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TERRAMÉRICA - Esse pássaro já não existe

Os pescadores Díaz e Gorrín mostram a exígua captura diária de ariocó. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Os pescadores Díaz e Gorrín mostram a exígua captura diária de ariocó. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Decretar oficialmente que uma espécie está extinta deve demorar décadas desde seu último avistamento.

Cajío, Cuba e Rio de Janeiro, Brasil, 4 de novembro de 2013 (Terramérica).- Quando uma espécie se extingue (um peixe do Caribe cubano, uma ave das selvas brasileiras), fica um vazio e muitas incertezas. A ausência pode alterar o meio ambiente e até ser causa de fome. “Te digo em uma frase: tudo está reduzido”, disse o pescador Lázaro Andrés Gorrín. Ele ganha a vida nas águas escuras do Golfo de Batabanó, que banham seu humilde povoado, Cajío, no sudoeste de Cuba.

A tradição pesqueira, alma de mais de 577 assentamentos costeiros desse arquipélago caribenho, está em perigo por causa da queda nas capturas em todo o litoral. “Agora passamos um dia inteiro para cobrir apenas o fundo da caixa e o dinheiro obtido é pouco”, contou Gorrín ao Terramérica, enquanto mostrava os poucos e pequenos ariocós (Lutjanus synagris) que pegou. “Com isso não se pode manter uma família”, afirmou sua esposa, que o esperava para levar a pesca para casa.

A sobrepesca é a principal causa da redução do ariocó no Golfo de Batabanó e do quase desaparecimento do mero crioulo (Epinephelus striatus) em toda a área de seu habitat, entre outras perdas. Em 1990, a queda ficou muito evidente, para a qual também incidem a poluição, a elevação da temperatura do mar e sua maior salinidade, já que os represados rios cubanos lançam menos água doce nas costas.

O tamanho dos peixes é menor e predominam os de carnes menos apreciadas pela população, segundo pesquisas do especialista em oceanos Rodolfo Claro. Por isso, Gorrín, de 41 anos, e outros pescadores pensam “seriamente” em ir para rios, lagoas e represas, ou migrar para outras formas de subsistência. Alguns se sentem velhos para deixar o ofício legado por seus ancestrais.

Por exemplo, Roberto Díaz, de 53 anos, que sai com Gorrín em um pequeno barco a motor para pescar “à pita” (com cordel de náilon) e redes rústicas a cerca de 40 milhas da costa de Cajío. “Continuo aqui, embora cada dia seja mais difícil conseguir bons ganhos. Também existem muitas regulamentações. É proibida a pesca de várias espécies e o uso de alguns apetrechos e métodos de pesca”, detalhou ao Terramérica.

Há 15 anos, esses homens de uma cooperativa pesqueira saíam em balsas e lotavam a geladeira todos os dias com abundantes ariocós, pargos e meros, entre outros pescados. Entretanto, Cuba pescou demais entre as décadas de 1960 e 1980. Apenas em 1985, foram capturadas 78 mil toneladas de pescado na plataforma submarina. Desde então, e com a crise econômica que começou nos anos 1990, o setor pesqueiro diminuiu e foram estabelecidas proibições para áreas e espécies.

Em 2012, toda a oferta de pescado, incluindo a aquicultura, foi de 48.498 toneladas. De ariocó, apenas 1.694 toneladas, e de mero não passou de 26. Em 2007, foram proibidos os chinchorros, arte de pesca de arrasto com redes de malhas muito finas que depredavam o habitat marinho. “Os barcos de arrasto e o uso de tranques (sistema de redes na água) acabaram com o ariocó”, observou Díaz.

Como quase não há empregos na pesca, aparece a atividade informal, que também depreda: de subsistência, furtiva ou legalizada como recreativa. Instalado na cabine de trato como se fosse balsa, um eletricista do município de Quivicán, perto de Cajío, se dedica a pescar nos finais de semana para melhorar a alimentação de sua família. Não pode ir além de 400 metros da costa, explicou ao Terramérica.

“Ainda que quisesse, não poderia me dedicar apenas a isso”, afirmou esse homem que pede para não ter o nome revelado. Pescar era um hobby desde a infância, mas hoje tem outro aspecto. “Não sei se o que faço é legal”, acrescentou. Estima-se que há cerca de 8,7 milhões de espécies que criam as condições para que a Terra seja um planeta habitável. A humanidade sabe muito pouco sobre boa parte delas. Algumas se extinguem antes que saibamos de sua existência. Outras, mal são descobertas.

Adeus a um regulador de insetos

Alguns milhares de quilômetros ao sul de Cajío, na Mata Atlântica do nordeste do Brasil, já não se encontra o limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi), um pássaro de 18 centímetros e cor vermelho-tijolo, que foi descoberto em 1979, no Estado de Alagoas. Na época, era uma ave “relativamente fácil de encontrar” nas margens das clareiras da selva, disse ao Terramérica a bióloga Tatiana Pongiluppi, coordenadora de projetos da conservacionista Save Brasil, parte da aliança mundial BirdLife International.

No Brasil, é chamado de limpa-folha-do-nordeste porque se alimentava de insetos que encontrava em folhas, cascas de árvores, gretas e detritos. Controles feitos em 1992 e 1998 mostraram que a espécie já era rara. E foi visto pela última vez em 13 de setembro de 2011, quando foi filmado pelo fotógrafo Ciro Albano. O limpa-folha era importante no controle populacional de insetos. Além disso, atraía observadores de aves de várias partes do mundo, uma atividade turística que dava rendimentos.

Em 1998, só foram encontrados exemplares solitários. Em 2000, foram registrados apenas quatro no Centro de Endemismo Pernambuco, uma área de grande biodiversidade ao norte do rio São Francisco. O principal motivo de sua ausência é o desmatamento para dar lugar à cana-de-açúcar, obter lenha para carvão e madeira para a indústria mobiliária, apontou Pongiluppi. Sua sobrevivência se associa a ambientes com árvores altas e grande quantidade de bromélias, em cujas folhas secas o pássaro encontrava alimento.

A Mata Atlântica foi uma região de florestas que se estendiam por todo o litoral do Brasil, desde o extremo norte até o sul, incluindo partes do leste do Paraguai e do nordeste da Argentina. Sua vegetação original cobria 1,3 milhão de quilômetros quadrados. Hoje subsiste apenas 7% desse bioma, que, no entanto, é uma das principais reservas mundiais de biodiversidade, com 20 mil espécies vegetais, 849 de aves, 370 de anfíbios, 200 de répteis, 270 de mamíferos e 350 de peixes.

Nenhum exemplar de limpa-folha vive cativo. “Alimenta-se de insetos, e não há técnicas desenvolvidas para sua manutenção e reprodução em cativeiro”, explicou Pongiluppi. Oficialmente, a espécie é considerada “criticamente ameaçada”. A extinção só é decretada quando não restam dúvidas de que o último exemplar morreu. E isso pode levar décadas.

“Não podemos afirmar que morreram os indivíduos avistados nos últimos anos, porque não temos provas. Mas essa espécie não é registrada desde 2011, apesar do esforço de ornitólogos e observadores de aves” que realizam diversas viagens para encontrá-lo, ressaltou a bióloga. O mesmo triste destino espera outras aves na mesma região. No Brasil já se extinguiram sete espécies de fauna, disse ao Terramérica o especialista Ugo Eichler Vercillo, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade: uma de libélula, duas de minhocas de terra, uma de formiga, uma de rã e duas espécies de aves.

Um exemplar de Philydor novaesi na reserva Frei Caneca em Pernambuco. Foto: Carlos Gussoni
Um exemplar de Philydor novaesi na reserva Frei Caneca em Pernambuco. Foto: Carlos Gussoni

Lutando contra a extinção

Acossadas por uma meteorologia errática e uma praga persistente que dizimou as plantações de café, mulheres indígenas da província de Lamas, no norte amazônico do Peru, preferiram não ficar chorando pelo desaparecimento de cultivos que permitiam às suas avós colocarem alimento na mesa. Saíram a resgatá-los. As mulheres pediram apoio à Federação dos Povos Indígenas Kechwas da Região San Martín para voltarem a plantar dois tubérculos, inhame (Discorea trifida) e ariá (Calathea allouia); uma raiz, inhame-coco (Colocasia esculenta), e a semente oleaginosa amêndoa lopo (Plukenetia volubilis).

Em várias aldeias, “as sementes e os tubérculos desses cultivos haviam desaparecido por completo, e era necessário adquiri-los em outras comunidades, em alguns casos distantes”, afirma um documento da organização humanitária Oxfam, que deu apoio financeiro a essa iniciativa, desenvolvida desde 2011. Em chácaras de meio hectare foi plantado inhame, ariá e inhame-coco, que demoram um ano para poderem ser colhidos, combinados com outros alimentos de ciclos menores: amendoim, milho, feijão e hortaliças.

Os sábios de cada comunidade ajudaram a resgatar os métodos de cultivo e a desenhar um calendário agrícola. As mulheres, organizadas em clubes de mães, escolheram uma coordenadora por aldeia. Embora a ideia inicial fosse satisfazer o autoconsumo, as mulheres viram que havia na cidade de Lamas uma demanda por pratos “preparados pela avó”.

Por meio de feiras e concursos gastronômicos, foi promovida e resgatada a diversidade agrícola. A comunidade de Chumbakiwi, de aproximadamente 330 habitantes, ficou em primeiro lugar ao apresentar, na feira inicial, 79 variedades de cultivos. Cada aldeia decidiu o que fazer com o dinheiro obtido. Em alguns casos, foi criado um fundo para adquirir mais sementes e continuar conservando. (Envolverde/Terramérica)

* Com colaborações de Ivet González (Cajío), Fabíola Ortiz (Rio de Janeiro) e Milagros Salazar (Lima).

 

LINKS

Manguezais cubanos gritam de sede

Proteger para conservar

“Extinção de espécies não se freia com magia”

Por uma pesca sustentável – 2005, em espanhol

Furacão Charley arrasou a lenda de Cajío – 2004, em espanhol

Mulheres preservam biodiversidade da batata – 2008, em espanhol

O caminho da batata – 2008, em espanhol

 

 

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.