Rio de Janeiro, Brasil, 20/10/2014 – Eleger-se com os votos concentrados das áreas metropolitanas e industrializadas para depois garantir o poder com o apoio disperso do interior pobre é o itinerário das forças políticas no Brasil, em ciclos que poderão se renovar no segundo turno das eleições presidenciais, no dia 26.
O Partido dos Trabalhadores (PT), que apresenta a presidente Dilma Rousseff à reeleição, é o exemplo típico e recente desse deslocamento das bases eleitorais. De origem operária na rica região metropolitana de São Paulo, seu reduto forte atualmente é o Nordeste, a região mais pobre do país.
Os pequenos municípios das áreas menos desenvolvidas dependem totalmente do apoio financeiro do governo central e de seus programas sociais, por isso seus eleitores tendem a apoiar quem está no poder, explicou à IPS o professor Ricardo Ismael de Carvalho, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Essa dependência se agravou por causa da maior centralização dos recursos tributários desde os anos 1990.
Especialistas atribuem 77% dos votos nordestinos obtidos por Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), em sua reeleição presidencial de 2006, e os 70,58% alcançados por Dilma em sua vitória em 2011, à maciça distribuição de subsídios criados pelos governos do PT desde que chegou ao poder em 2003.
Em muitos municípios do Nordeste, mais da metade das famílias se beneficiam do Programa Bolsa Família, que varia segundo o número de filhos, e paga, em média, US$ 70 mensais. Em nível nacional, o programa chega a quase 14 milhões de famílias e estima-se que tirou 36 milhões de pessoas da extrema pobreza.
Além disso, a economia do Nordeste cresce a um ritmo muito superior ao resto do país desde a década passada. Grandes projetos industriais, portos, ferrovias e o avanço da agroindústria, especialmente da soja, geram milhares de empregos em uma região antes conhecida como exportadora de mão de obra não qualificada.
Esse processo também favorece o PT, porque começou no governo de Lula, um filho do Nordeste, que, para escapar da seca e do subdesenvolvimento local, migrou com a família na década de 1950, ainda criança, e se converteu em metalúrgico e líder sindical na região industrial do ABC, no Estado de São Paulo.
O PT, fundado em 1980 com um discurso de esquerda radical, começou conquistando prefeituras de capitais importantes, como São Paulo, Fortaleza e Porto Alegre, e depois se organizou nacionalmente, com seu principal apoio nas grandes cidades e entre eleitores de maior escolaridade.
Lula venceu as eleições de 2002 com votos bem distribuídos por todo o país, tanto que ganhou em 26 dos 27 Estados. Mas ainda não contava com a avalanche de votos provenientes de sua política social, e sua força ainda vinha dos grandes centros urbanos. Em sua reeleição de 2006, sua vantagem se concentrou em 20 Estados, com esmagadora maioria no Nordeste e no Norte do país, que soma 16 Estados e a maior quantidade de pobres beneficiados pelo Bolsa Família.
Essa concentração se intensificou com Dilma em 2010, que venceu com maioria em 16 Estados e nos municípios com menos de 50 mil habitantes, invertendo a geografia eleitoral do PT antes de chegar ao Palácio do Planalto. Agora, no primeiro turno das eleições deste ano, a candidata petista teve apenas 25,8% dos votos válidos no Estado de São Paulo, o mais rico e povoado do país, com 22,7% do eleitorado nacional e cinco conglomerados urbanos.
Nas regiões metropolitanas, menos dependentes do poder central, com um eleitorado melhor informado e de interesses mais variados, a votação “mais fragmentada” se divide entre os partidos, afirmou Carvalho, cientista político voltado ao estudo de temas do federalismo. O isolamento do PT nas grandes cidades se deve a uma “crise política”, ao se esgotar sua coalizão com o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), encabeçada por velhos dirigentes de imagem corrupta, e ao multiplicar ministérios, que já somam 39, sem contribuir para novos rumos para o país, acrescentou.
A erosão se refletiu também nos resultados legislativos. Nessas eleições, o PT elegeu apenas 70 deputados, 18 a menos do que em 2010, embora continue sendo a primeira força na Câmara, mais conservadora e fragmentada, com 28 partidos dividindo 513 cadeiras. Também existe uma crise econômica que alimenta o baixo crescimento, uma inflação acumulada de 6,75% ao ano e a “falta de credibilidade” dos investidores na gestão de Dilma na área, pontuou Carvalho.
São fatores que seu adversário Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), aproveita em sua tentativa de ocupar o Palácio do Planalto a partir de 1º de janeiro, uma façanha rara em países com reeleição imediata de seus governantes. É muito indicativo que Aécio tenha chegado ao segundo turno graças ao Estado de São Paulo, onde obteve 44% dos votos válidos e onde se concentram os eleitores cujo interesse principal é acabar com a era petista.
O PSDB, nascido em 1988 como cisão progressista do PMDB, manteve suas raízes nas metrópoles, mas também se garantiu com votos de regiões pobres e de conservadores. Com essa estratégia, chegou à Presidência com o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003). Para isso, aliou-se ao Partido da Frente Liberal (PFL), forte no Nordeste e em pequenas cidades, desde que funcionava como braço parlamentar da ditadura militar que governou o Brasil de 1964 a 1985.
Essa ditadura manteve o Congresso Nacional para ratificar suas medidas, inclusive com o ritual das eleições. Mas, diante da crescente oposição das grandes cidades na década de 1970, ampliou a representação dos Estados menores e mais rurais, para manter a maioria parlamentar liberal.
O deslocamento das bases eleitorais do PT se distingue das anteriores porque fortalece um partido de esquerda, e não um conservador, em um processo de efetiva redução da pobreza e da desigualdade, comprovada por estudos nacionais e internacionais, incluídos diversos da Organização das Nações Unidas (ONU).
O Bolsa Família, que promove esse deslocamento, “empodera” os pobres ao ser concedida de “forma impessoal” e paga por meio de cartão a todos os que têm direito e se cadastraram, apontou à IPS Alessandra Aldé, professora de Comunicação e Política na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O método difere do “clientelismo”, no qual políticos oferecem benefícios diretamente às pessoas ou a comunidades, quase como uma compra de votos, destacou Carvalho.
Mas os programas sociais, mesmo sem o controle direto de políticos locais, se revelaram um poderoso fator de força eleitoral para os governantes e seus partidos. “É uma tentação” para o governo nacional, que centraliza a maior parte dos recursos orçamentários, distribuí-los a populações dependentes do setor público, onde o mercado é débil ou praticamente inexistente, ressaltou Carvalho. Institucionalizá-lo como programas do Estado pode ser um avanço, acrescentou. Envolverde/IPS