Internacional

Órfãos da aids lutam pelo futuro

Ashok Rau, diretor da Fundação Liberdade, brinca com um grupo de órfãos pelo HIV na Índia. Foto: Malini Shankar/IPS
Ashok Rau, diretor da Fundação Liberdade, brinca com um grupo de órfãos pelo HIV na Índia. Foto: Malini Shankar/IPS

Por Malini Shankar, da IPS – 

Bangalore, Índia, 2/12/2015 – Quinze milhões de pessoas têm acesso ao tratamento antirretroviral contra o vírus HIV – causador da aids – em todo o mundo, segundo o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Onusida). As novas infecções caíram 35% desde 2000 e as mortes derivadas da aids baixaram 42% desde o pico alcançado em 2004.

No dia 1º, Dia Mundial da Luta contra a Aids, especialistas alertaram que ainda há muito a se fazer para erradicar o HIV/aids, um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que governantes de todo o mundo adotaram em setembro e que deverão ser cumpridos até 2030.

O Onusida indica que a região da Ásia e do Pacífico abriga a segunda maior população de pessoas que vivem com o vírus, com uma estimativa de 4,8 milhões de afetados. Na Índia é difícil precisar a quantidade, já que existem grandes disparidades na recopilação e difusão de dados nesse país de 1,25 bilhão de habitantes.

O informe do Onusida sobre déficits e diferenças em 2014 indica que a Índia tem a terceira maior epidemia de HIV no mundo, com prevalência em 2013 calculada em 0,3% da população, ou 2,1 milhões de pessoas. Nesse mesmo ano, estimava-se que 130 mil pessoas morreram nesse país devido a doenças relacionadas com a aids. Mas a epidemia está desacelerando, com queda de 19% nas novas infecções, para 130 mil em 2013, e uma redução de 38% nas mortes relacionadas com a aids entre 2005 e 2013. Entretanto, 51% das mortes na Ásia ocorrem na Índia.

“As crianças e adultos que vivem com o HIV e a aids continuam sofrendo o estigma e a discriminação, já que a aceitação social continua sendo muito escassa”, denunciou Ashok Rau, diretor da Fundação Liberdade, com sede na cidade de Bangalore. Neethi, de 12 anos, é uma recém-chegada ao orfanato da Fundação e ainda tem dificuldade em se adaptar.

“Estou estudando primeiro ano (da escola secundária). Tinha dois anos e meio quando minha mãe morreu. Não me lembro do seu rosto. Morreu de aids. Não sei que idade tinha, nem se foi ela que teve primeiro a doença ou o papai. Depois da morte da minha mãe, meu pai me deixou aos cuidados dos meus avós maternos, com Neethi à IPS. Seu pai se casou novamente e sua segunda esposa também contraiu o HIV. Neethi foi morar com eles, mas o ambiente era hostil. E, em algum momento depois que sua mãe morreu, foi diagnosticada com o vírus.

“No hospital fui internada na sala de pediatria feminina. Me colocaram medicamento na veia e minha mão ficou inchada. Meu pai me dava de comer na hora da janta. Às 20 horas o pessoal do hospital o retirava porque terminava a hora da visita” e não se permitia a presença masculina, explicou. “Minha madrasta se negou a me dar de comer e, por outro lado, comia a janta”, contou Neethi.

Depois desse incidente, seu pai a levou à Fundação Liberdade. “Ele seu deu conta de que minha madrasta me maltratava e abusava de mim. Ele continua vivo, me visita, me agrada e me telefona uma vez por semana”, acrescentou a jovem. “Estou desesperada e necessitada de amor, porque sinto que o mundo não se preocupa com gente como eu. As conselheiras me dizem que devo ser valente e enfrentar o mundo”, lamentou Neethi.

O pai de Hamsini, de 16 anos, morreu há dez e sua mãe há seis. “Não sabia se meus pais eram soropositivos. Foi quando minha irmã mais nova também morreu que fizeram o teste em mim. Não se sabia com certeza se eu era positiva porque os resultados não foram conclusivos”, explicou.

“Depois da morte dos meus pais e da minha irmã, meus familiares me estigmatizaram e discriminaram, abusavam emocionalmente de mim e me insultavam. Então me trouxeram para a Fundação Liberdade, e há uns três anos os testes confirmaram que também tenho HIV”, contou Hamsini.

Basavalinga, de 15 anos, é oriundo de Gulbarga, distrito do Estado de Karnataka. “Cheguei ao orfanato da Fundação Liberdade em 2009. Meu pai morreu de aids em 2005 e minha mãe em 2007. Mas lembro que em 2004, quando tinha quatro anos, alguém me disse que eu sofria de uma doença incurável. Meus pais me levaram a uma pessoa que marcou meu estômago com uma barra de ferro quente. A cicatriz está lá”, disse.

“Quando meus pais morreram, meus tios cuidaram de mim, mas começaram a me maltratar e discriminar entre as outras crianças. Então me dei conta de que alguma coisa não estava certa. Em 2007, me fizeram o teste de HIV e deu positivo”, acrescentou Basavalinga. Em 2009, seus tios o levaram para o orfanato.

Tejas e seu irmão de 14 anos, Tarun, são da localidade de Malur, perto de Bangalore. Toda sua família foi atingida pela doença. Ambos estão na Fundação Liberdade desde 2009. Tejas não tem certeza se é soropositivo. “Mas meu irmão mais novo é. Meu pai tinha três esposas e teve dois filhos com cada uma, mas agora todos meus pais estão mortos, todos morreram de adis. Não sei se meus meio-irmãos também são positivos”, acrescentou.

Ashok Rau destacou que “as crianças precisam pagar suas mensalidades escolares, os livros, uniformes, para terem uma integração efetiva. O critério para a integração sem atritos é a educação e habilidades para a vida, além da medicação e do bom assessoramento. Muitos se casam e vivem uma vida produtiva como adultos jovens”.

“Nosso assessoramento e apoio para a integração teve alguns êxitos assombrosos: alguns dos nossos órfãos pelo HIV trabalham em multinacionais importantes, e no setor empresarial. Isso ressalta a necessidade da educação”, afirmou o diretor da Fundação, enfatizou que o orfanato necessita com urgência de fundos para continuar funcionando. Envolverde/IPS