A decisão do governo do Quênia de fechar seus acampamentos de refugiados terá consequências desastrosas, segundo organizações internacionais, que pediram a esse país africano que reconsidere a medida.
Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS –
Nações Unidas, 12/5/2016 – A decisão do governo do Quênia de fechar seus acampamentos de refugiados terá consequências desastrosas, segundo organizações internacionais, que pediram a esse país africano que reconsidere a medida. No final da primeira semana deste mês, as autoridades quenianas anunciaram que “deve acabar o alojamento de refugiados” por motivos econômicos, de segurança e ambientais. O Quênia abriga cerca de 600 mil refugiados procedentes da Somália e do Sudão do Sul. Nesse país fica o complexo Dadaab, o maior acampamento de refugiados do mundo.
Nairóbi já desmantelou o Departamento de Assuntos de Refugiados e trabalha para fechar os acampamentos no “menor prazo possível”, uma medida já criticada por numerosas organizações internacionais de direitos humanos. “Ao mesmo tempo, o governo queniano reconhece que os somalianos, que abriga há quase 25 anos, ainda são refugiados, mas depois declara que acabou com eles”, lamentou Bill Frelick, diretor do programa de direitos de refugiados da organização Human Rights Watch, com sede em Nova York.
Por sua vez, a diretora da Anistia Internacional para África oriental, Chifre da África e Grandes Lagos, Muthoni Wanyeki, qualificou a decisão de “irresponsável” e destacou que significa uma “renúncia” à sua responsabilidade de proteger as pessoas mais vulneráveis.A diretora de missão da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) no Quênia, Liesbeth Aelbrecht, afirmou que a medida ressalta a “contínua e flagrante negligência” com os refugiados em todo o mundo.
O fechamento do acampamento implica a repatriação dos residentes para seus países de origem. Aelbrecht acrescentou que só em Dadaab, onde a MSF trabalha, cerca de 330 mil somalianos serão afetados pela medida e obrigados a retornar a um país devastado pela guerra, com um acesso quase nulo à vital assistência humanitária. Cerca de 4,7 milhões de pessoas, quase 40% da população da Somália, necessitam desse tipo de ajuda. Eo atual conflito no vizinho Sudão do Sul já deixou milhões de deslocados e mortos, piorou o acesso a alimentos e água e destruiu escolas e hospitais.
Wanyeki ressaltou que a repatriação forçada seria uma “violação das obrigações do Quênia dentro do direito internacional”. Frelick concordou, e acrescentou que, embora a ameaça do grupo extremista Al Shabaab seja real, Nairóbi “deve se ater ao direito internacional dos refugiados”. A HRW apontou que não há nenhuma evidência que vincule os refugiados somalianos com algum dos atentados terroristas cometidos em território queniano.
Não é a primeira vez que as autoridades se voltam contra os refugiados. Segundo a organização Refugees International, o governo queniano ordenou, em 2012 e 2014,que todos os refugiados residentes nas cidades se dirigissem aos acampamentos, o que derivou em subornos, assédio, agressões físicas, e detenção pela polícia. É possível que este último anúncio eleve o nível de extorsão e abuso por parte das forças de segurança, alertou Mark Yarnell, dessa organização.
O governo do Quênia reconhece as consequências humanitárias de sua decisão, mas argumenta que seu país vem assumindo uma carga da comunidade regional e internacional. “Como país com recursos limitados que precisa enfrentar a ameaça terrorista, já não podemos permitir que nosso povo carregue o peso das debilitantes obrigações da comunidade internacional em relação aos refugiados”, argumentou em um editorial o ministro de Segurança Nacional, Karanja Kibicho.
O ministro também afirmou que diminuíram os fundos internacionais e que falta compromisso para o reassentamento das pessoas vulneráveis, em parte devido a uma descomunal concentração na crise de refugiados da Europa.“O mundo continua aprendendo as desastrosas consequências do contínuo discurso duplo”, enfatizou Kibiho. Em resposta à preocupação do governo queniano, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) assinalou o papel “vital” que tem o Quênia como uma das principais nações que abriga refugiados.
Várias organizações, entre elas Oxfam e Comitê Internacional de Resgate, reconhecem, em um comunicado conjunto, a “hospitalidade” e a “responsabilidade” que Nairóbi assumiu há décadas. Segundo a declaração, “a comunidade de organizações não governamentais está comprometida em seguir apoiando o governo do Quênia na busca por soluções de longo prazo e sustentáveis para os refugiados”.
O comunicado também pede à comunidade internacional que dê apoio econômico de forma previsível e suficiente aos programas para refugiados do Quênia e que amplie as cotas de reassentamento. O documento, juntamente com Acnur e MSF, pede ao governo queniano que reconsidere sua decisão.
Aelbrecht pontuou que o Quênia, junto com a comunidade internacional, deve continuar oferecendo assistência humanitária e garantindo condições de vida adequadas para milhares de pessoas “que necessitam desesperadamente”.Por sua vez, Wanyeki reconhece a lentidão do processo de reassentamento, mas também pediu urgência ao governo queniano para considerar soluções permanentes que permitam a integração total dos refugiados. “O retorno forçado a contextos de perseguição ou conflitos não é uma opção”, ressaltou. Envolverde/IPS