Cidade do Kuwait, Kuwait, 2/4/2015 – A população da Síria é “vítima da pior crise humanitária de nosso tempo”, afirmou o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, quando solicitou fundos para essa causa a 78 doadores potenciais no palácio Bayan, na capital do Kuwait. Quatro em cada cinco sírios vivem na pobreza, na miséria e nas privações, ressaltou Ban na terça-feira, dia 31, na terceira conferência internacional de doadores para a ajuda humanitária da Síria, realizada neste país do Golfo.
Segundo Ban, o país, em uma guerra civil que completou seu quarto ano no dia 15 de março sem que se vislumbre seu fim, perdeu quase quatro décadas de desenvolvimento humano. Uma guerra desapiedada e implacável está destruindo a Síria, continuou, ressaltando que “a violência deixou muitos sírios sem teto, sem escolas, sem hospitais e sem esperança”.
Ainda assim, seu pedido de ajuda humanitária esteve longe de cumprir sua meta de US$ 8,4 bilhões, apesar dos esforços de três grandes doadores. A União Europeia (UE) e seus Estados membros aportaram quase US$ 1 bilhão, os Estados Unidos contribuíram com US$ 507 milhões e o Kuwait com US$ 500 milhões.
Várias organizações internacionais não governamentais, como a Fundação de Ajuda Humanitária, da Turquia, a Meia-Lua Vermelha do Catar e a Organização Internacional de Caridade Islâmica, do Kuwait, se comprometeram em conjunto a doar US$ 500 milhões. No total, a terceira conferência internacional de doadores conseguiu arrecadar apenas cerca de US$ 3,8 bilhões dos US$ 8,4 bilhões previstos para a ajuda humanitária à Síria.
Sem expressar sua decepção, Ban afirmou que os compromissos assumidos na conferência farão uma profunda diferença para os quatro milhões de sírios que buscaram refúgio nos países vizinhos e para os cinco milhões que continuam presos sem comida nem ajuda médica em zonas sitiadas, de difícil acesso, no país devastado pela guerra.
O secretário-geral também elogiou o emir do Kuwait, xeque Sabah Al Ahmad Al Jaber Al Sabah, por receber a conferência de doadores pelo terceiro ano consecutivo. A primeira, em 2013, recebeu promessas de ajuda no valor de US$ 1,2 bilhão e a do ano passado de aproximadamente US$ 2,4 bilhões, sendo o Kuwait o principal doador em ambas.
Ban acrescentou que “este é outro exemplo de liderança vital, que salva vidas, que o Kuwait demonstrou para ajudar os que estão em necessidade extrema em todo o mundo” e qualificou o emir como um dos “líderes humanitários” do mundo.
Em seu discurso, o emir criticou implicitamente os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU – China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia – por seu fracasso coletivo ao não conseguirem uma solução política para a Síria.
“A comunidade internacional, e em particular o Conselho de Segurança, não conseguiu encontrar uma solução para acabar com esse conflito, preservar o sangue de nossos irmãos e manter a unidade de um país, que foi ferido pelas garras da discórdia e desgarrado pelas presas do terrorismo”, destacou o emir.
Valerie Amos, a secretária-geral-adjunta para Assuntos Humanitários e coordenadora de ajuda de emergência, disse que a população Síria experimentou “níveis surpreendentes de violência e selvageria em seu país”. Também afirmou que, “mesmo não podendo levar a paz, este financiamento ajudará as organizações humanitárias a entregarem alimentos, água, abrigo, serviços de saúde e prestar outro tipo de ajuda a milhões de pessoas em necessidade urgente”.
Após anunciar o compromisso da UE, o comissário europeu de Ajuda Humanitária e Gestão de Crise, Christos Stylianides, afirmou que a situação na Síria se agrava diariamente e é cada vez mais difícil para as organizações humanitárias alcançarem os mais necessitados.
Desde que começou a guerra civil, em março de 2011, mais de 11,5 milhões de sírios foram obrigados a fugir de suas casas, incluindo 3,9 milhões que fugiram para países vizinhos. Mais de 12 milhões de pessoas precisam de assistência humanitária urgente no território sírio, um aumento de 30% em comparação com o ano passado, destacou Stylianides. Os sírios buscaram refúgio no Líbano, Jordânia, Iraque, Turquia e Egito, entre outros países.
Andy Baker, diretor do programa regional da organização humanitária Oxfam, com sede na Jordânia, ressaltou à IPS que a conferência “não é um jogo de números”, mas se trata de vida humanas. As pessoas presas pelo conflito têm que tomar decisões difíceis, como pegar um barco para fugir com destino à Europa, pedir aos filhos que ganhem seu sustento ou acordar casamentos precoces para suas filhas. “A melhor opção para eles é pegar um barco e fugir”, acrescentou.
Em uma análise do que seriam doações justas, a Oxfam calculou que quase metade dos maiores doadores do mundo não deu o que lhes correspondia em 2014, segundo o tamanho de suas economias, como a Rússia, com apenas 7%, Austrália com 28% e Japão com 29%. Os governos que aportaram uma cota justa ou mais foram Kuwait, com 1.107%, Emirados Árabes Unidos, com 391%, Noruega, 254%, Grã-Bretanha ,166%, e Alemanha, 111%. Os Estados Unidos entregaram 97% do que lhes correspondia. Envolverde/IPS