Por Aruna Dutt, da IPS –
Nações Unidas, 3/8/2016 – Uma decisão do comitê da Organização das Nações Unidas (ONU) encarregado de acreditar organizações não governamentais junto ao fórum mundial foi revogada por alguns Estados membros, por considerarem que limitava algumas ONGs consideradas críticas dos governos. Uma reunião ampliada do Conselho Econômico e Social da ONU (Ecosoc) votou, no dia 25 de julho, a concessão do status consultivo ao Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), uma organização dos Estados Unidos que o Ecosoc rejeitou por quatro vezes.
A única razão de ter aceito o pedido do CPJ foi porque alguns Estados membros sensíveis à situação pressionaram o Ecosoc para que votasse a favor, anulando a negativa anterior do comitê encarregado das ONGs, explicou à IPS sua diretora, Courtney Radsch.A liberdade de imprensa é um pilar essencial do sistema de direitos humanos da ONU, garantia no Artigo 19 do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e por uma parte da norma consuetudinária internacional, pela qual todo Estado membro das Nações Unidas está obrigado a permitir o exercício desse direito.
“A ONU tem um papel fundamental no desenho de normas e na determinação de agendas, e é importante que coloque a segurança dos jornalistas e a liberdade de imprensa no centro de seu trabalho, desde os direitos humanos até o desenvolvimento sustentável e tudo o que há no meio”, apontou Radshc.Mas, na realidade, muitos Estados membros da ONU cerceiam a liberdade de imprensa mediante leis restritivas, prendendo jornalistas, possibilitando que sejam mortos, ou não investigando adequadamente esses ataques, nem processando os responsáveis.
A embaixadora dos Estados Unidos junto à ONU, Samantha Power, disse ao Ecosoc, no dia 25 de julho, que durante os quatro anos em que foi negada a acreditação ao CPJ, 863 jornalistas foram detidos, 19 estão desaparecidos e 304 foram assassinados, citando dados da própria organização.
“O comitê encarregado das ONGs parece menos interessado em garantir que a voz da sociedade civil esteja presente e contribua para os assuntos que geram grande preocupação e mais preocupado em excluí-las pelas verdades incômodas que expõem sobre os Estados membros”, destacou Radsch à IPS.“Receber o status consultivo é um processo muito politizado, que tem menos o objetivo de garantir que o nosso CPJ cumpra os critérios por sua participação, como apoiar o mundo da ONU e trabalhar em assuntos relevantes, para não mencionar nosso conhecimento na matéria”,acrescentou.
Por sua vez, o diretor de política e pesquisa da Civicus, Mandeep Tiwana, ressaltou à IPS que a prolongada e dura batalha do CPJ para conseguir o status consultivo no Ecosoc mostra que a ONU não leva a sério a liberdade de imprensa, e que o comitê exclui as ONGs só por criticarem os governos. “O simples fato de o comitê encarregado das ONGs estar integrado por representantes de 19 Estados membros segundo sua representação geográfica o torna exclusivo”, pontuou.
“O modelo atual de governança global está muito concentrado nos Estados, priorizando a representação estatal acima de uma adequada participação das pessoas ou da sociedade civil”, observou Tiwana. “É um escândalo global que ainda hoje tenhamos Estados que, em pleno século 21, têm governos que não são eleitos de forma democrática, mas dizem representar suas populações no cenário mundial”, afirmou.
O comitê encarregado das ONGs é integrado por vários países com instituições democráticas frágeis e governantes que há décadas ostentam o poder, explicou Tiwana, acrescentando que não foram eleitos em processos eleitorais justos e livres, o que dá exclusividade à própria constituição do órgão. Por isso, nos últimos anos,seu trabalho foi obstaculizado por debates burocráticos e por posições políticas desses Estados que, de forma deliberada, buscam minar o trabalho das organizações da sociedade civil de lançar luz sobre violações de direitos, enfatizou.
“O governo de Barack Obama investiu significativa energia diplomática em defesa do valor intrínseco de uma sociedade civil empoderada e capacitada dentro da ONU, bem como em outros fóruns multilaterais, como a Comunidade das Democracias”, disse Tiwana.
“O apoio de Washington ao esforço legítimo do CPJ para conseguir o status consultivo no Ecosoc é um êxito significativo no contexto de uma série de esforços, como a criação de um relator especial da ONU sobre liberdade de reunião ou de associação, a aprovação de várias resoluções inovadoras sobre os direitos da sociedade civil no Conselho de Direitos Humanos e a inclusão de metas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para apoiar as liberdades fundamentais e as associações da sociedade civil”, ressaltou Tiwana.
“É irônico que o comitê encarregado das organizações não governamentais não conte com a participação das ONGs e esteja integrado por vários governos que as perseguem de forma ativa”, opinou Tiwana. Envolverde/IPS