Internacional

Projetos mexicanos dependem cada vez mais de sócios privados

No setor energético do México se recorreu ao esquema das associações público-privadas para construir infraestrutura. Na imagem, uma rede de gás da estatal Petróleos Mexicanos (Pemex). Foto: Cortesia da Pemex
No setor energético do México se recorreu ao esquema das associações público-privadas para construir infraestrutura. Na imagem, uma rede de gás da estatal Petróleos Mexicanos (Pemex). Foto: Cortesia da Pemex

Por Emilio Godoy, da IPS – 

Cidade do México, México, 11/9/2015 – O governo mexicano passou a recorrer de forma crescente à associação público-privada (APP) para empreender projetos energéticos, um esquema cercado de nebulosidade e discricionariedade, segundo especialistas e setores críticos. Na medida em que avança a execução da reforma energética de 2013, que abriu o setor ao capital privado, local e internacional, a previsão é de que esse modelo seja usado com maior frequência.

No caso do consórcio estatal Petróleos Mexicanos (Pemex), “as alianças que faz não são com qualquer um, são com os gigantes corporativos. Não fala muito sobre esses acordos. É muito difícil rastreá-los”, apontou Omar Escamilla, pesquisador em hidrocarbonos da não governamental Projeto sobre Organização, Desenvolvimento, Educação e Pesquisa (Poder).

Escamilla disse à IPS que as sociedades “são constituídas com empresas inscritas em paraísos fiscais, e isso limita a justiça mexicana para que prestem contas ou para solicitar informações sobre o uso dos recursos. O preocupante é com quem se associa, de onde vem o capital, qual é o histórico dessa empresa”.

A Lei de Associações Público-Privadas, vigente desde 2012 e reformada em 2014, regula os projetos realizados com qualquer esquema para estabelecer uma relação contratual de longo prazo, entre instâncias do setor público, para a prestação de serviços que utilizem infraestrutura provida total ou parcialmente pelo setor privado. A lei fixa a obrigatoriedade de licitação, faculta ao Estado declarar as obras de utilidade pública, de expropriar terras e prazo mínimo de 40 anos para os contratos.

O México está em sétimo lugar entre os países do Sul em desenvolvimento no uso das APPs, só precedido pelo Brasil, dentro da América Latina. O maior número se concretizou na área viária do país, mas também são aplicadas na construção de hospitais especializados, prisões, aeroportos, ferrovias e setor energético.

Segundo define o Banco Mundial, a APP se refere a um acordo entre o setor público e o privado, em que parte dos serviços ou tarefas de responsabilidade do Estado é fornecida pelo setor privado, sob um claro acordo de objetivos compartilhados para proporcionar o serviço público ou a infraestrutura pública. Considera-se que as APPs melhoram a equação entre qualidade e preços dos serviços, transferem os riscos para o setor privado, melhoram incentivos para produzir eficientemente, reduzem o gasto público e transpassam esse endividamento aos privados.

Mas seus críticos destacam que obrigam os governos a pagamentos prolongados pela longa duração dos contratos. Além disso, alegam que os compromissos podem deteriorar o gasto em serviços públicos, disfarçam o endividamento público e a privatização de tarefas do Estado, e encarecem os custos.

Em nível federal, o México conta com 29 APPs, enquanto diferentes Estados somam 20 projetos sob esse contexto legal. A reforma energética, sancionada em dezembro de 2013, a maior transformação do setor nas últimas oito décadas, abre ao setor privado local e internacional a exploração, o refino e distribuição de hidrocarbonos, e a geração e distribuição de eletricidade aos particulares.

Nos últimos 20 anos a Pemex recorreu às APPs para construir infraestrutura petroleira, como uma forma de se livrar das rédeas legais e econômicas de todo monopólio estatal, resume o estudo Análise da Estrutura de Negócios na Indústria de Hidrocarbonos do México, publicado em junho pela Poder.

Por exemplo, em 1996 a Pemex e a norte-americana Sempra Energy se associaram para criar a Gasodutos de Chihuahua, que se transformou no maior ator da indústria mexicana de gás natural, ao controlar nove empresas mediante dois convênios conjuntos e sete companhias associadas. Todas elas pertencem ao organograma de negócios da Pemex.

Para explorar três campos maduros no Estado de Tabasco, em 2011, a PMI Campos Maduros Sanma, filial da Pemex, se associou com as subsidiárias no México das transnacionais privadas Petrofac Limited (Grã-Bretanha) e Schlumberger Limited (Estados Unidos). Em 2013, a Pemex passou à firma local Mexichem o complexo petroquímico Planta Clorados III, um dos ativos mais importantes na indústria petroquímica, e com a qual instituíram a empresa Petroquímica Mexicana de Vinilo. Na associação, a Mexichem controla 55,1% das ações e a petroleira estatal o restante.

Outro caso é o da Gasodutos de Chihuahua, que será responsável pela operação e manutenção do gasoduto Los Ramones, o maior investimento em infraestrutura para transportar gás em meio século, com capacidade de transferir diariamente 3,5 bilhões de pés cúbicos de gás natural por de 900 quilômetros. A rede unirá o centro do México à fronteira com os Estados Unidos, no extremo norte.

“Os gasodutos que o governo mexicano constrói para dotar de infraestrutura gasífera, na realidade constituem o maior esquema de negócios para que a iniciativa privada se vincule à Pemex na indústria do gás natural”, diz o documento da Poder. A estatal Comissão Federal de Eletricidade seguiu estratégia semelhante na construção e operação de campos eólicos nos Estados de Oaxaca e Chiapas.

“A supervisão, prestação de contas e transparência são assuntos pendentes, para fazer uma revisão integral desses mecanismos”, afirmou à IPS o acadêmico Arturo Oropeza, do Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade Nacional Autônoma do México. “Faltam instrumentos para fazê-lo e por isso falta uma visão integral para saber o que ocorreu. Será preciso uma avaliação setorial”, acrescentou.

O índice Avaliando o Entorno para as Associações Público-Privadas na América Latina e no Caribe, publicado em abril, situou o México entre os países com melhores condições para desenvolver APPs. Essa lista, que avaliou 19 países da região por meio de 19 indicadores sobre infraestrutura de eletricidade, transporte e água, catalogou o México como o melhor situado em clima de investimento e o pior no contexto interno.

O documento foi elaborado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, seu braço de financiamento privado Fundo Multilateral de Investimentos, e pela Unidade de Inteligência da revista britânica The Economist. Nele se destaca que assuntos como transparência representam um desafio para um desenvolvimento maior das APPs.

O informe cita a falta de supervisão independente significativa sobre o cumprimento dos contratos e que os projetos maiores foram concedidos mediante negociações diretas em casos em que só há um concorrente, embora a lei obrigue à realização de licitações. O Chile liderou a lista com quase 77 pontos em 100, seguido de Brasil com 75, Peru 70,5 e México com quase 68. Nicarágua, Argentina e Venezuela foram os últimos na classificação.

Para os próximos três anos, o México comprometeu cerca de US$ 300 bilhões para este tipo de acordo. Para Escamilla, o cenário no México com o recurso crescente das APPs é pouco promissor. “É importante gerar marcos de vigilância e operacionalidade. As APPs deveriam render informes sobre como se escolheu o sócio, seu perfil, história em subornos, pagamentos fraudulentos e com esses critérios ir descartando. Se não atender esses critérios, a opção é buscar outros sócios”, afirmou.

Oropeza antecipa uma desaceleração do esquema em energia. “Diante dos novos instrumentos financeiros e de associação, veremos um crescimento desses e uma redução das APPs. Não vão proliferar, possivelmente sim em infraestrutura de outro tipo”, ressaltou. Envolverde/IPS