Internacional

Plantas medicinais subsistem no México

Clemente Calixto, médico tradicional certificado, expõe propriedades curativas de uma planta, durante um fórum na Cidade do México. Em sua comunidade, no Estado de Oaxaca, utilizava variadas espécies botânicas medicinais na produção de sabonetes e pomadas para tratar diversos problemas de saúde. Foto: Emilio Godoy/IPS
Clemente Calixto, médico tradicional certificado, expõe propriedades curativas de uma planta, durante um fórum na Cidade do México. Em sua comunidade, no Estado de Oaxaca, utilizava variadas espécies botânicas medicinais na produção de sabonetes e pomadas para tratar diversos problemas de saúde. Foto: Emilio Godoy/IPS

Por Emilio Godoy, da IPS – 

Cidade do México, México, 29/10/2015 – “Esta planta cura 150 doenças, como diabetes, pressão alta e gastrite. É preparada como infusão ou dissolvida em água e deve ser tomada todos os dias”, afirma o indígena mexicano Clemente Calixto, enquanto agita um ramo de folhas verdes. Esse médico tradicional, do povo mazateco, elogia a fumária (Fumaria officinalis), também conhecida como sangue de Cristo, uma das mais de três mil plantas usadas frequentemente nesse país para tratar vários doenças.

“Trabalhamos com plantas saudáveis. Algumas crescem no campo e outras plantamos no quintal. Fazemos sabonetes, pomadas, xarope, antiparasitas”, explicou Calixto à IPS. Oriundo do município de Jalapa de Díaz, no Estado de Oaxaca, 460 quilômetros ao sul de Cidade do México, este curandeiro também inclui em seu herbanário a folha de chaya (Cnidoscolus chayamansa) e a jacuacanga (Costus spicatus), e assegura que, misturadas, resolvem problemas renais.

Calixto é um dos 30 médicos tradicionais registrados com credencial das autoridades sanitárias em sua região, e é um dos milhares de estudiosos de ervas que processam e comercializam plantas medicinais, cuja proteção legal ainda é fraca.

A Biblioteca Digital da Medicina Tradicional, implantada pela Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), lista mais de três mil espécies de uso cotidiano. São comercializadas frescas e desidratadas mais de 250 espécies. No México, com cerca de 120 milhões de habitantes, oito em cada dez pessoas consomem plantas e produtos animais para tratar doenças.

“Há pouca proteção legal, não existe legislação adequada, precisa haver uma lei federal e uma institucionalidade que se repita em nível estadual”, para prevenir a biopirataria e dar reconhecimento a essa sabedoria ancestral, argumentou à IPS o acadêmico Arturo Argueta, do Centro de Pesquisas Interdisciplinares em Ciências e Humanidades, da Unam.

Pesquisador de longo histórico, Argueta publicou com outros colegas, em 1994, o primeiro Atlas das Plantas da Medicina Tradicional Mexicana. Suas pesquisas mostraram que esse material biológico prolifera especialmente em zonas do sul da Cidade do México, seus usuários pertencem a todas as camadas sociais e seus preços são baixos.

“As mais usadas são 50, uma boa quantidade é silvestre e outras são plantadas pela população. Se passou de um usuário exótico localizado no sul do país para um mais estendido”, detalhou o especialista. Várias das espécies estão cobertas pela regularização asteca, por estarem ameaçadas ou em risco de extinção.

A medicina tradicional indígena é reconhecida na Constituição Política do México como direito cultural dos povos ancestrais. Além disso, a Direção de Medicina Tradicional do Ministério da Saúde, criada em 2002, conta com um quadro básico de 125 variedades para serem receitadas no sistema nacional, a partir das reformas introduzidas em 2008 na Lei Geral de Saúde, à qual foi incorporada e regulamentada a medicina tradicional.

Esse marco legal reconhece a existência de medicamentos herbários e o Regulamento de Insumos para a Saúde regula a definição, o registro, a elaboração, o envase, a publicidade e os pontos de venda dos medicamentos à base de ervas. Essa subordinação se estende às credenciais anuais concedidas aos médicos tradicionais, que os autoriza à prática, transmitida de geração para geração.

É o caso da indígena maia Lorenza Euan, que elabora sabonetes, pomadas, repelentes de mosquitos, géis antibactericidas, xaropes e xampus, junto com outras quatro mulheres na cooperativa Maya Dzak (medicina maia, nessa língua), no município de Lázaro Cárdenas, no Estado de Quinta Roo. “Herdamos de nossos antepassados. Um se cura com um talo, outro com uma planta, ou uma raiz”, explicou à IPS, dando como exemplo uma pomada para dores musculares e pancadas que contém extratos de 18 variedades botânicas.

“Colhemos plantas frescas, pesamos, lavamos, moemos e fervemos a mistura”, para preparar os produtos, explicou Cárdenas. As mulheres da cooperativa mantêm um jardim botânico, onde colhem cerca de 25 espécies, como urtiga, arnica e alfavaca.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda proteger o conhecimento ancestral, integrar a medicina alternativa aos sistemas nacionais, incentivar a pesquisa e certificar seus praticantes. Euan se soma ao coro que pede maior proteção, “para que haja mais promoção e maior reconhecimento”.

O Ministério da Saúde delineou o Guia de Implantação Para o Fortalecimento dos Serviços de Saúde com Medicina Tradicional, que reconhece como ameaça a perda da biodiversidade, resultante dos processos de mudança de uso do solo pela atividade agrícola, pelo desmatamento e por depredação dos recursos naturais.

Em sua Estratégia Sobre Medicina Tradicional 2014-2015, a OMS diz que, na medida em que se torna mais popular, “é importante equilibrar a necessidade de proteger os direitos de propriedade intelectual dos povos indígenas e comunidades locais, bem como suas tradições de cuidados com a saúde”. Ao mesmo tempo argumenta que se deve garantir o acesso à medicina alternativa e promover a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação nesse segmento.

A OMS também alerta que, embora a propriedade intelectual permita apoiar a inovação e proporcionar um estímulo ao investimento em pesquisa, também pode “ser usada de maneira abusiva para apropriar-se indevidamente de recursos” da medicina tradicional. A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi) protege os conhecimentos médicos tradicionais contra a utilização não autorizada por terceiros.

Porém, o Comitê Intergovernamental da Ompi sobre Propriedade Intelectual e Recursos Genéticos, Conhecimentos Tradicionais e Folclore ainda não alcançou um acordo sobre um instrumento jurídico internacional que assegure essas garantias. A esses fenômenos se soma a postura do governo mexicano de proibir a utilização de algumas plantas na preparação de infusões ou óleos por seu nível de toxidade, atitude que é rejeitada pelos médicos tradicionais e especialistas.

A última lista, de 1999, veta 76 espécies, entre elas algumas usadas habitualmente na medicina tradicional, como cálamo, cânhamo (variedade da erva cannabis), beladona, erva-de-santa-maria (Dysphania ambrosioides), arruda e sálvia. Em setembro de 2014, o governo do conservador Enrique Peña Nieto tinha pronta a atualização desse catálogo, com sua ampliação para 200 variedades proibidas, mas sua entrada em vigor foi congelada.

Para Argueta, é uma contradição, porque, “em lugar de informar sobre os problemas, atua de maneira punitiva, sem informação”. “Não concordamos que sejam declaradas como tóxicas as plantas que são curativas”, destacou Calixto. Euan tampouco vê justificativa. “Não entendemos o motivo de quererem nos prejudicar, se o que precisamos é de apoio”, queixou-se.

Argueta ressaltou que uma solução seria registrar a medicina tradicional como patrimônio cultural intangível junto à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “Estamos empenhados em juntar informação de qualidade sobre o setor, e oferecer uma imagem digna e completa”, acrescentou. Envolverde/IPS