Por Neeta Lal, da IPS –
Nova Délhi, Índia, 10/8/2016 – As terríveis condições das detentas da ala seis do complexo carcerário de Tihar, na Índia, o maior da Ásia meridional, gerou um alvoroço midiático no país, quando um popular canal de televisão denunciou a situação.O programa levou direto ao lar dos telespectadores o tratamento degradante que sofrem cerca de 600 mulheres, espremidas como sardinhas em lata em um espaço previsto para metade desse número, sem instalações básicas, e diante da escandalosa apatia estatal na maior democracia do mundo.
Ao denunciar a situação, o programa também destacou o funcionamento de um sistema judicial que mantém milhões de pessoas privadas da liberdade sem mesmo terem comparecido diante de um juiz, ou cujas visitas superficiais se estendem durante anos devido a uma justiça corrupta sobrecarregada de casos e com poucos juízes. A injustiça das detenções prolongadas também se agrava pelas péssimas condições de reclusão.
Por ocasião do Dia da Justiça para os Presos, celebrado em 10 de agosto, os defensores de direitos humanos aproveitam para pedir maior atenção do Estado com as prisões na Índia. A maioria delas não cumpre os padrões mínimos da Organização das Nações Unidas, como alimentação suficiente ou de boa qualidade, e boas condições de higiene. São comuns as torturas e os maus tratos, e as celas costumam estar mal conservadas, com má ventilação e sem luz natural.
Um informe de 2015 da Auditoria Geral e do Controlador da Índia sobre Tihar afirma que o complexo sofre com uma população carcerária superior ao dobro do previsto e que carece de 50% do pessoal necessário. O documento diz que as dez prisões estão extremamente lotadas com 14.290 presos, bem acima de sua capacidade de 6.250. Também há 51 presos que ainda esperam serem processados e que já permaneceram mais da metade do tempo previsto como pena para o crime pelo qual foram detidos.
As instalações médicas são virtualmente inexistentes e faltam profissionais, além de o hospital não ter capacidade para atender situações de emergência, apesar de contar com 150 camas. As más condições têm consequências sobre a saúde das presas, tanto física quanto psicologicamente, denunciou uma ex-detenta.“As presas preferem se cuidar entre si quando não estão bem, porque na maior parte do tempo só há médicos homens. Lembro que uma vez uma mulher teve aborto espontâneo e ficou sangrando horas até ser levada ao hospital”, contou.
A situação no pavilhão da morte é pior. Não só vivem em condições sub-humanas,como têm julgamentos injustos e sofrem torturas terríveis, revela o estudo do Projeto de Investigação sobre a Pena de Morte, da Universidade Nacional de Direito de Nova Délhi. O documento, com base em entrevistas com 373 das 385 pessoas que se estima estejam condenadas à pena máxima na Índia, apresenta um cenário horrendo das intoleráveis condições de vida das pessoas que esperam por um juiz para decidir seu destino.
Outro informe da Commonwealth Human Rights Initiative, de 2015, diz que a falta de recursos, o procedimento por meio do qual são feitas as detenções e a impossibilidade de pagar fiança, além das lamentáveis condições das prisões, incidem na má qualidade de vida das pessoas detidas.A situação exige que o pessoal capacitado ofereça opções para que os centros de reclusão se convertam em reformatórios.
Especialistas atribuem o maior gargalo na situação a um sobrecarregado sistema de justiça penal, que acaba prejudicando os presos.Segundo o Escritório Regional de Registro de Crimes, em 2013 houve 411.992 presos, 278.503 dos quais sem julgamento. A situação vai piorar enquanto não se respeitar o devido processo, a infraestrutura for ruim e os presos carecerem de uma boa assessoria legal.
Atualmente há três milhões de casos pendentes nos diferentes tribunais da Índia. O ex-primeiro-ministro Manmohan Singh pontuou que a justiça indiana tem um atraso enorme. A Bloomberg Business Week estimou que, se todos os juízes do país trabalharem sem parar para comer e dormir e apreciarem cem casos por hora, demorarão 35 anos para colocar a situação em dia.
“A grave demora se deve em grande parte ao fato de muitos tribunais compartilharem juízes, o que deixa muito lento o processamento de casos. Não há um mecanismo legal de reparação pela falta de julgamentos”, disse Ajay Verma, do não governamental International Bridges to Justice, que defende os direitos humanos. “As patologias institucionais derivam em detenções prolongadas e injustas”, acrescentou.
O advogado de direitos humanos Maninder Singh observou que muitos presos passam mais tempo na prisão do que o tempo da pena prevista para o crime que teriam cometido. Algumas pessoas inclusive permanecem duas décadas detidas antes de serem condenadas ou liberadas.
As mulheres que esperam julgamento estão condenadas a sofrer mais porque são muito pobres para pagar um advogado, ressaltouo advogado.“Inclusive, algumas têm filhos, que devem ficar com elas nessas condições patéticas até os seis anos. Muitas permanecem vários meses até serem acusadas. Simplesmente não há nenhum recurso legal ao qual apelar”, explicou.
A Comissão Nacional de Direitos Humanos fez várias recomendações para uma reforma carcerária, como substituir a Lei de Prisões de 1894, emendar os códigos contemplando os direitos humanos, reduzir a lotação e trasladar os estrangeiros para centros de detenção após cumprirem suas penas, enquanto tramita a deportação para seus países.
Mas a situação não é irremediável, é preciso vontade política e um enfoque mais humanitário para um problema que é muito complexo. Algumas medidas tomadas para paliar a situação, como a reabilitação e capacitação de presos para que consigam um emprego ao serem soltos, receberam elogios.
Tihar se orgulha de suas atividades artesanais, como carpintaria, alfaiataria, pintura em tecidos, entre outras, cuja renda, obtida com a venda dos produtos fabricados pelos detentos, contribui para a manutenção da prisão. A possibilidade de obter uma renda e os incentivos que recebem ajudam a diminuir a agonia psicológica dos presos.
É necessário ampliar esse tipo de medida, mas, como disseram Singh e Verma, o Estado deve se concentrar em acelerar o tempo de processamento, agilizar a justiça e melhorar as condições dos centros de reclusão para melhorar a situação das pessoas privadas da liberdade. Envolverde/IPS