Internacional

Paz não reassentou refugiados no Sri Lanka

Há seis anos que o Sri Lanka está em paz, mas a vida continua difícil nas áreas que sofreram os piores combates, especialmente para os refugiados. Foto: Amantha Perera/IPS
Há seis anos que o Sri Lanka está em paz, mas a vida continua difícil nas áreas que sofreram os piores combates, especialmente para os refugiados. Foto: Amantha Perera/IPS

Por Amantha Perera, da IPS – 

Jaffna, Sri Lanka, 2/9/2015 – O novo governo do Sri Lanka, formado após as eleições legislativas do dia 17 deste mês, não herdou uma bagagem tão pesada como aconteceu com seu antecessor, após quase 30 anos de guerra civil nesta nação insular da Ásia meridional. Mas, após seis anos de paz, o presidente Maithripala Sirisena, no poder desde janeiro, e seu remodelado governo deverão priorizar a atenção a algumas das feridas mais dolorosas ainda não fechadas da guerra, com apoio do novo parlamento.

Entre essas tarefas se destaca o destino de mais de 50 mil refugiados, alguns dos quais tiveram que abandonar suas casas há duas décadas. Embora os enfrentamentos entre as forças governamentais e os separatistas Tigres para a Libertação da Pátria Tâmil Ealam (LTTE) tenham terminado em 2009, encerrando um capítulo violento de 29 anos, Siva Ariyarathnam ainda espera que as autoridades lhe digam quando poderá voltar para sua casa.

Como outras dezenas de milhares de pessoas, Ariyarathnam fugiu com sua família quando o exército assumiu o controle da província Norte, nos anos 1990, dentro de sua estratégia para derrotar o LTTE, que começou a luta armada em 1983 buscando instalar um território autônomo para a minoria tâmil neste país de maioria cingalesa. O governo que deixou o poder declarou que devolveria a terra às 50 mil pessoas afetadas, mas não disse quando isso aconteceria, e Ariyarathnam protesta para que isso ocorra logo.

“Sabe como é viver na casa de outras pessoas tanto tempo? Sempre se é um estranho”, contou Ariyarathnam à IPS. “Envelheço e quero viver com minha família sob meu próprio teto. Quero morrer em minha própria casa, não em qualquer lugar”, acrescentou.

Sua história se repete uma e outra vez na zona onde aconteceu o conflito, uma grande extensão de terra no norte do país, que inclui a região de Vanni, a península de Jaffna e partes da província Leste, que o LTTE governou de fato após eclodir o conflito em 1983, quando milhares de tâmeis foram obrigados a emigrar para o sul, onde reside a maioria cingalesa.

Durante os anos de guerra, o deslocamento de civis foi moeda corrente, já que tanto os Tigres Tamis quanto o governo de Colombo forçaram o deslocamento maciço de populações que formariam a base político-eleitoral segundo sua etnia e comunidade. Para as pessoas afetadas significou que a noção de “lar” passou a ser um luxo que poucos podiam manter. O custo do conflito, que chegou ao fim em maio de 2009, quando as forças governamentais derrotaram o LTTE, foi enorme.

Segundo estimativas conservadoras, mais de 100 mil pessoas morreram durante a guerra, enquanto um informe da Organização das Nações Unidas (ONU) diz que, apenas nos últimos combates, entre 2008 e 2009, 40 mil civis perderam a vida. De acordo com o Ministério de Reassentamento, os retornados após o fim do conflito chegavam a 796.081 até o final de junho deste ano. Mas esses mesmos dados indicam que outras 50 mil pessoas ainda viviam com suas famílias de acolhida e no Centro para Refugiados de Thellippali, por não poderem voltar às suas aldeias natais devido à ocupação militar.

As zonas militarizadas datam da década de 1990, quando o exército começou a se apropriar das terras de civis como forma de frustrar o contínuo avanço do LTTE. Em 2009, o exército havia confiscado cerca de 4.706 hectares em pleno território tâmil de Jaffna, norte do país e a 300 quilômetros da capital Colombo, a fim de criar a Zona de Alta Segurança Palaly. Ali viviam Ariyarathnam e sua família, como também milhares de outras pessoas.

Muitas esperavam voltar às suas terras ancestrais após a guerra, mas o presidente Mahinda Rajapakse demorou para libertar as áreas civis e priorizou a segurança nacional e a contínua movimentação de tropas no Norte, acima do reassentamento das pessoas deslocadas.

O atual presidente, Maithripala Sirisena, ex-ministro da Saúde de Rajapaksa, que assumiu nas surpreendentes eleições de janeiro deste ano, prometeu acelerar a liberação de terras e entregar cerca de 404 hectares da zona de alta segurança de Palay em abril. Mas altos oficiais disseram à IPS que os genuínos esforços do governo se chocaram com a falta de térras públicas para mudar os acampamentos militares e dar lugar à população civil.

“O retorno desses refugiados é nossa principal prioridade”, afirmou à IPS Ranjini Nadarajapillai, ex-secretário do Ministério de Reassentamento. “Atualmente não há cronograma, tudo depende de como desalojar as demais zonas de alta segurança”, pontuou. A lentidão da reforma de terras afundou os refugiados na pobreza, segundo o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno, do Conselho Norueguês para os Refugiados, com sede em Oslo.

“A principal razão da elevada pobreza entre os deslocados é que não tiveram acesso a terras para manterem suas atividades geradoras de renda, nem a compensações pela perda ou destruição de suas terras ou propriedades durante a guerra, as quais ficaram nas mãos do exército ou do governo como zonas de segurança ou econômicas”, explicou à IPS a analista do Centro de Monitoramento, Marita Swain.

Um informe desse organismo, divulgado em julho, estima que há 73.700 deslocados, bem acima dos dados oficiais. A maioria vive com famílias de acolhida, enquanto 4.700 vivem em um centro de bem-estar de longo prazo em Jaffna, capital da província Norte. Os efeitos persistentes das políticas do governo de Rajapaksa (2005-2014), que priorizou o desenvolvimento da infraestrutura em lugar de um crescimento econômico genuíno que beneficiasse a população afetada pela guerra, agravou a difícil situação dos refugiados, segundo o Centro.

Entretanto, o governo de Sirisena suspendeu, logo que assumiu, em janeiro deste ano, assuntos como realocação dos civis deslocados para se preparar para as eleições parlamentares, nas quais se enfrentaram as políticas de Rajapaksa contra as do novo presidente. Nadarajapillai apontou que o novo governo adota um enfoque diferente em colaboração com agências internacionais e doadores para resolver o problema.

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) ajuda o governo a desenhar um plano para resolver a crise dos deslocados, destacou Dushanthi Fernando, funcionário do Acnur residente em Colombo. Mas essas promessas não significam muito para pessoas como Ariyarathnam, que começa sua terceira década como refugiada, sem sinais de uma solução rápida e definitiva para o problema. Envolverde/IPS