Internacional

Projeto para romper barreiras energéticas

A comunidade de Caleta San Marcos, a cem quilômetros de Iquique e 1.800 quilômetros ao norte de Santiago, será o epicentro do inovador projeto Espelho de Tarapacá, no norte do Chile. Seus 300 habitantes trabalham, principalmente, na extração de produtos do mar. Foto: Cortesia da Valhalla Energia
A comunidade de Caleta San Marcos, a cem quilômetros de Iquique e 1.800 quilômetros ao norte de Santiago, será o epicentro do inovador projeto Espelho de Tarapacá, no norte do Chile. Seus 300 habitantes trabalham, principalmente, na extração de produtos do mar. Foto: Cortesia da Valhalla Energia

Por Marianela Jarroud, da IPS – 

Santiago, Chile, 15/1/2016 – Um projeto energético impulsionado pelo Chile pretende combinar uma central hidráulica de bombeamento que funcionará com água do mar, com outra solar fotovoltaica, a fim de garantir um fornecimento limpo e constante de energia no deserto de Atacama, o mais árido do mundo.A iniciativa pode parecer inviável, considerando a extrema aridez e a escassez de água da região onde se localiza: o norte do país, onde o consumo hídrico e de energia é dominado pelas grandes empresas mineradoras de cobre, ouro e prata.

Mas já atraiu o interesse de investidores locais e estrangeiros e também foi reconhecida em 2015 com o Prêmio Nacional de Inovação, entregue pelo governo local.“Em nenhuma parte do mundo se consegue oferecer energia limpa e de base 24 horas por dia, sete dias por semana, a preços competitivos e sem subsídios”, afirmou Juan Andrés Camus, gerente-geral e um dos fundadores da Valhalla Energia, a empresa que promove o projeto.

“Essa trilogia é algo único e não é uma genialidade nossa, mas um tremendo presente da natureza”, disse à IPS o executivo da companhia, criada sob o princípio de que o Chile é um país pobre quanto às chamadas “energias do passado, mas infinitamente rico em energias do futuro”.

Com investimento de US$ 400 milhões, a central Espelho de Tarapacá funcionará como uma grande bateria de armazenamento de energia, que começará a ser construída no final deste ano, devendo estar funcionando em 2020. Inclui a instalação de uma central hidráulica de bombeamento, que durante o dia levará água do mar à parte superior de uma escarpa costeira (rocha alta saliente) utilizando energia solar, acumulando-a em concavidades naturais localizadas a 600 metros de altura.

Durante a noite, quando não há energia solar disponível, vai gerar eletricidade deixando cair essa água pelos mesmos túneis. Assim oferecerá energia limpa e constante (24 horas por dia, sete dias por semana), superando a intermitência das energias renováveis e não convencionais. OEspelho de Tarapacá gerará 300 megawatts (MW) e estará localizado nacaleta(espécie de minibaía) de San Marcos, na região chilena de Tarapacá, no extremo norte do país e cem quilômetros ao sul da cidade de Iquique.

Gráfico em escala do Espelho de Tarapacá, projeto que aproveita a geografia costeira do Chile, com uma escarpa que leva água do mar do Oceano Pacífico para duas cavidades naturais de 600 metros de altura, no extremo norte do país. Foto: Cortesia da Valhalla Energia
Gráfico em escala do Espelho de Tarapacá, projeto que aproveita a geografia costeira do Chile, com uma escarpa que leva água do mar do Oceano Pacífico para duas cavidades naturais de 600 metros de altura, no extremo norte do país. Foto: Cortesia da Valhalla Energia

 

Paralelamente, a empresa vai construir Cielos de Tarapacá, um parque solar fotovoltaico adjacente, na localidade de Pintados, que produzirá 600 MW e cujo investimento se aproxima de US$ 1 bilhão. Esse projeto, que aguarda pela permissão ambiental, funcionará com tecnologia de tracking em um eixo, que segue o sol durante o dia do leste até o oeste.

Segundo Camus, seu tamanho será tal “que, se estivesse operacional em 2015, seria a maior usina solar do mundo”. À noite, continuará gerando energia solar, graças à energia armazenada no Espelho.

As principais características dos dois projetos são que utilizarão as abundâncias naturais do Chile e sua geografia. A água do mar, a escarpa de grande altura situada em vastas zonas costeiras do país, e a radiação solar do deserto de Atacama. Isso dispensará as represas e reduzirá em até 80% as obras subterrâneas, minimizando o impacto ambiental, segundo seus promotores, os quais destacam que o projeto é um dos mais inovadores do mundo em matéria de energia.

“Mais do que na tecnologia, a inovação do Espelho de Tarapacá está no uso muito eficiente da geografia para poder implantar a central com custo mínimo”, pontuou Camus. “A grande oportunidade está no uso eficiente do território, mais do que na barreira tecnológica”, acrescentou.O Chile, país muito comprido e estreito, está delimitado pela cordilheira dos Andes e pelos 6.453 quilômetros de costa no Oceano Pacífico.

Antes da concretização do projeto, a Valhalla trabalhou com a pequena comunidade costeira de San Marcos. Seus 300 habitantes, que se dedicam à extração de moluscos, pesca artesanal e exploração da alga sargazo (Macrocystis pyrifera), inicialmente se mostraram reticentes e temerosos, principalmente pelo impacto do projeto sobre os recursos marinhos da área.

Para avançar nas conversações foram criadas mesas de trabalho. A comunidade solicitou especialistas marinhos e um advogado que os apoiasse em aspectos técnicos e legais.Finalmente, após meses de trabalho, a empresa assinou acordos com o sindicato pesqueiro local e a associação de moradores, que contemplam aportes da empresa à comunidade, um conjunto de princípios para manejo transparente da central e um mecanismo de resposta caso seja detectado algum dano ao oceano.

Vista aérea da área onde será implantado o projeto Espelho de Tarapacá, que produzirá 300 megawatts de eletricidade utilizando água do mar e energia solar, em uma inovadora central reversível e de geração contínua, que será instalada no norte do Chile, no deserto de Atacama. Foto: Cortesia da Valhalla Energia
Vista aérea da área onde será implantado o projeto Espelho de Tarapacá, que produzirá 300 megawatts de eletricidade utilizando água do mar e energia solar, em uma inovadora central reversível e de geração contínua, que será instalada no norte do Chile, no deserto de Atacama. Foto: Cortesia da Valhalla Energia

“Foi benéfico, e tomara que outras comunidades possam ter acesso a isso, decidir por si mesmas, com informação, simetria de oportunidade, e defender seus direitos, para que a ignorância não se transforme em trava para o desenvolvimento”, afirmou Genaro Collao, presidente do Sindicato de Pescadores da caletade San Marcos.“Neste ponto de inflexão, a decisão é se coloco dinheiro em seu bolso ou melhoro sua vida. O dinheiro no bolso vai durar um dia, uma semana, um mês. A vida, vamos deixar de herança, esse é o conceito”, destacou à IPS por telefone desde sua localidade.

O Chile possui 17,6 milhões de habitantes e capacidade total instalada de 20.203 MW, distribuídos majoritariamente nos sistemas interligados Central (78,38%) e do Norte Grande (20,98%). Destes, 58,4% da energia provem de geração a diesel, carvão e gás natural, enquanto o restante corresponde a energias renováveis que incluem, em sua grande maioria, a mega-hidroeletricidade.

Apenas 13,5% do total corresponde a energias renováveis não convencionais, como eólica (4,57%), solar fotovoltaica (3,79%), mini-hidrelétricas (2,8) e biomassa (2,34%).Em 2014, o governo da presidente Michelle Bachelet estabeleceu uma nova Agenda de Energia, na qual se considera viável que, em 2050, 70% da geração de energia no Chile seja fornecida por fontes renováveis.

“O setor energéticochileno é responsável por70% das emissões de gases-estufa do país. Assim, são os compromissos em energia que nos permitirão chegar ao compromisso de redução de 30% nas emissões até 2030”, garantiu à IPS o ministro do Meio Ambiente, Pablo Badenier.“Ao se pegar o mapa do caminho de energia 2050, pode-se considerar viável que, nesse ano, 70% da geração de energia no Chile provenham de energias renováveis. Isso é o que torna possível, sério, comprometer essa meta de gases-estufa”, ressaltou o ministro.

Estudos indicam que o deserto de Atacama possui os mais altos níveis de radiação solar do mundo. Os especialistas garantem que, com menos de 0,5% da superfície do deserto coberto por painéis fotovoltaicos, seria possível substituir toda a geração elétrica do Chile.“Projetos como este podem gerar uma oportunidade do ponto de vista de colocar o país na vanguarda de desenvolvimento de tecnologia verde sem precisar pagar mais por isso”, concluiu Camus. Envolverde/IPS