Rio de Janeiro, Brasil, 30/10/2014 – A presidente Dilma Rousseff destacou a reforma política como o primeiro desafio a enfrentar em seu segundo mandato, entre os muitos que tem pela frente, incluídas a deterioração econômica e a crise energética. Mas sua grande promessa eleitoral já começou a se complicar. Sua proposta de promovê-la mediante consulta popular e um plebiscito é rejeitada por seu principal aliado, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), a nova maior força parlamentar.
O PMDB defende que o Congresso Nacional protagonize a aprovação das mudanças para sua posterior ratificação em referendo. A dissensão pelos interesses em jogo enche de obstáculos o caminho, embora seja praticamente consenso a necessidade de mudar as regras políticas, especialmente as eleitorais. Mais de 20 projetos de lei e emendas constitucionais sobre o tema estão parados no Congresso, fragmentado em 28 partidos a partir de janeiro de 2015.
“Só uma mobilização da sociedade poderá destravar a reforma política”, pressionando o Congresso que, “dominado por interesses corporativos, não representa a diversidade da população”, afirmou Cândido Grzybowski, diretor do não governamental Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase). O Brasil está à beira do “impasse inconstitucional”, ao calar a voz de amplos setores, como as mulheres, os negros, camponeses e indígenas, com baixa ou nenhuma representação parlamentar, destacou o sociólogo, que duvida da existência de condições para “revitalizar a democracia” com mudanças efetivas.
Ao colocar o tema na agenda, a presidente Dilma “dá visibilidade” a uma necessidade desnudada nas eleições deste mês e nos protestos sociais de junho e julho de 2013, que “seguem latentes” e podem voltar a qualquer momento, diante da falta de respostas, pontuou Grzybowski. Para atender essas manifestações de reclamações difusas, a presidente propôs publicamente pela primeira vez um plebiscito para autorizar uma assembleia constituinte exclusiva para a reforma política.
Esta iniciativa não teve apoio no Congresso, do qual depende a convocação de um plebiscito, mas mobilizou 482 sindicatos, associações variadas e organizações não governamentais que realizaram em setembro um “plebiscito popular” no qual votaram 7,75 milhões de pessoas, das quais 97% a favor da reforma política. O poder econômico domina o sistema eleitoral brasileiro e, por fim, as decisões políticas. Latifundiários e empresários somam 70% dos legisladores, enquanto apenas 9% são mulheres e 8,5% afrodescendentes, mesmo sendo maiorias, afirma o movimento em defesa do “plebiscito constituinte”.
Outra iniciativa, a Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, busca democratizar a política mediante um projeto de lei que, basicamente, pretende alterar três regras eleitorais e fortalecer “mecanismos de democracia direta” em decisões políticas cruciais. As mudanças que propõe são: proibir doações de empresas a campanhas eleitorais, eleger deputados em dois turnos (um para partidos e o segundo para os candidatos) e paridade de gênero nas listas partidárias.
O objetivo é corrigir “assimetrias” na disputa eleitoral que atualmente é individual, pouco importando o partido político e “esvaziando o debate de ideias e propostas”, explicou à IPS, de Brasília, um dos assessores políticos da coalizão, Ricardo Durigan. O financiamento empresarial desequilibra o jogo e fomenta a corrupção que mais tarde poderá influir em decisões de interesse do doador. É o que se busca evitar, adaptando-se o Fundo Democrático de Campanhas, com recursos públicos, distribuídos aos partidos, e contribuições pessoais limitadas a menos de US$ 300.
O partido que tiver um candidato de “segmentos sociais sub-representados”, como negros e camponeses, receberia 3% a mais da contribuição do fundo que lhes caberia, detalhou Durigan. “No Brasil não há a cultura de doações pessoais” a partidos, mas se criaria uma “oportunidade para envolver muitas pessoas” diretamente nas eleições, acrescentou. Outras regras buscam elevar a representação feminina e o peso dos partidos, estimulando sua consistência ideológica.
A proposta da coalizão, de sete artigos, altera numerosas disposições de três leis eleitorais. A opção por um projeto de lei facilita sua aprovação, que só exige maioria simples na Câmara Federal e no Congresso, enquanto uma emenda constitucional requer maioria de 60% em dupla votação. O caminho escolhido foi a “iniciativa popular”, instrumento de democracia direta previsto na Constituição de 1988, que permite submeter ao Congresso projetos de lei assinados por 1% do eleitorado, equivalente atualmente a 1,42 milhões de pessoas, em um país com 200 milhões de habitantes.
Foi dessa forma que se conseguiu impor a vigência da Lei da Ficha Limpa, que impede candidaturas de políticos condenados por órgãos colegiados da Justiça, em geral de segunda instância. A coalizão, composta por 103 movimentos sociais e instituições como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Ordem dos Advogados do Brasil, já conseguiu cerca de 600 assinaturas, informou Durigan.
Uma “reforma política democrática” é condição prévia para impulsionar outras reformas, como a tributária, também travada há décadas, apesar do consenso de que o sistema tributário brasileiro é injusto, por taxar mais os pobres, e excessivamente oneroso por compreender dezenas de impostos, contribuições e encargos.
A corrupção, fomentada pelo sistema eleitoral vigente, aviva a demanda por reformas.
O escândalo da Petrobras, gigantesca empresa estatal da qual teriam sido desviados milhares de milhões de dólares entre 2006 e 2012, segundo investigações policial e judicial ainda em andamento, agrega novos argumentos. As supostas colaborações cobradas de construtoras e fornecedores de grandes projetos petroleiros se destinaram a organizações no poder, como o Partido dos Trabalhadores (PT), que governa o país desde 2003, e o PMDB. Foi o que disse à justiça Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras que concordou em delatar toda a trama em troca de redução da sua pena.
Controlar os danos desse escândalo é outro desafio para a presidente Dilma Rousseff, que também enfrenta a deterioração econômica que quase lhe custou a reeleição, obtida no segundo turno com apenas 51,6% dos votos válidos. Dados como inflação acumulada anual de 6,75%, economia em virtual paralisação, indústria em decadência, dificuldades fiscais e forte déficit externo, taxas de juros elevadas e desconfiança de empresários e investidores em sua Presidência, se somam para prognosticar dois anos de apertos para a economista Dilma.
Para agravar o panorama, se soma uma crise energética, desatada pela seca que afeta o centro e o sudeste do Brasil há mais de dois anos. Sem chuvas, caiu a geração hidrelétrica, que fornece dois terços da eletricidade nacional, forçando à operação de mais termoelétricas que encarecem a energia, contrariando outra promessa da presidente.
Seria irônico Dilma Rousseff perder popularidade pelo agravamento da crise energética, caso a seca se prolongue. Sua carreira política decolou no Rio Grande do Sul, ao comandar o setor energético entre 1999 e 2002, evitando efeitos locais de apagão e do racionamento elétrico que o país sofreu em 2001. Elevada à condição de ministra de Minas e Energia em 2003, reestruturou o sistema elétrico nacional de uma forma que agora está em xeque. Envolverde/IPS