Por Zadie Neufville, da IPS –
Kingston, Jamaica, 23/11/2015 – Durante o último verão boreal, a população da Jamaica sofreu pelo terceiro ano consecutivo a escassez de chuvas, os consequentes incêndios florestais e uma seca que destruiu cultivos e obrigou a cortes diários do serviço de água. Com as temperaturas médias acima dos 34,2 graus Celsius em várias áreas, o Serviço de Meteorologia pediu que a população “se dê conta com urgência de que a mudança climática já é um fato da vida” cotidiana. Alguns dos dias mais quentes já registrados ocorreram em julho deste ano.
Com o esgotamento das reservas e a perspectiva de que as condições secas superem as do ano passado, a Comissão Nacional da Água (NWC) começou suas restrições anuais e implantou cortes. Acreditava-se que 2014 teve a pior seca já sofrida pela Jamaica em 30 anos, as chuvas representaram entre 2% e 12% nas zonas mais afetadas. O meteorologista Evan Thompson disse à imprensa durante o Fórum de Editores de Gleaner, no dia 1º de julho: “Estamos falando da mudança climática, e às vezes pensamos que é algo que ainda está por vir, só que é algo que já está aqui”.
Enquanto a NWC se esforça para reativar poços fora de uso para aliviar a escassez, há quem peça a dragagem das represas e dos reservatórios para aumentar a capacidade de armazenamento. O ministro de Ambiente, Água e Mudança Climática, Roberto Pickersgill, divulgou um “aviso de proibição” com pena de até 30 dias de prisão para “quem for flagrado usando o precioso líquido para qualquer outra coisa que não seu uso doméstico e sanitário”. Pela primeira vez a Jamaica impôs penas para as restrições hídricas.
Kingston, uma das áreas mais afetadas pelos cortes, fica sobre abundante água contaminada. Mas a vasta fonte hídrica da capital representa apenas uma parte das vastas reservas não aproveitadas, que, segundo os especialistas, continuam subexploradas. Segundo a Autoridade de Recursos Hídricos, a Jamaica usa apenas 25% dos recursos subterrâneos disponíveis e 11% da água da superfície.
O diretor do órgão, Basil Fernández, disse à IPS que “será necessário um adequado planejamento em relação à água perdida e melhorar a eficiência na distribuição e na transmissão” para resolver o problema. “É necessário um mapa do caminho para a NWC e/ou o Ministério, a fim de planejar o fornecimento de água e estabelecer claramente as áreas de déficit, de excedente e como e quando passaremos das áreas de excedente para as de déficit”, acrescentou.
Os incêndios e o sol implacável destruíram as fazendas dependentes das chuvas, com os preciosos cultivos de café de Blue Mountain, de verduras e pinheiros de Natal cultivados na zona de proteção do parque nacional de Blue Mountain. Mais abaixo, os incêndios também destruíram vegetação e árvores maduras no rio Hope e em áreas da bacia do Yallahs, provedor de serviço para 40% dos 600 mil clientes da NWC na região metropolitana de Kingston.
Grande parte da área foi replantada entre 2011 e 2013, dentro do programa de Redução do Risco de Desastres e Adaptação à Mudança Climática da Jamaica. Assim, o Departamento de Silvicultura replantou mais de 300 mil hectares de florestas em áreas da bacia alta degradada para reduzir o escoamento, a erosão e a sedimentação das vias navegáveis.
Na medida em que as restrições foram ampliadas, a situação piorou para os agricultores dos vales. A colheita de cana-de-açúcar, que costuma se estender por seis meses, durou menos de um porque os incêndios e a seca destruíram tudo. A Autoridade de Desenvolvimento Agrícola Rural informou que a seca foi pior em Manchester e Saint Elizabeth, onde se concentra cerca de 40% da produção agrícola desse país insular. Em outras partes, os cultivos apodreceram no campo.
De acordo com inúmeros especialistas, esses episódios só vão piorar, na medida em que a mudança climática aumentar a intensidade das secas em todo o Caribe. Thompson concorda, e disse que há uma inesperada seca em meio à temporada de furacões no Oceano Atlântico, que se estende de 1º de junho a 30 de novembro. A menos que chova e haja um fluxo constante de água, o volume não aumentará de forma significativa, apontou Fernández à IPS, argumentando contra os pedidos para construir mais represas e dragar a de Hermitage e o reservatório de Mona.
“Deve haver melhor coordenação entre os esforços contra a mudança climática e os projetos, melhor comunicação para que o público aceite os esforços, bem como a inclusão de cenários sobre a mudança climática e os impactos em todas as políticas e projetos, e os projetos, a manutenção e a adaptação dos sistemas, em lugar de construir novos”, opinou Fernández.
No contexto da Visão 2030 da Jamaica, para que o país se torne mais resiliente aos impactos da mudança climática, o governo começou a trabalhar para proteger e melhorar a gestão da distribuição da água. Existe o risco para a saúde, o turismo e a agroindústria do país, bem como para a segurança alimentar. A Visão 2030 foi incorporada à segunda comunicação nacional da Jamaica à Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CMNUCC).
No último ano, 25 projetos de água e saneamento foram completados para melhorar a antiga infraestrutura, que, somando roubos, custam à NWC cerca de 53%, ou 108 milhões de litros, de sua produção diária, apenas na área metropolitana de Kingston.
Espera-se que um projeto de gestão da bacia de US$ 3,9 milhões, com fundos do Banco Interamericano de Desenvolvimento, por intermédio do Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF), melhore, entre outras coisas, a gestão da água nas bacias dos rios Yallahs e Hope. O programa de cinco anos inclui trabalhos em 44.486 hectares, que incluem áreas de um dos novos sítios Patrimônio Mundial da Humanidade, o parque nacional Blue Mountain and John Crow.
Foram implantadas instalações de recarga de um aquífero artificial para garantir a captação de água, tratando-a e devolvendo o excedente a um reservatório subterrâneo natural. “É um projeto pioneiro, que nunca foi feito na Jamaica, nem no Caribe”, afirmou Piskersgill em seu lançamento, em julho do ano passado. Além disso, o governo também analisa recuperar parte da água de Kingston, contaminada por bactérias fecais nos poços, banheiros e intrusões marinhas.
A chave para que o país se torne resiliente, explicou Fernández, é “preparar as comunidades e as agências para administrar e conservar os recursos, deslocar a água com eficiência do norte para o sul da ilha, e uma iniciativa para implantar sistemas de distribuição mais eficientes e resilientes. Como explicou Thompson, “as secas serão mais severas, as precipitações, mais significativas, causarão inundações. Ainda será necessária a gestão da água durante esses episódios. Envolverde/IPS