A ação policial diante dos protestos populares é cada vez mais questionada na África do Sul. Foto Thapelo Lekgowa/IPS
A ação policial diante dos protestos populares é cada vez mais questionada na África do Sul. Foto Thapelo Lekgowa/IPS

Por Anja Bienert*

Londres, Grã-Bretanha, 22/9/2015 – Toda pessoa tem direito à vida. Este princípio está consagrado no Artigo 3 da Constituição Universal dos direitos humanos e aparece em numerosos tratados internacionais e leis nacionais. Entretanto, esse princípio esteve dolorosamente ausente no dia em que a polícia dos Estados Unidos fez um disparo fatal contra Tamir Rice, um menino de 12 anos, em um parque público, em plena luz do dia.

Em 22 de novembro de 2014, a polícia da cidade de Cleveland, no Estado de Ohio, atendeu a um chamado de emergência sobre um homem não identificado que apontava uma pistola para as pessoas em um parque. Não está claro se os policiais que responderam ao chamado sabiam que a pessoa que fez o chamado alertou que a arma, “provavelmente”, era de brinquedo, e que o suposto pistoleiro era apenas um menino.

Dois segundos depois de sair de seu carro policial, um dos agentes disparou contra Tamir Rice a poucos metros de distância. Um vídeo de vigilância divulgado posteriormente pela polícia mostra como o jovem foi fatalmente ferido num piscar de olhos. Pouco depois, morreu no hospital.

Um juiz que analisou o procedimento dos dois policiais implicados escreveu que, após ter visto o vídeo de vigilância do incidente em várias oportunidades, continua “atônito pela rapidez com que este fato se tornou mortal”. O magistrado considerou causa provável para que o agente que apertou o gatilho enfrentasse acusação de assassinato.

Ninguém discute que a polícia enfrenta situações difíceis e frequentemente perigosas. A faculdade de usar a força é indispensável para que esta possa realizar suas funções, mas isso não significa dizer que seja uma parte inevitável do trabalho. De fato, o princípio fundamental das normas internacionais sobre a atuação policial é não recorrer ao uso da força, a menos que seja realmente necessário.

Essas normas, os Princípios Básicos das Nações Unidas sobre o Emprego da Força e de Armas de Fogo, explicam à polícia quando essa força pode ser empregada legitimamente. O que o caso de Tamir Rice demonstra é que nos Estados Unidos, como acontece em muitos países, a polícia não cumpre essas normas. Essa realidade trágica fica clara uma e outra vez, incluída a morte de Michael Brown, na localidade de Fergusson, Estado do Missouri, abatido pelas balas da polícia, e na série de protestos que desencadeou.

Das ruas de Ferguson à favelas do Brasil, o emprego da força e de armas de fogo pela polícia costuma ocupar as manchetes mundiais quando resulta ser fatal. Em incontáveis casos, particularmente em sua reação diante das manifestações, a polícia recorre ao uso da força com demasiada rapidez, em lugar de resolver os conflitos por vias pacíficas. Os agentes policiais utilizam gás lacrimogêneo, balas de borracha e outras armas de forma arbitrária e abusiva.

Os numerosos tiroteios policiais nos Estados Unidos provocaram a morte de pessoas desarmadas, também com maior presença de homens afrodescendentes. Em Bangladesh, forças especiais realizaram operações policiais com o emprego de força letal, o que causou a morte de muitas pessoas. No Bahrein, Burundi, Camboja, Espanha, Grécia, Turquia, Ucrânia e Venezuela o emprego pela polícia de gás lacrimogêneo, bala de borracha e outros meios de força, inclusive de armas de fogo, provocou numerosas vítimas em manifestações populares.

Em casos com estes, os governos e as autoridades policiais não costumam criar o contexto necessário para garantir que a polícia só recorra ao emprego da força legitimamente, em cumprimento dos direitos humanos e como último recurso. Com frequência, as mortes e as lesões graves são o preço dessa omissão.

Isso se deve a uma diversidade de razões, incluídas as leis nacionais que contradizem as obrigações internacionais de direitos humanos, as deficientes leis internas, a insuficiência de capacitação e equipamentos, a falta de controle dos comandos e a ausência de punição para os policiais que atuam fora da lei.

Para enfrentar esse problema, a Anistia Internacional publicou uma nova série de pautas sobre o uso da força pela polícia, coincidindo com o 25º aniversário da adoção dos Princípios Básicos da ONU. Em certas circunstâncias limitadas, a polícia pode e deve empregar a força para manter a lei e a ordem. Mas a mesma deverá respeitar regras rigorosas e não poderá se considerar com licença para matar, nem como uma imunidade para os policiais.

Ninguém está acima da lei, e menos ainda os que têm o dever de fazer com que seja cumprida. Envolverde/IPS

* Anja Bienert trabalha no programa Polícia e Direitos Humanos da Anistia Internacional nos Países Baixos. As opiniões expressadas neste artigo são de responsabilidade da autora e não representam necessariamente as da IPS – Inter Press Service, nem podem ser atribuídas a ela.