Por Catherine Wilson, da IPS –
Canberra, Austrália, 1/2/2016 –As ilhas do Pacífico evocam imagens de palmeiras e praias virgens. Mas, após as guerras civis e os distúrbios ocorridos a partir dos anos 1980, especialistas concordam que a região não pode se dar o luxo de ser complacente diante do futuro, apesar da última década de relativa paz e estabilidade. E a prevenção dos conflitos vai além da lei e da ordem.
“A estabilidade futura não está nada assegurada no Pacífico e em nenhuma região do mundo”, afirmou Meg Taylor, secretária-geral da Secretaria do Fórum de Ilhas do Pacífico (Pifs), uma agrupação política integrada por 16 países com sede em Fiji.
Segundo Taylor, “as pesquisas demonstram que o maior indicador de conflitos futuros está no conflitos passados. Assim, lugares como Bougainville e Nova Caledônia, não só por uma história de guerra civil, mas também pela presença de possíveis causas não resolvidas dos conflitos, como as atividades extrativistas e tensões étnicas, sugeririam que precisamos estar atentos”.
Frida Bani Sam, do Instituto de Política Pública do Pacífico, localizado em Vanuatu, afirmou que a crescente desigualdade socioeconômica é um risco importante de conflitos armados, por isso “a responsabilidade está em uma boa liderança que garanta a estabilidade econômica e social, agora e no futuro”.
O caso mais grave posterior à Segunda Guerra Mundial foi a guerra civil de Bougainville (1989-1998), em Papua-Nova Guiné, desencadeada pela desigual distribuição de benefícios obtidos com a mina de cobre Panguna, de propriedade estrangeira, e pela devastação ambiental. Calcula-se que entre 15 mil e 20 mil pessoas, ou 10% da população, perderam a vida, enquanto a infraestrutura e a economia ficaram dizimadas.
No território francês de ultramar de Nova Caledônia, a sudoeste de Fiji, a desigualdade e a perda de terras alimentaram a resistência independentista e os distúrbios, em meados da década de 1980. As expectativas locais se intensificarão com referendos sobre a independência de Nova Caledônia, em 2018, e de Bougainville, em 2020.
As Ilhas Salomão, vizinho de Boungainville, também experimentaram um conflito armado, conhecido como Tensões (1998-2003), que terminou com uma intervenção regional de manutenção da paz.As hostilidades se agravaram pelo despojo de terras dos migrantes internos e pelos investidores estrangeiros de Guadalcanal, além da falta de oportunidades econômicas e do fracasso do governo para aplacar a violência. Estima-se que aproximadamente 50 mil pessoas foram deslocadas e que milhares sofreram abusos de direitos humanos.
Causas com desigualdade, disputas pela terra, fragilidade dos governos e desemprego juvenil continuam sendo fontes de tensão hoje em dia, segundo a Pifs.O desemprego afeta grande parte da população, mas os jovens, que equivalem a 54% dos habitantes, são particularmente vulneráveis. O crescimento demográfico nos pequenos Estados insulares do Pacífico é muito superior à sua capacidade de geração de emprego, e o desemprego juvenil oscila entre 16% em Samoa e 46% em Ilhas Salomão.
“Nossas pequenas populações e nossa economia em dificuldades só podem oferecer emprego de escritório a uns poucos”, lamentou Dorcas Gano, presidente do Coletivo de Mulheres de Hako, no norte de Bougainville. Ela explicou que essa organização busca resolver “a necessidade de contar com aptidões para o emprego rural ou formação qualificada para a grande maioria de jovens cujo estudo não supera a oitava ou décima série. Se essas necessidades não forem abordadas com urgência, aparecerão os vândalos que podem provocar futuros distúrbios”.
Mas Bani Sam insiste em que a juventude deve ser parte da solução e que “os jovens, sendo a próxima geração de líderes, devem poder participar de maneira efetiva do diálogo sobre o desenvolvimento”.Para a grande maioria da população sem emprego formal, o acesso às terras tradicionais é crucial para a moradia, segurança social, subsistência e produção de alimentos. No entanto, a influência da economia comercial e a corrupção, sobretudo quando se trata de acesso aos recursos naturais em questão, agravam as disputas pela terra.
“Se aceitamos o modelo existente (de desenvolvimento), que é compatível com a propriedade privada e vincula estreitamente desenvolvimento econômico e extração de matérias-primas, então creio que a corrupção é, naturalmente, um problema, já que o dinheiro obtido com as atividades econômicas relacionadas com a terra tende a não chegar aos que deveriam administrá-lo, o que falar da população em geral”, afirmou Taylor.
“As estratégias de prevenção devem incluir a plena aplicação do consentimento livre, informado e prévio dos proprietários tradicionais da terra, e plena aplicação significa que os governos devem estar dispostos a aceitar que alguns proprietários não queiram consentir na entrega da terra”, acrescentou a secretária da Pifs.A luta contra as causas da violência relacionada com a terra é uma prioridade. O enfoque da Pifs procura aproximar as práticas tradicionais e ocidentais do manejo do solo mediante, por exemplo, a definição dos direitos dos proprietários das terras consuetudinárias e as responsabilidades dos governos.
Porém, também há uma forte corrupção de políticos, funcionários públicos e crime organizado. A corrupção estatal teria contribuído para as Tensões nas Ilhas Salomão. Um documento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) diz que “políticos nacionais estavam notavelmente comprados por várias companhias madeireiras asiáticas, que buscavam e obtiveram acesso imediato às florestas de Ilhas Salomão, em troca de subornos.“Uma diversidade de atores, incluídos ex-combatentes, políticos e empresários, se beneficiaram economicamente com a violência e a desordem” ocorrida, acrescenta o informe.
Bani Sam diz que a migração induzida pelo clima, junto com o crescimento demográfico, também poderia aumentar a pressão sobre a terra e os recursos, e que “não se pode ignorar o risco de conflitos”. Mas esse risco diminui se o reassentamento das comunidades e as relações com os proprietários forem bem, afirmam os especialistas.
A prevenção de futuras hostilidades é uma prioridade em nível regional. A Pifs tem por objetivo melhorar o acesso à justiça dos grupos marginalizados, incluir as mulheres na tomada de decisões sobre a pacificação e a segurança e reforçar o controle das armas e dos processos tradicionais de resolução de conflitos.
A Declaração de Biketawa fornece um marco para a coordenação da resposta às crises regionais, e foi acordada pelos governantes do Fórum das Ilhas do Pacífico em uma cúpula realizada em Kiribati, em outubro de 2000, depois do golpe de Estado em Fiji e das tensões étnicas em Ilhas Salomão.A Declaração permitiu que forças militares e policiais, bem como o pessoal civil dos Estados do Fórum, principalmente da Austrália e Nova Zelândia, participassem de operações regionais de manutenção da paz e de estabilização em Ilhas Salomão (a partir de 2003), Nauru (2004-2009) e Tonga (2006). Envolverde/IPS