Internacional

Pobreza atrofia desenvolvimento intelectual

As deficiências nutricionais da população infantil do Zimbábue expõem meninos e meninas a problemas de desenvolvimento intelectual, conforme denunciam agências humanitárias. Foto: Ignatius Banda/IPS
As deficiências nutricionais da população infantil do Zimbábue expõem meninos e meninas a problemas de desenvolvimento intelectual, conforme denunciam agências humanitárias. Foto: Ignatius Banda/IPS

Por Ignatius Banda, da IPS – 

Bulawayo, Zimbábue 14/1/2016 – MildrenNdlovu conhece bem o forte impacto sobre a saúde mental da prolongada deterioração econômica que sofre o Zimbábue, onde estatísticas apresentadas pelos sindicatos elevam o número de desempregados a 90% da população economicamente ativa. Essa mulher de 27 anos, com dois filhos menores de cinco anos e que sobreviveu com trabalhos como lavar roupa ou pratos nas casas vizinhas, contou como vê se deteriorar a saúde de seus pequenos, e não apenas do ponto de vista físico.

“Sei que não crescem como as outras crianças”, disse Ndolovu, enquanto trocava a roupa de baixo do menino de quatro anos. “Nesta idade deveria ir ao banheiro sozinho, mas ainda tenho que trocá-lo”,observou, em sua choça de espaço único, comumnos bairros pobres no norte de Bulawayo, cidade do sudoeste do país. Sua preocupação sobre o lento desenvolvimento de seus filhos se relaciona com as consequências da queda econômica que sofrem os setores mais vulneráveis.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) divulgou, no começo deste mês, o Atlas de Pobreza do Zimbábue 2015, que mostra como os elevados índices de pobreza em todo o país afetam a saúde mental das crianças. O Unicef, o Banco Mundial e funcionários do governo do Zimbábue disseram que o mapa da pobreza é uma tentativa de reconhecer que “raramente se contempla as crianças nos esforços para aliviar a pobreza e que suas necessidades não são atendidas como deveriam”.

O documento diz que nenhuma criança do um quinto inferior com piores condições de saúde chega à educação superior, e que entre 65% e 75% dos habitantes são pobresem oito das dez províncias do país. “A pobreza infantil deteriora sua saúde mental e é responsável por suas condições de pobreza quando são adultos”, ressaltou Jane Muita, vice-representante residente do Unicef no Zimbábue. “Também deriva em má capacitação e baixa produtividade, e piores progressos em saúde e educação”, acrescentou.

Segundo oMinistério de Bem-Estar Infantil e Saúde, este país registrou um aumento nos diagnósticos de problemas mentais, para o qual criou a Estratégia de Saúde Mental 2014-2018 como forma de fazer frente àcrise.O órgão atribui às duras condições econômicas o fato de milhões de pessoas terem ficado sem trabalho. Não há dados sobre como a saúde mental afeta a população infantil, mas a preocupação de pais comoNdlovu dão um rosto humano à crise sanitária, trazida à luz pelo informe do Unicef.

Em algumas partes dos distritos do sudoeste do Zimbábue, como o de Nkayi, foram registrados até 95,6% de pessoas pobres, enquanto em Lupane há 93%, segundo o Atlas do Unicef. A situação faz temer pelas possibilidades deste país avançar parao primeiro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que procura reduzir a pobreza infantil até 2030.

O Comitê de Avaliação de Vulnerabilidade do Zimbábue concluiu que 36% das meninas e dos meninos desse país apresentavam atraso no crescimento que, segundo os especialistas, não os afeta apenas fisicamente, mas também reduziu seu desenvolvimento intelectual devido a uma dieta deficiente.

“O problema com a saúde infantil e seu desenvolvimento mental é que a atitude de pais e trabalhadores da saúde indica que logo poderão superar as dificuldades”, apontou o pediatra ObiasNsamala, residente em Bulawayo. “Mas o que vi em muitos menores de cinco anos é que as deficiências intelectuais podem ser detectadas quando vêm em busca de tratamento, mas logo apresentam um problema quando começam a frequentar a escola”, acrescentou.

“Por isso, há tempos este país tem algo parecido com salas especiais para crianças com capacidades intelectuais reduzidas”, disse Nsamala. “É um enfoque equivocado porque elas podem ter dificuldades de aprendizagem ou intelectuais não por problemas genéticos, mas por todos os sinais ignorados antes, de acordo com seus antecedentes ou acesso a nutrição adequada”, acrescentou.

Este país propõe melhorar a vida dos setores mais vulneráveis, como a população infantil, e o governo afirma que a economia deve crescer para reduzir a pobreza, mas não há um consenso sobre como conseguir atrair investimentos quando o Zimbábue mantém uma grande dependência da assistência internacional para criar um marco de contenção para os mais pobres.

De 2014 até junho de 2015, o Unicef destinou US$ 363 milhões em serviços sociais, quando os ministérios da área enfrentaram redução em seus orçamentos, o que, segundo reconheceram suas próprias autoridades, os impedem de oferecer a assistência necessária para enfrentar esses problemas de saúde.

No orçamento para 2016, o Ministério de Saúde e Bem-Estar Infantil recebeu US$ 330 milhões, que em grande parte será fornecido pelos países doadores, o que deixa um enorme déficit que, de acordo com o ministro David Parirenyatwa, não basta para atender os setores mais vulneráveis, como a escassez de recursos das clínicas psiquiátricas.

Autoridades do Hospital Ingutsheni, em Bulawayo – a maior instituição psiquiátrica do país que atende adultos –no começo deste mês informaram ao ministro Parirenyatwa que necessitavam de 23 médicos e contavam com apenas seis.

O Ministério, que oferece ajuda econômica aos setores vulneráveis, como os filhos de Ndlovu, denunciou a falta de fundos outorgados pelo Estado. As agências humanitárias informaram que milhões de pessoas necessitarão de assistência alimentar este ano, o que deixará mais pessoas como Ndlovu no limite do que o Atlas do Unicef define como necessidades mentais. Envolverde/IPS