Internacional

Pedida moratória para exploração de carvão

Anote Tong, presidente de Kiribati, se dirige a um plenário de alto nível dedicado à mudança climática, realizado em julho deste ano. Foto: Devra Berkowitz/ONU
Anote Tong, presidente de Kiribati, se dirige a um plenário de alto nível dedicado à mudança climática, realizado em julho deste ano. Foto: Devra Berkowitz/ONU

Por Thalif Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 17/8/2015 – Há tempos se sabe que a pequena ilha de Kiribati, onde vivem cerca de 103 mil pessoas em meio ao Oceano Pacífico, é um dos países insulares que corre perigo de desaparecer por causa da elevação do nível do mar, acelerado pelo aquecimento global. Quando falta pouco para a cúpula mundial que acontecerá em setembro na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, o chamado do presidente de Kiribati, Anote Tong, reflete a gravidade da situação.

Em uma carta aos governantes dos 193 Estados membros da ONU, Tong pede que declarem urgentemente “uma imediata moratória global sobre a expansão e as novas minas de carvão”, reflete a gravidade do assunto. O chamado de Tong à ação urgente acontece quando também se aproxima a realização da 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá de 30 de novembro a 11 de dezembro, em Paris.

Em nome de “uma nação que enfrenta um futuro muito incerto”, Tong ressaltou que a moratória “seria um avanço positivo para nossa ação coletiva global contra a mudança climática e tenho a sincera esperança de que os senhores e seus povos darão um apoio positivo a esse esforço”.

A carta prossegue dizendo que “a construção de uma única mina de carvão solapa o espírito e o propósito de qualquer acordo que possamos alcançar, especialmente na COP 21. Por outro lado, frear a construção de novas minas de carvão agora permitirá que, qualquer que seja o acordo a ser alcançado (nessa cúpula), este seja verdadeiramente histórico”.

O presidente de Kiribati, que falará na Assembleia Geral da ONU no dia 30 de setembro, já conta com o forte apoio da organização ambientalista Greenpeace Internacional. Consultada sobre como a extração de carvão incide no aquecimento global, Leanne Minshull, responsável de clima e energia do Greenpeace, apontou à IPS que um terço das emissões de dióxido de carbono procede da queima desse mineral. “E é usado para produzir quase 40% da energia do mundo”.

A mineração carbonífera, o primeiro passo do sujo ciclo vital do carvão, é uma das causas do desmatamento e libera importantes quantidades de metais pesados e minerais tóxicos no solo e na água, explicou Minshull. Os efeitos da extração de carvão persistem durante anos. “Também causam danos à saúde humana e às comunidades em todo o mundo. Enquanto a indústria carbonífera não pagar pelo dano que causa, o mundo é que o faz”, enfatizou.

Para evitar as piores consequências da mudança climática, como as generalizadas secas, inundações e deslocamentos maciços de pessoas por causa da elevação do nível do mar, “precisamos manter a temperatura global abaixo dos dois graus centígrados” (em relação à era pré-industrial), disse a representante do Greenpeace. “Para isso, as emissões de gases-estufa devem alcançar seu máximo em 2015 e daí em diante baixar até zero”, acrescentou.

Os maiores produtores de carvão são Austrália, China, Estados Unidos, Índia e África do Sul.

De Kiribati, o diretor executivo do Greenpeace Internacional, Kumi Naidoo, afirmou que a população local é contra o silêncio de corporações e governos imprudentes que perpetuam a mudança climática, causadora do aumento do nível do mar.

“Me uno ao presidente de Tong em seu chamado aos governantes das ilhas que sofrem a mesma ameaça para que se juntem e reclamem justiça climática. Vi com meus próprios olhos o que significa o aumento do nível do mar para a população de Kiribati. Não é uma projeção ou um modelo científico, é real, ocorre agora e só vai piorar”, ressaltou Naidoo.

Em relação ao poder das corporações e da indústria do carvão, Minshull apontou à IPS que o setor de combustíveis fósseis tem uma longa história, nos Estados Unidos, de difundir informação falsa sobre as consequências do aquecimento global e de recorrer a táticas nebulosas para conseguir vitórias legislativas que as beneficiem. O Greenpeace divulgou um excelente informe no ano passado, denunciando a influência da indústria dos combustíveis fósseis, incluída a do carvão, acrescentou.

A União de Cientistas Preocupados afirmou que, “durante quase três décadas, muitas das maiores empresas de combustíveis fósseis trabalharam deliberadamente para enganar a população sobre a realidade e os riscos da mudança climática”. Suas táticas enganosas ficaram a descoberto em sete “dossiês de engano”, coleções de documentos internos de companhias e associações comerciais que vazaram, se tornaram públicos em processos judiciais ou vieram à luz por pedidos de informe dentro da lei de Liberdade de Informação (Foia).

“Conhecemos a ciência e sabemos que se aproxima o final da época do carvão. Lutar para extrair mais carvão sujo só pode nascer da ignorância ou de um total desprezo pelos milhões de pessoas em risco cada vez que é queimado”, destacou Naidoo. “Necessitamos uma liderança internacional nesse assunto e um abandono planejado do carvão, que implique uma transição justa para os trabalhadores, e com consultas às comunidades afetadas”, acrescentou.

Uma avaliação do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC) destaca que o aumento do nível do mar projetado para este século apresentará “severos riscos de inundações e erosão” para as ilhas de terras baixas, com a possibilidade de haver degradação dos recursos de água doce.

Cada onda enorme representa o perigo de causar danos e inundações. Em alguns lugares, o nível do mar sobe 1,2 centímetros por ano, quatro vezes mais do que a média mundial. Isso significa que 80% das reservas de carvão deverão permanecer sem uso se pretendemos ter a possibilidade de proteger países como Kiribati, Ilhas Marshall e Filipinas, segundo o Greenpeace. Envolverde/IPS