Internacional

Peixes e plantas contra mudança climática

O agricultor de Bangladesh Aktar Hossain utiliza o modelo Sarjan. Foto: NaimulHaq/IPS
O agricultor de Bangladesh Aktar Hossain utiliza o modelo Sarjan. Foto: NaimulHaq/IPS

A constante invasão de água marinha ameaça a agricultura e a segurança alimentar em vastas áreas costeiras de Bangladesh, mas os agricultores encontraram formas de se adaptarem, como a produção simultânea de peixes e cultivos.

Por Naimul Haq, da IPS – 

Bhola, Bangladesh, 4/7/2016 – As áreas costeiras desse país asiático, de baixa altitude e com quase 170 milhões de habitantes, incluem estuários e planícies inundáveis dos rios austrais na baía de Bengala. A terra fértil dessas regiões equivale a 30% do total disponível no país.

Em recente estudo foi observado que a invasão da salinidade devido à redução da entrada de água doce, a salinização das águas subterrâneas e a flutuação da salinidade do solo são os principais problemas que podem prejudicar seriamente a produção alimentar do país.Segundo os resultados da pesquisa e de outros dados, cerca de um milhão de hectares, ou aproximadamente 70% das terras cultivadas das zonas costeiras do sul de Bangladesh, são afetadas por diferentes graus de salinidade do solo.

Se persistir a atual tendência da mudança climática, a produção de arroz poderá diminuir 10% e a de trigo 30% no país.“Nos preocupa muito a perda de terras de cultivo, que já está acontecendo nas áreas costeiras, e o futuro, devido às últimas tendências, se apresenta sombrio”, afirmou à IPS MohiuddinChowdhury, principal cientista do Instituto de Pesquisa Agrícola de Bangladesh (Bari).

Chowdhury explicou que a salinidade está diretamente relacionada com a temperatura. Se esta sobe, o solo perde umidade, o sal que entra com as marés ou as tempestades se acumula, o que resulta em cultivos murchos ou mortos. Esse fenômeno já é muito evidente, acrescentou, insistindo na necessidade de se tomar medidas de adaptação e gestão de cultivos, já que neste ponto a mudança climática “não pode ser evitada, e temos que conviver com ela”, pontuou.

A salinidade de Bangladesh, um dos países mais afetados há décadas pelo aumento do nível do mar, provoca um ambiente desfavorável que limita a produção normal dos cultivos durante o ano todo.Os aluviões recém-depositados, vindos de águas acima nas áreas costeiras, se convertem em uma solução salina quando entram em contato com a água marinha e continuam sendo inundados durante a maré alta e a entrada de água do mar através dos riachos.

Um estudo do Instituto de Desenvolvimento de Recursos do Solo concluiu que a área afetada passou de 8.330 quilômetros quadrados, em 1973, para 10.560 quilômetros quadrados, em 2009.

Para remediar a situação, as comunidades das áreas costeiras, que sempre recorreram a práticas agrícolas tradicionais, agora adotam tecnologias de cultivo baseadas em pesquisa, que prometem uma produção de alimentos mais segura. “Estamos nos concentrando no desenvolvimento de práticas agrícolas para adaptação às condições meteorológicas extremas, especialmente nas regiões costeiras”, explicou à IPS o diretor do Bari, Mohammad RafiqulIslamMondal.

O Bariconseguiu incorporar melhores práticas agrícolas nas regiões costeiras. Uma delas, muito popular, é conhecida como o modelo Sarjan, e consiste na formação de longas fileiras de terra,com um metro de largura e 90 centímetros de altura, destinadas ao cultivo de diferentes variedades de hortaliças. As faixas entre as fileiras são enchidas com água, na qual se libera vários tipos de pescado até sua maturação. A água para a irrigação das plantas vem de lagos próximos, que têm água doce extraída do rio Meghna.

A vantagem do modelo Sarjan é que protege as terras de cultivo das inundações durante as tempestades, inundações repentinas e maremotos, o que evita alta salinidade. Uma destacada organização não governamental de Bangladesh, a Associação Costeira para a Transformação Social (Coast), desempenhou papel importante no apoio aos agricultores com as medidas de adaptação.

“As práticas agrícolas tradicionais estão ameaçadas, em grande parte devido à invasão de água salgada. A elevada concentração de sal é tóxica para as plantas e agora somos obrigados a buscar formas alternativas de cultivar”, disse Mohammad JahirulIslam, um funcionário da Coast em Char Fasson, uma isolada região costeira que fica apenas 30 centímetros acima do nível do mar.

O Programa de Extensão Costeira de Tecnologia Integrada (Citep), aplicado pelo Coast em Char Fasson, ajuda os agricultores desde 2003 com práticas alternativas para melhorar a produção alimentar no contexto da mudança climática e os incentiva a usar o modelo Sarjan. “Essas terras baixas, a apenas 25 quilômetros do mar, na confluência da baía de Bengala, são propensas a maremotos e ondas fortes, por isso os modelos agrícolas de recente introdução foram concebidos para proteger os cultivos”, apontouMizanurRahman, o coordenador do projeto em Char Fasson.

SadekHossain, um experiente agricultor, assegura que o modelo Sarjan“é mais seguro e produz cultivos livres de risco, porque o espaço entre as plantas permite maior exposição ao sol e também menos ataques de pragas”. Mais de nove mil produtores utilizam o modelo na região. Muitos também formaram grupos de ajuda, nos quais os membros compartilham suas experiências com os demais.

“No começo, os desafios eram enormes porque os agricultores se negavam a se adaptar ao novo modelo. Mas, ao verem os benefícios, se convenceram”, contouManzurulIslam, funcionário do departamento de agricultura em Char Fasson. As perdas de cultivos em terras planas são desastrosas.

Mohammad Joynal recordou como as altas ondas de 2013 destruíram uma grande quantidade de plantações. “Quando os cultivos de aproximadamente 5.500 hectares de terrenos planos foram inundados, ficamos impotentes. A inundação de água marinha por quatro meses fez com que os cultivos murchassem e, finalmente, apodrecessem”, detalhou.

Centenas de agricultores foram capacitados mediante o uso de campos de cultivo-piloto nas técnicas de adaptação. “Temos muitos modelos diferentes desenvolvidos para cultivos com distintos níveis de salinidade que já são um êxito comprovado”, segundo Mondal.

O aumento do nível do mar já é evidente na costa de Bangladesh. As projeções indicam que 97% das áreas costeiras e mais de 40 milhões de seus habitantes são vulneráveis aos perigos da mudança climática.De acordo com o Índice de Vulnerabilidade diante da Mudança Climática para 2014 – que avalia a sensibilidade das populações, a exposição física dos países e a capacidade de adaptação dos Estados diante da mudança climática durante os 30 anos seguintes –, Bangladesh ocupa o primeiro lugar no mundo em situação de risco nesse sentido. Envolverde/IPS