Rio de Janeiro, Brasil, 19/2/2015 – O enredo de arestas políticas em que se meteu a presidente Dilma Rousseff dificulta a execução de medidas para superar os problemas econômicos do Brasil, e vice-versa. Este círculo vicioso e debilitante estimula ações e ambições em uma oposição que pouco ameaçou o poder do Partido dos Trabalhadores (PT) em seus 12 anos de governo. Além disso, fomenta divisões na ampla aliança governamental.
“A combinação negativa de política e economia se retroalimenta e deixa assustados o mercado, os aliados (do governo) e a sociedade em geral, porque o governo não mostra capacidade de reagir aos fatos, todos ruins”, afirmou André Pereira, cientista político e consultor independente em Brasília.
A coalizão governista sofreu seguidas derrotas na Câmara dos Deputados, cujo novo presidente, Eduardo Cunha, se destaca como adversário, embora seja membro do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), a principal força da base aliada, que forma com o PT a maioria governamental no Congresso.
As primeiras decisões da legislatura iniciada em 1º deste mês foram contrárias ao Poder Executivo. Uma delas cria novamente uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a corrupção que atingiu duramente a Petrobras.
Outra favorece as emendas legislativas pelas quais os deputados podem destinar recursos financeiros para projetos de seu interesse. Isso afeta a austeridades fiscal com que o governo busca equilibrar as contas públicas e tira do Executivo a possibilidade de liberar esses fundos, negociando em troca um apoio parlamentar.
Além disso, deputados do próprio PT sabotam o ajuste fiscal adotado pela presidente Dilma desde que começou seu segundo mandato, ao propor mudanças nas medidas de redução de gastos que restringem direitos trabalhistas e outros, como prazos maiores para obtenção do seguro-desemprego e pensões por viuvez.
Organizações sindicais e outros movimentos aliados ao PT começaram a protestar contra cortes em direitos e benefícios do trabalhador, pondo fim ao apoio ou à tolerância ao governo que os tirou da rua desde que em 2003 Luiz Inácio Lula da Silva chegou à Presidência.
“A política está desgovernada”, com uma coalizão instável de apoio ao governo e um núcleo próximo à presidente que “não responde às demandas e preocupações da sociedade”, afirmou Pereira à IPS. O pedido de impeachment de Dilma, somente um mês depois de iniciar seu segundo mandato, já se converteu em lema de movimentos opositores. É “golpismo”, afirma a presidente.
Pereira considera pouco provável que tal proposta tenha êxito, por não contar com o “tripé que sustenta o impeachment”, isto é, uma razão jurídica baseada em um fato concreto, como um crime de corrupção; o fator político envolvendo partidos decididos a essa ação extrema, e mobilização social.
Mas trata-se de uma bandeira de mobilização e radicalização opositora, diante de decisões do governo que contrariam o discurso eleitoral da presidente e uma economia que este ano tende à recessão, combinada com uma taxa de inflação superior a 7%, alta para esta potência latino-americana.
A queda da popularidade de Dilma incentiva as ousadias. Apenas 23% dos entrevistados avaliam positivamente a presidente, segundo pesquisa do começo deste mês do Instituto DataFolha. Representa sua pior avaliação histórica e uma brusca queda em relação ao final de 2014, quando 42% tinham uma opinião favorável.
Os que consideram sua gestão má ou péssima passaram de 24% para 44% em dois meses. Além disso, 77% dos entrevistados acreditam que a presidente tinha conhecimento da corrupção na Petrobras e 60% a acusam de ter mentido durante a campanha eleitoral do ano passado.
“Haverá gente nas ruas, tensão e violência, mas é difícil que isso leve a uma polarização”, pontuou à IPS outro cientista político, Fernando Lattman-Weltman, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Uma radicalização, com manifestações de rua, seria um jogo perigoso para a oposição, porque provocaria uma reação dos militantes do PT, que possuem maior experiência e capacidade de colocar as massas nas ruas, acrescentou o professor.
Boa parte da rejeição ao governo do PT se deve à corrupção. O desvio de milhares de milhões de dólares da Petrobras durante a década passada, mediante pagamentos ilegais entre seus diretores e fornecedores, para entregar elevadas quantias aos partidos, se soma ao escândalo de 2005 do mensalão.
Vários dirigentes do PT foram presos como responsáveis por fraudes que criavam fundos para subornar parlamentares e garantir sua fidelidade ao oficialismo. Falou-se de pagamentos mensais, daí o nome mensalão. O escândalo não impediu, porém complicou a reeleição de Lula no ano seguinte.
O agora chamado “petrolão”, por centrar-se na empresa petroleira, sacudirá o mundo político nos próximos meses, quando serão revelados os parlamentares e dirigentes políticos envolvidos. As investigações policiais se baseiam principalmente em delações de 13 acusados que trocaram revelações por condenações mais curtas.
Até agora os políticos estavam preservados porque os que têm cargos eletivos contam com o chamado fórum privilegiado, pelo qual só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Por isso, a tensão política atual se alimenta muito da ansiedade e incerteza. Não se desconhece os efeitos políticos do escândalo ou como o governo responderá à crise, diante do silêncio da presidente sobre a situação política.
“A intranquilidade e insatisfação seguirão porque a economia não vai melhorar logo, tampouco a crise da água e a da energia, e as investigações de corrupção prosseguirão. Talvez o governo possa respirar dentro de seis meses”, afirmou Lattman-Weltman. Em sua opinião, mais do que a corrupção, é a economia que ameaça a presidente. E muitos fatores dessa área não dependem do jogo político, como a conjuntura internacional e a crise energética que se agravará se a escassez de chuvas continuar.
Se o programa de austeridade tiver sucesso e diminuir a inflação e se retornar ao crescimento econômico, vai melhorar a situação política, apontou Lattman-Weltman. Nesse objetivo pode ajudar negociar com o parlamento e melhorar as relações entre Executivo e Legislativo, algo que depende da capacidade de quem governa, acrescentou.
Mas uma sombra preocupa o governo e a oposição nesse quadro de deterioração política e econômica. Os protestos de rua que sacudiram o Brasil em junho de 2013 podem sair da hibernação de quase dois anos e romper o jogo atual de confronto político e disputas canalizadas pela via institucional.
A campanha Fora Dilma pedindo seu impeachment e a ameaça de levar às ruas as polarizadas disputas são apostas com muitos riscos, que a oposição deverá calibrar e moderar, segundo os analistas. Se estão agindo, se saberá em pouco tempo no país. Envolverde/IPS