Por Roberto Savio*
Roma, Itália, setembro/2015 – A zona do euro foi construída sem garantir suas vigas e agora começam a aparecer rachaduras. A ideia de que uma moeda comum seria suficiente para integrar 19 países talvez tivesse sido possível, se a geração anterior de líderes políticos competentes ainda estivesse em atividade.
Os atuais políticos são incapazes de sonhos e visões. Na União Europeia (UE), a irresolúvel crise dos refugiados é um bom exemplo de falta de solidariedade.
No que já passou deste ano, aumentou a brecha Norte-Sul no continente. Os países credores do norte da Europa não querem ajudar os países devedores do Sul.
Agora surge outra divisão, entre Europa oriental e ocidental. Os países do leste não têm a menor intenção de assumir nenhuma responsabilidade na crise dos refugiados. A imagem que simboliza esta atitude é a da jornalista húngara Petra Laszlo, captada aplicando uma rasteira em um refugiado que corre com seu filho nos braços.
Façamos algumas reflexões. A primeira, sobre a identidade da Europa. Muitos dão como certo que todos os países europeus compartilham uma história e uma cultura comuns.
A história é muito mais importante do que costumamos assumir, mas não passemos por alto a respeito de um simples fato histórico: a Europa que se projetava no mundo era somente sua metade ocidental.
A Europa em tempos de colônias e impérios era somente a de Portugal, Espanha, França, Itália, Holanda, Bélgica, Grã-Bretanha e Alemanha.
Nenhum país da Europa Oriental, começando pela Áustria e terminando com a Polônia, teve uma colônia. Mais tarde, quando o colonialismo e o imperialismo expandiram o comércio e as finanças sob o controle de grandes empresas ocidentais, na Europa Oriental não surgiu nenhuma corporação transnacional.
A Europa internacional, na realidade, era Europa Ocidental. Em 1991, após o fim da Guerra Fria, a Sociedade Internacional para o Desenvolvimento (SID) organizou uma conferência em Viena entre os presidentes do Senado e das Comissões Parlamentares de Assuntos Exteriores da agora “livre” Europa Oriental e seus pares ocidentais. Os ocidentais queriam conhecer a política dos orientais para os países do Sul em desenvolvimento.
A um parlamentar polonês foi dada a tarefa de falar em nome da região oriental. Sua posição pode ser resumida em algumas frases.
– Não nos sentimos agradecidos à Europa, mas aos Estados Unidos. Se não fosse por eles ainda estaríamos sob o comunismo.
– Gastamos muito dinheiro e esforços na África, Ásia e América Latina, porque a União Soviética nos ordenava fazê-lo durante a Guerra Fria. Agora que somos livres, não podemos nos preocupar com esses países. Em primeiro lugar, devemos nos desenvolver, e, quando alcançarmos o nível da Europa Ocidental, voltaremos a pensar no Sul.
– O comunismo nos privou de nosso nível de vida, e queremos recuperá-lo. Isto também é um dever do Ocidente. Mais nos valeria nos unir aos Estados Unidos. Como isto não é possível, nos uniremos à Europa. O fazemos para obter os recursos que necessitamos e é vossa obrigação nos dar.
– Nossa posição é que se deve deixar de destinar recursos aos países da África, Ásia, América Latina e, por outro lado, encaminhar esses recursos, e outros que possam encontrar, para nós.
O dramático êxodo de refugiados é uma consequência direta das políticas da Europa e dos Estados Unidos no mundo árabe. A invasão do Iraque, e sobretudo as ações da administração incompetente de Washington, abriu a caixa de Pandora da qual surgiu o Estado Islâmico.
A isto se deve acrescentar a catastrófica intervenção na Líbia encabeçada por Nicolas Sarkozy (presidente da França entre 2007 e 2012), bem como a intromissão dos Estados Unidos e da Europa na Síria. Os 200 mil sírios mortos e os mais de quatro milhões de refugiados pesam na consciência de Rússia, Estados Unidos e países europeus e árabes, que estão lutando em uma guerra pelo poder na Síria.
Mas os cidadãos da Europa Oriental sentem que nada têm a ver com as invasões no Oriente Médio. Segundo eles, “nos unimos à UE para receber ajuda e turistas, não imigrantes”.
Essa percepção também explica a indiferença da Europa do Leste com o drama grego. É outro sintoma do fato de que a UE de 28 membros, desgarrada por contrastes Norte-Sul e Leste-Oeste, parece dividida em quatro.
Entretanto, todos exaltam as posturas da chanceler alemã, Angela Merkel, sobre a questão dos refugiados. Na verdade, ela está seguindo mais o cérebro do que o coração.
Merkel conhece as projeções demográficas que indicam que a Europa e a Alemanha necessitam de uma maciça afluência de imigrantes se desejam continuar sendo competitivos em nível internacional.
As projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que no curto prazo é necessário receber ao menos 20 milhões de pessoas para compensar a escassez de fertilidade interna.
Esse fenômeno bem conhecido é crucial para o futuro da Europa. Entretanto, esta região de quase 500 milhões de pessoas, pressionada pela ascensão de partidos xenófobos, durante meses esteve debatendo como dar abrigo a 45 mil refugiados, o que é um bom exemplo de como a Europa perdeu seu rumo.
Os refugiados já representam 25% da população do Líbano, enquanto a última onda de refugiados rumo à UE equivale a um insignificante 0,11% de seus habitantes. Os 11 milhões de imigrantes ilegais nos Estados Unidos representam 3,5% de uma população racialmente heterogênea de 320 milhões.
Merkel sabe que a partir do próximo ano a população alemã começará a diminuir, enquanto a Rússia perde 800 mil cidadãos a cada ano.
A iniciativa de Merkel também teve o efeito positivo de colocar os partidos europeus de extrema direita contra a parede. Porém, há 60 milhões de refugiados no mundo e não existe uma política de responsabilidade em relação a eles.
Os Estados Unidos agem como se nada tivessem a ver com os quatro milhões de refugiados sírios, os quais em sua grande maioria fugiram para países que não são ricos, como Líbano, Jordânia e Turquia.
Agora seu secretário de Estado, John Kerry, considera a possibilidade de receber até cem mil refugiados até 2017, enquanto nenhum dos 14 candidatos presidenciais considera o tema dos refugiados durante a campanha pré-eleitoral.
Nem falar dos monarcas dos países do Golfo, que participam ativamente da destruição da Síria. Ajudam os refugiados mediante grandes contribuições financeiras, mas inferiores ao que investem na guerra.
Deveríamos deixar de declamar solidariedade e começar a falar de responsabilidade. É isto o que devemos exigir. Envolverde/IPS
* Roberto Savio é fundador da agência IPS e editor do boletim de notícias Other News.