Por Baher Kamal, da IPS –
Madri, Espanha, 22/3/2016 – Quando líderes da União Europeia (UE) desfrutaram, nos dias 17 e 18, de seus voos exclusivos, suas suítes de luxo e suas limusines oficiais, em uma nova cúpula em Bruxelas, para adotar uma decisão final sobre seu plano de usar os refugiados como moeda de troca, é provável que dez mil sírios ainda continuassem no campo de refugiados de Idomeni, na Grécia, em uma situação descrita como “pior do que a Primeira Guerra Mundial”.
Entretanto, eruditos especialistas em diplomacia, leis e direito dos 28 estados do bloco trabalharam dia e noite para encontrar a maquiagem mais “politicamente correta” para camuflar o rascunho de acordo que os mandatários da UE alcançaram com a Turquia no dia 7 deste mês, durante sua cúpula prévia na capital belga.Mas, independente de qualquer fórmula “oficial” obtida nessa nova reunião, o fato é que o plano da União Europeia é se desfazer dos solicitantes de asilo, dos refugiados (e de passagem também dos migrantes), em aberta violação de todos os tratados e todas as convenções internacionais, que todos os Estados europeus assinaram e ratificaram.
Em resumo, o bloco quer que todos os refugiados que tenham chegado, ou vão chegando da Turquia, sejam devolvidos imediatamente, em troca de um pagamento a Ancara de US$ 3,3 bilhões, a serem somados a uma quantia similar comprometida em novembro.Uma vez que os refugiados tenham sido enviados de volta à Turquia, a UE poderá selecionar entre eles aqueles que cada país poderia tomar como solicitantes de asilo: algumas centenas de sírios em troca de todos os iraquianos e afegãos, entre outros.
O argumento formal da UE é que as sucessivas ondas de refugiados podem incluir alguns seres humanos procedentes do Iraque e do Afeganistão, dois países que foram invadidos pelas alianças militares lideradas pelos Estados Unidos e por países europeus e, portanto, podem ser classificados apenas como “migrantes”.
No entanto, as imagens do campo de refugiados de Idomeni se explicam dramaticamente por si só: pequenas barracas de campanha inundadas, terrenos lamacentos, fortes chuvas, tempestades, crianças descalças, mais e mais casos de pneumonia e gangrena, pais pedindo ajuda aos gritos, falta de água potável, de eletricidade e de leite para os menores… e bebês nascendo no barro.
Um trabalhador humanitário da organização Médicos Sem Fronteiras disse à rede espanhola de televisão privada La Sexta que “a situação é pior do que a Primeira Guerra Mundial” (1914-1918).As autoridades gregas realizam atualmente denodados esforços para “redistribuir” em outros campos igualmente improvisados os mais de 20 mil refugiados que estão em Idomeni, na fronteira com a Macedônia, e com capacidade para abrigar apenas 1.500.
Curiosamente, o plano europeu foi apresentado por vários meios de comunicação europeus como consequência de fortes pressões da Turquia sobre a UE. Também o fizeram alguns políticos como Philippe Lamberts, eurodeputado belga e copresidente do grupo dos Verdes no Parlamento Europeu, para quem “os governos da UE mostram uma covardia inconcebível diante da crise de migração”.Ou como o analista britânico de assuntos internacionais,Finian Cunningham, que há mais de 20 anos trabalhou como editor e jornalista nos principais meios de comunicação de seu país, como The Mirror e The Independent. Ele escreveu: “Cheirando o medo da UE, a Turquia se move por US$6,6 bilhões”.
Altos funcionários da Organização das Nações Unidas (ONU), defensores dos direitos humanos e organizações da sociedade civil também criticam duramente o plano europeu, como evidenciam alguns exemplos:
– O Acnur (escritório do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados) expressou, no dia 8 deste mês,“preocupação” pelo plano da UE e da Turquia.
– A máxima autoridade em Direitos Humanos da ONU exortou, no mesmo dia, a UE a adotar medidas mais “humanas” em matéria de migração.
– A Médicos Sem Fronteiras, também na mesma data, sintetizou: “Alcance desumano do acordo entre União Europeia e Turquia”.
– A Anistia Internacional afirmou que “os líderes da UE e da Turquia desferem um golpe mortal no direito de solicitar asilo”.
– A HumanRightsWatch resumiu: “UE-Turquia: as devoluções de refugiados ameaçam os direitos”.
– “A Turquia sempre pode recorrer à arma de migração em massa contra a Europa”, afirmouRainer Rothfuss, reconhecido especialista político e acadêmico alemão, à rede de televisão russa RT.
Além do crescente e desumano sofrimento, o plano pode marcar também o começo do fim da UE tal como a conhecemos. Roberto Savio, fundador da agência de notícias Inter Press Service(IPS), e do boletim de notíciasOther News, resume este risco em sua análise A Europa Pode Sobreviver?.
O plano da União Europeia bem poderia acabar em um jogo de perdedores, com uma crescente onda de xenofobia e de extrema direita invadindo o velho continente. O último exemplo é o das eleições regionais do dia 13, na Alemanha, nas quais a chanceler Angela Merkel e seu partido, CDU (União Democrática Cristã), sofreu outro revés, que todos atribuem à sua inicial política favorável à acolhida de refugiados.
E sem falar da clara erosão dos direitos humanos na Europa, como consequência da violência das leis internacionais pela repatriação dos solicitantes de asilo para um país tão inseguro quanto a Turquia, cujo governo reprime cada vez mais duramente os protestos sociais e os meios de comunicação.
Os grandes ganhadores desse “bazar” de refugiados UE-Turquia são, evidentemente, os grupos criminosos que obtêm benefícios multimilionários dos seres humanos desesperados que lutam para escapar da morte em seus países.Esdes traficantes agora buscam novas rotas, tais como enviar os refugiados da Turquia para a Rússia, e dali praos Estados do Báltico, ou levá-los da Turquia para a Líbia e dali para a Itália, ou mesmo transportá-los para o Marrocos para se desfazerem deles na Espanha. Envolverde/IPS