito grave do rascunho atual. “O projeto delega a questão do federalismo, o que viola a Constituição interina. Estão adiando o tema porque são contra federalizar o país”, afirmou Anil Kumar Jha, dirigente do Partido Sadbhawana Nepal que defende os direitos da etnia madheshi.

Jha se referia aos partidos políticos majoritários, dominados por homens de casta hindu superior, aos quais não convém repartir seu poder com os grupos étnicos. “Queremos províncias autônomas poderosas. Se o governo federal conservar a maior parte dos poderes, a federação do país não terá sentido. Por isso não podemos aceitar esse projeto”, enfatizou. Os ativistas querem que a AC adote uma federação que inclua sua diversidade étnica. Mas essa medida não é simples, já que o Nepal abriga mais de 125 grupos étnicos e a maioria das regiões tem populações mistas.

Os principais partidos adiam o tema com a esperança de que o entusiasmo pelo federalismo étnico diminua lentamente e lhes permita elaborar uma fórmula de compromisso. Alguns dos grupos étnicos estão marginalizados desde a criação do Estado nepalês, no final do século 18. Consideram que sua libertação surgirá com a formação de províncias autônomas em suas terras tradicionais. O Estado promoveu a língua nepalesa, o hinduísmo e a cultura das colinas mediante uma política de assimilação, o que levou ao predomínio das castas hindus.

Por exemplo, os habitantes das castas altas das colinas, que representam 30,5% da população, ocupam 61,5% dos empregos públicos, segundo o Índice Multidimensional de Inclusão Social, preparado pelo Departamento de Sociologia e Antropologia da estatal Universidade de Tribhuvan. O Nepal adotou uma política de inclusão após o fim da guerra civil, em 2006, mas os grupos étnicos querem a autonomia com direito à autodeterminação de promover seu idioma, sua cultura e seus direitos econômicos.

As mulheres ativistas são contra o projeto porque suas disposições referentes à cidadania são discriminatórias e não as consagram como cidadãs em pé de igualdade. O projeto estabelece que a “cidadania por nascimento” será concedida unicamente às pessoas com pai e mãe que sejam cidadãos nepaleses. Isso significa que as mulheres deverão confirmar a identidade dos pais de seus filhos. Os ativistas afirmam que essa disposição prejudicará as mães solteiras, já que seus filhos não estarão aptos para a cidadania por descendência a menos que seus pais os reconheçam.

Do mesmo modo, as crianças nascidas de mães nepalesas e pais estrangeiros obterão a cidadania por nascimento somente se o pai também for cidadão nepalês e quando completarem 16 anos, a idade legal para obter a cidadania. Por isso as ativistas querem mudar o texto para que diga “o pai ou a mãe”. O projeto “é contrário às normas democráticas universais, fará com que as mulheres dependam dos homens para a cidadania de seus filhos”, afirmou a advogada e ativista Sapana Pradhan Malla.

As mulheres são mais da metade dos 27,8 milhões de habitantes do país. A taxa de alfabetização feminina é de 57,4%, contra os 75% dos homens. Menos de 25% das mulheres são proprietárias de terras, segundo o Índice Muldimensional da Inclusão Social. E há apenas uma mulher para cada sete funcionários públicos. A participação política das mulheres é muito baixa. A Constituição interina garante uma cota feminina de 33% nos empregos públicos e nas legislaturas nacionais, mas os números continuam péssimos. A boa notícia é que o projeto constitucional deu continuidade a esta disposição.

Por sua vez, as ativistas dalits dizem que o projeto restringe sua representação nas legislaturas federal e provinciais, entre outras coisas. A “AC anterior havia acordado dar 3% (de representação proporcional) e 5% de cadeiras adicionais aos dalits nas legislaturas federal e provinciais, respectivamente, além de sua representação proporcional nesses órgãos, como compensação pelas centenárias práticas discriminatórias”, afirmou Min Bishwakarma, um membro da comunidade dalit na AC. Como o atual projeto não inclui essas disposições, “estamos contra” ele, acrescentou.

Um total de 43,63% dos dalits das colinas, que representam 8,7% da população em geral, estão abaixo da linha de pobreza, segundo a Pesquisa Nacional de Nível de Vida realizada em 2011.

No entanto, o desafio mais sério que o projeto constitucional enfrenta provém do quarto maior partido, o Rashtriya Prajatantra-Nepal, que defende a ideologia do nacionalismo hindu. A primeira Assembleia Constituinte, eleita em 2008, se dissolveu em 2012 porque nenhum dos partidos obteve a maioria necessária de dois terços para redigir uma constituição. Envolverde/IPS