Internacional

Paralisação ameaça solidariedade

O acesso a novas tecnologias será cada vez mais crucial para o progresso e o desenvolvimento sustentável em muitas áreas, incluída a melhora da segurança alimentar. Bióloga Ana Panta, no banco de germoplasma do Centro Internacional da Batata, no Peru. Foto: Milagros Salazar/IPS
O acesso a novas tecnologias será cada vez mais crucial para o progresso e o desenvolvimento sustentável em muitas áreas, incluída a melhora da segurança alimentar. Bióloga Ana Panta, no banco de germoplasma do Centro Internacional da Batata, no Peru. Foto: Milagros Salazar/IPS

Por Jomo Kwame Sundaram e Rob Vos*

Roma, Itália, 17/9/2015 – A nova Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 será lançada oficialmente em uma cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York, que acontecerá entre os dias 25 e 27 deste mês. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que deverão ser alcançados até 2030 e que substituem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), incluem um chamado à revitalização da solidariedade internacional.

A Conferência sobre o Financiamento para o Desenvolvimento, realizada em Adis Abeba em julho, foi o primeiro teste do grau de compromisso que existe para dotar a nova agenda com os meios necessários para que seja cumprida. Mas a conferência reiterou em grande parte os compromissos dos ODM. Falta uma solidariedade mais ambiciosa. A paralisação econômica prolongada e a austeridade dos países ricos não são um bom presságio.

O histórico de solidariedade mundial, no contexto dos ODM, foi decepcionante. Os informes anuais da ONU sobre os ODM, incluído o último, referente a 2015, mostraram várias deficiências. Há quase 50 anos a comunidade internacional se comprometeu a transferir 0,7% da renda bruta nacional (RBN) dos países ricos para os países pobres em forma de assistência oficial ao desenvolvimento (AOD), ou como ajuda.

Após diminuir na década de 1990, o volume da AOD cresceu 66% em termos reais desde 2000, e chegou a US$ 135 bilhões no ano passado. Entretanto, isso representa apenas 0,29% da RBN dos países doadores, menos da metade do prometido, o que implica déficit de US$ 191 bilhões. Pelo menos 0,15% da RBN dos doadores (US$ 70 bilhões) deveria ser destinado aos países menos adiantados (PMA). Porém, em 2014, estes receberam somente US$ 45 bilhões, apenas dois terços da cota prometida, o que implica déficit de US$ 22 bilhões.

Na cúpula do Grupo dos Oito (G8) países mais ricos realizada em 2005, na localidade escocesa de Gleneagles, seus governantes se comprometeram a somar US$ 25 bilhões à AOD anual à África, até chegar a US$ 64 bilhões. Nos fatos, somaram US$ 18 bilhões a menos, uma diferença de 72%, em média. Entretanto, a ajuda internacional foi relativamente estável e fundamental no crescimento de algumas economias africanas nos últimos anos, especialmente quando utilizada para melhorar a infraestrutura e a agricultura.

Grande parte da AOD bilateral costuma ser condicionada, o que frequentemente implica o pagamento excessivo por produtos e serviços caros do país doador, incluída a assistência técnica desnecessária ou não desejada. Nos anos 1990, houve avanço na eliminação das condições da ajuda, mas esse progresso praticamente cessou com o novo milênio. A proporção da ajuda não condicionada dos países doadores aumentou apenas de 80% para 83% entre 2000 e 2013. Dessa forma, uma parte considerável da ajuda continua sendo destinada de acordo com as prioridades dos doadores, o que limita a margem política dos destinatários.

Dívida

O maior êxito na última década provavelmente tenha a ver com a sustentabilidade da dívida. Avançou consideravelmente a iniciativa dos países pobres muito devedores (PPME) e a iniciativa de alívio da dívida multilateral complementar. Mas a redução da dívida ainda não é tratada como algo adicional à AOD, o que resulta em “duplo cômputo”, a primeira vez na qualidade de empréstimo em condições favoráveis e, depois, como um perdão da dívida. Assim, as transferências reais de recursos costumam ser bem menores do que a AOD declarada, e grande parte é destinada ao pagamento da dívida existente.

A dívida externa dos países em desenvolvimento continua diminuindo, embora a proporção seja maior para os países de baixa renda depois da crise de 2008-2009. Embora os níveis sejam mais altos agora do que em 2000, a maioria não é considerada em um nível de perigo. Porém, essa situação pode piorar se for mantida a queda dos preços dos produtos básicos, que começou no ano passado.

Alguns PPME estão perto de ter níveis altos de superendividamento. A maior preocupação reside na dívida dos muitos pequenos Estados insulares em desenvolvimento, especialmente no Caribe, com uma taxa de dívida externa superior a 100%. Nos últimos 15 anos, a crise de dívida soberana também afetou países de maiores rendas, como Argentina, Grécia e Islândia, o que ressalta a necessidade de a comunidade elaborar um marco de renegociação da dívida que seja equitativo e eficaz.

Na cúpula dos PMA realizada em Bruxelas em 2001. a comunidade internacional se comprometeu a outorgar um acesso livre de tarifas alfandegárias e cotas às exportações desses países. Na prática, o acesso aumentou de 75% em 2000, para 90% em 2005, caindo novamente para 84% em 2014. O acesso fácil e equitativo às novas tecnologias será cada vez mais crucial para o progresso humano e o desenvolvimento sustentável em muitas áreas, incluída a melhora da segurança alimentar, além da mitigação da mudança climática e a adaptação a ela.

A queda da pesquisa no setor público, o fortalecimento das demandas de direitos de propriedade intelectual e o consequente maior controle privado das tecnologias têm consequências nefastas para os pobres, que não podem pagar o acesso.

O progresso para garantir o acesso fácil aos medicamentos essenciais genéricos é escasso. Entre 2007 e 2014, os mesmos estavam disponíveis em apenas 58% dos centros sanitários públicos e em 67% das instalações privadas. Em comparação com os preços internacionais, o custo médio desses medicamentos era, aproximadamente, 5,7 vezes maior nos países de renda média/baixa, e três vezes maior nos países de baixa renda.

Esses antecedentes deveriam colocar um pouco de pressão no debate em curso sobre os “meios de execução” para facilitar o êxito dos ODS. É fundamental mobilizar esses meios em uma escala muito maior para realizar a promessa de um mundo mais inclusivo e sustentável, sem pobreza nem fome. Envolverde/IPS

* Jomo Kwame Sundaram e Rob Vos integram a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).