Internacional

Perigosa busca por desaparecidos no Sri Lanka

 O governo do Sri Lanka reconheceu que pode haver 65 mil pessoas desaparecidas após mais de duas décadas e meia de guerra civil. Foto: Amantha Perera/IPS

O governo do Sri Lanka reconheceu que pode haver 65 mil pessoas desaparecidas após mais de duas décadas e meia de guerra civil. Foto: Amantha Perera/IPS

Por Amantha Perera, da IPS – 

Mannar, Sri Lanka, 26/8/2016 – O Sri Lanka dá os primeiros passos na árdua tarefa de buscar milhares de desaparecidos durante as duas décadas e meia de guerra civil, mas os que já trabalham no terreno temem ser alvo de diferentes tipos de intimidação e ameaças ao longo do processo. O governo criará um Escritório para as Pessoas Desaparecidas (OMP) em outubro, após a ratificação do parlamento no começo deste mês. Esse órgão, o primeiro de seu tipo no país, deverá coordenar o programa de busca em todo território nacional.

Por ocasião do Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, que é celebrado em 30 de agosto, funcionários da Cruz Vermelha do Sri Lanka, que realizam um programa de busca de pessoas, disseram à IPS que continua sendo difícil encontrar os que desapareceram em combate, especialmente se estiveram ligados aos grupos armados.“É um grande problema”, disse um funcionário da organização, detido durante três horas por militares, quando tentava entrar em contato com a família de uma pessoa desaparecida, cujos familiares na Índia enviaram um pedido de busca à organização.

“A família na Índia não sabia, e eu também não, que se era um alto membro dos (separatistas) Tigres para a Libertação da Pátria Tamil Ealam”, explicou o funcionário, se referindo aos rebeldes que enfrentaram as forças do governo por um Estado independente para a minoria tâmil nesse país de maioria cingalesa. “Quando fui à casa buscar informação, o exército estava do lado de fora”, acrescentou a fonte, que não quis revelar sua identidade. Foi detido e interrogado sobre o motivo da procura e para quem trabalhava.

Como não há um programa nacional para a busca de desaparecidos com apoio do governo, os agentes de segurança não costumam permiti-la, especialmente na zona nordeste do país, onde ocorreram os enfrentamentos e onde ainda há uma forte presença das forças de segurança, desde o fim da guerra, em maio de 2009. Mas, tanto o secretário para a Coordenação de Mecanismos de Reconciliação como o do Escritório para a Reconciliação e a Unidade Nacional, disseram que, quando estiver criada a OMP, o governo promoverá o programa de busca. O projeto de lei inclui disposições para a proteção de vítimas e testemunhas.

Os desaparecidos durante a guerra constituem um assunto delicado no Sri Lanka desde o final do conflito, há sete anos. Uma Comissão Presidencial para os Desaparecidos, que funciona desde 2013, registrou 20 mil denúncias, entre as quais as dos cinco mil integrantes das forças governamentais.O Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR) registrou cerca de 16 mil denúncias de pessoas desaparecidas desde 1989. E um informe de 2011, do Grupo de Especialistas para a Responsabilidade do Sri Lanka, criado pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), diz que há mais de 40 mil desaparecidos no país.

Por outro lado, um estudo realizado em 2015 pelo grupo Professores Universitários pelos Direitos Humanos, da Universidade de Jaffna, cidade do norte do Sri Lanka, estima que o número de desaparecidos pode chegar a 90 mil, com base nos dados disponíveis entre a população.

Após vários anos de resistência, o governo de Mahinda Rajapaksa permitiu que o CICR, em 2014, realizasse a primeira pesquisa já feita no país sobre as necessidades das famílias dos desaparecidos. O documento, publicado em julho, conclui que “a avaliação revela que a maior prioridade para as famílias é conhecer o destino e o paradeiro de seus familiares desaparecidos, inclusive informação circunstancial relacionada com seu desaparecimento”.

O pessoal do CICR disse que atualmente assessoram o governo na criação de um mecanismo de busca. “O governo recebeu de forma favorável uma proposta do CICR para ajudar na criação de um mecanismo para esclarecer o destino e paradeiro dos desaparecidos e atender de forma exaustiva as necessidades de suas famílias, compartilhando suas experiências em outros contextos e seus conhecimentos técnicos sobre os aspectos relacionados com o desaparecimento de pessoas e seus familiares”, explicou a porta-voz do CICR, Sarasi Wijeratne.

De fato, a Cruz Vermelha do Sri Lanka tem em andamento um programa nos 25 distritos do país, há três décadas. “Nesse momento, o trabalho de busca se relaciona com as pessoas que tiveram que se separar por causa das migrações”, explicou Kamal Yatawera, diretor da unidade de busca. A iniciativa já rastreou cerca de 12 mil pessoas desparecidas, a maioria separada por deslocamentos ou desastres naturais.

Mas a Cruz Vermelha local no momento não está voltada à busca de desaparecidos durante a guerra, a menos que receba pedido de um membro da família, o que raramente acontece. “Mas buscamos as pessoas que se separaram ou se perderam por causa do conflito, especialmente as que fugiram para a Índia”, pontuou Ravi Kumar, coordenador voluntário de busca no distrito de Mannar, ao norte do país. De fato, já encontraram quatro pessoas dos dez casos que receberam desde dezembro de 2015.

A busca seria mais fácil com um programa que tivesse apoio do governo, ressaltou Kumar. “Nem mesmo temos uma carteira funcional que diga que fazemos esse trabalho. Com a aprovação do governo, poderíamos recorrer à máquina pública, no entanto, somos obrigados a ir perguntado de casa em casa”, acrescentou. Envolverde/IPS

*Este artigo é parte da cobertura da IPS por ocasião do Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, celebrado em 30 de agosto.