Por Mario Osava, da IPS –
Assunção, Paraguai, 14/4/2016 – Gustavo Agüero dirige veículos automotores desde os 12 anos. Agora, aos 24, é taxista na capital do Paraguai, mas com larga experiência de caminhoneiro, ocupação de todos os homens adultos de sua família: pai, três tios, dois irmãos e cinco primos.Tudo começou com o pai, que adquiriu um caminhão para transportar gado do interior profundo do Paraguai, e ensinou o ofício para duas gerações dos familiares mais próximos, que vivem todos na periferia de Assunção.
Agüero seguiu o caminho paterno, até que as longas viagens por estradas inóspitas lhe pareceram muito sacrifício. “Tinha que buscar o gado no Chaco, a 300 quilômetros de estrada de terra. Com chuva, ficava preso por uma semana por lá”, recordou. “Melhor dormir todas as noites em casa, por isso preferi o táxi”, contou. Já o seu pai não gostou da vida de taxista, que experimentou por pouco tempo. Aos 55 anos, continua transportando bois.
Seus cinco primos suportam viagens mais longas, vão ao Chile com seus caminhões-cegonha para trazer automóveis japoneses “seminovos”, que são os mais numerosos na área metropolitana de Assunção, porque são mais baratos e mantêm a qualidade. “Ser cegonheiro é duro, ficar um mês fora em cada viagem e cruzar os Andes, sofrendo alterações extremas de temperatura”,explicou Victor Villamayor, caminhoneiro durante metade de seus 42 anos
Morador perto de Ciudad del Este, na fronteira sudeste, Villamayor agora se dedica ao transporte de soja, depois de rodar vários anos levando cargas variadas ao Brasil e pelos mais de dois mil quilômetros de estradas entre Assunção e os portos do Oceano Pacífico para trazer os automóveis apelidados de Via Chile.
“Não quero mais dirigir cegonheiras”, decidiu, depois de uma última viagem em que trouxe para si mesmo um automóvel da marca Toyota, que lhe custou 40% menos do que os US$ 8,5 mil que costuma custar um Via Chile similar no Paraguai. Em sua avaliação, esse tipo de importação “está acabando”, porque,“com o crédito de longo prazo, qualquer um pode comprar carro novo”. Os Via Chile vêm com o volante do lado direito, exigem a mudança para o esquerdo, que é feita em oficinas especializadas.
Desde final de março, o Paraguai conta com uma montadora de automóveis chineses da marca JAC, a preços baixos e facilidade de financiamento, desestimulando a importação de carros usados. Além disso, há o interesse dos países vizinhos na suspensão dessas importações de veículos usados, em detrimento da indústria automobilística instalada no Mercosul, especialmente no Brasil. O mercado paraguaio é pequeno, mas poderia aliviar a grave crise atual das montadoras brasileiras.
Villamayor reconheceu que nas estradas chilenas circula-se melhor e “a polícia nunca te pede suborno”, ao contrário do Paraguai. E no Brasil teve a surpresa de ganhar “estadia”, diária para os gastos durante a viagem, um pagamento que não existe neste país do Cone Sul americano.A comparação permite que se queixe do “pouco respeito” com os caminhoneiros do Paraguai, país com 6,8 milhões de habitantes, dos quais 18,8% ainda vivem em situação de pobreza, embora a porcentagem tenha caído desde 2009, quando ela afetava 32,5% da população, graças a um alto crescimento econômico durante esta década, segundo dados do Banco Mundial.
Ainda assim, o sonho de Villamayor é ter seu próprio caminhão, para aumentar sua renda, disse à IPS, enquanto esperava sua vez para descarregar no Complexo Agroindustrial Angostura (Caiasa), onde fica a maior processadora de soja do país, ao sul de Assunção. A soja ele trouxe do departamento Alto Paraná, a mais de 300 quilômetros.
Só para abastecer o Caiasa de matéria-prima para a produção de farinha e óleo de soja, estima-se que trabalhem cerca de dois mil caminhoneiros. Duas outras gigantes do comércio agrícola mundial, as norte-americanas ADM e Cargill, também instalaram plantas industriais no Paraguai, mobilizando outros milhares de caminhoneiros.A agroindústria é a ponta de lança do processo de industrialização que vive o Paraguai e que permite agregar valor às suas exportações, que em 60% são agropecuárias.
A soja, cuja produção local triplicou nos últimos 20 anos e já supera oito milhões de toneladas anuais, se converteu no principal produto de exportação paraguaio e impulsionou a frota de transporte viário no país. Pouco mais da metade da soja ainda é exportada em grãos, principalmente pela hidrovia dos rios Paraguai-Paraná, o que multiplicou os portos fluviais.
“A vida do caminhoneiro é esperar, há portos desorganizados onde ficamos quatro ou cinco dias para descarregar a soja”, lamentou Martín Echauri, de 47 anos, 30 deles conduzindo caminhões. Foi há 13 anos que conseguiu comprar seu próprio caminhão. OCaiasa é exceção, pois tem recepção organizada e limita a espera a um máximo de 24 horas, reconheceram Echauri e Villamayor. Mas se queixaram de que no estacionamento não tem banheiro, nem restaurante ou um lugar para se acomodar.
Outra longa espera ocorre nos pontos de carga durante o período final da colheita, normalmente em março, quando escasseia a soja nas plantações e são necessários vários dias para completar as 30 toneladas que os caminhões graneleiros costumam transportar. O mesmo acontece com o milho, o trigo e outros produtos agrícolas.
“Precisamos de crédito para comprar nossos caminhões”, pontuou Mario Ortellado, de 41 anos, que, como a maioria dos caminhoneiros, trabalha para empresas ou donos individuais desses veículos de carga. “As cooperativas,às quais aportamos uma quantia mensal, deveriam oferecer esses empréstimos, já que os bancos não os concedem, porque não temos documentos para provar nossa capacidade de pagamento”, destacou.
Uma dificuldade é o caráter sazonal da produção agrícola, ao qual se somam os altos e baixos dos preços de matéria-prima. Desde 2015,a queda do preço da soja diminuiu em cerca de 60% a renda mensal dos caminhoneiros, segundo Gustavo Arrua de 26 anos e novo na atividade. Após quatro anos transportando soja e de ter começado em uma época de bonança, pelos preços recordes da oleaginosa, sofre sua primeira crise.
Arrua pensa em desistir e voltar ao seu oficio de operador de empilhadeira e outras máquinas de armazéns agrícolas. Ganharia o salário mínimo, 1,8 milhão de guaranis (US$ 325), metade do que consegue neste ano de vacas magras com o caminhão, mas “por oito horas de trabalho diário, com descanso, enquanto aqui são viagens de 16 a 18 horas”, ressaltou.
Por outro lado, Jorge Bogado, de 32 anos e uma filha pequena, sonha em deixar o táxi e voltar ao caminhão-tanque, que dirigiu por quatro anos transportando combustível, outro produto que mobiliza milhares de caminhões de norte a sul do Paraguai. Seu vínculo com veículos também começou na adolescência, mas em uma oficina mecânica de Luque, cidade próxima a Assunção.
“Transportar combustível é mais perigoso, exige habilitação especial, após curso de seis meses e depois de aulas de segurança mensais”, detalhou Bogado. “Mas permite percorrer e conhecer todos os lugares do país, enquanto a soja se limita a uma rota da área produtora até o porto. O caminhoneiro sofre, mas ganha mais como resultado de seu sacrifício”, concluiu.
A quantidade e o peso desses trabalhadores na economia paraguaia motivou a criação, em 1999, da empresa Paraguay Films, que produz um programa nacional de televisão, o Amigo Caminhoneiro, uma revista com o mesmo título e outras publicações especializadas, como Oficina Mecânicae Máquinas e Construções. Envolverde/IPS