por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 23/5/2016 – É certo que milhões de refugiados residem em acampamentos, especialmente na África e no Oriente Médio, mas representam apenas um quarto do número total de pessoas forçadas a abandonar seus países em razão de conflitos bélicos. Além disso, mais de um em cada dois refugiados vivem em assentamentos precários ou informais, à margem das cidades, em bairros superpovoados ou em áreas propensas a inundações, problemas de saneamento e em risco de contrair diferentes doenças.
“Mais da metade dos refugiados vive em centros urbanos e cidades frágeis, com elevado grau de desigualdade”, afirmou o vice-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Jan Eliasson, com base em dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
“Diariamente, milhões de meninas e meninos refugiados não podem ir à escola. A cada dia, a dignidade e o bem-estar de milhões de pessoas estão em risco por falta de serviços básicos e de oportunidades de trabalho”, afirmou Eliasson na conferência Grandes Movimentos de Refugiados e Migrantes: Desafios Críticos Para uma Urbanização Sensível, realizada no dia 18 deste mês na sede da ONU em Nova York.
O drama de milhões de refugiados, solicitantes de asilo e pessoas deslocadas, bem como de migrantes, será o tema principal da primeira Cúpula Humanitária Mundial (CHM), que acontece hoje e amanhã na cidade turca de Istambul.
Eliasson explicou que, entre os temas a serem debatidos, se destacam as causas do deslocamento forçado, a segurança de migrantes e refugiados quando cruzam as fronteiras, e o apoio aos países de acolhida para integrar os recém-chegados às suas comunidades. A questão é que a maior parte da ajuda humanitária se destina às pessoas que residem em acampamentos, e, em geral, se passa por alto em relação aos “refugiados urbanos”, afirmou.
Eliasson também pontuou que, em 2009, o Acnur mudou sua política e práticas em relação aos refugiados residentes em cidades, e agora trabalha em colaboração com as autoridades nacionais, municipais e comunidades locais para brindar proteção respeitando seu status.
O informe preparado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, para a cúpula sobre refugiados e migrantes, convocada pela Assembleia Geral das Nações Unidas para 19 de setembro, chama a atenção para a importância do papel das autoridades locais, principais encarregadas de lhes proporcionar moradia, educação, saúde e emprego, acrescentou o vice-secretário-geral.
“Devemos considerar que os refugiados e os deslocados costumam ser apenas uma pequena proporção dos que engrossam a população das cidades, enquanto a velocidade da urbanização se torna mais rápida”, destacou Eliasson. Além disso, embora as cidades possam ter dificuldades para alojar um grande fluxo de migrantes, também se beneficiam muito de sua presença e seu trabalho, pois em muitos países do mundo os migrantes costumam assumir tarefas e oferecer serviços como trabalho doméstico e agrícola, prosseguiu.
“Os migrantes e refugiados continuarão chegando, e não há sinais de que o fluxo vai diminuir em breve, devemos respeitar e implantar o princípio de igualdade de todos os seres humanos. É um direito humano fundamental que nunca se pode negociar”, ressaltou Eliasson. E acrescentou que, por sua vez, a comunidade internacional deve dar atenção aos discursos políticos que estigmatizam os refugiados e migrantes, e “fazer todo o possível para enfrentar falsas declarações negativas. Devemos erradicar os mitos sobre os migrantes e a migração, que envenenam o discurso público”.
No mesmo dia 18 deste mês, o Acnur alertou que a falta de US$ 500 milhões dos fundos para ajudar os refugiados prejudica os esforços para enfrentar a maior crise de pessoas deslocadas desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A Agência lançou uma campanha convocando o setor privado para colaborar com fundos a fim de oferecer soluções de alojamento a dois milhões de refugiados.
“O alojamento é a pedra fundamental para que os refugiados possam sobreviver e se recuperar, e deve ser considerado um direito humano inegociável”, ressaltou Filippo Grandi, alto comissário para os refugiados. A campanha Que Ninguém Fique de Fora foca em pessoas, empresas, fundações e filantropos de todo o mundo. no lançamento da campanha, O Acnur destacou que os deslocamentos forçados, em sua maioria produto de guerras, dispararam na última década, principalmente devido ao conflito na Síria, mas também pela proliferação de novos deslocados e pelas crises não resolvidas.
Atualmente há 60 milhões de pessoas deslocadas pela força, informou o Acnur, das quais quase 20 milhões tiveram que cruzar fronteiras internacionais, enquanto o restante precisou abandonar suas casas, mas permanece no país. A campanha procura reunir fundos do setor privado para construir e melhorar alojamentos para dois milhões de refugiados até 2018, o que representa uma em cada oito pessoas dos 15,1 milhões sob o amparo do Acnur em meados de 2015.
“Sem um lugar seguro para comer, dormir, guardar seus pertences e ter privacidade, as consequências sobre sua saúde e seu bem-estar serão profundas”, alertou a Agência. O Acnur destaca que, na medida em que precisa enfrentar enormes dificuldades de alojamento com limitados recursos econômicos, a prioridade que se apresenta são os abrigos de emergência para um número máximo de pessoas, em detrimento de um investimento em soluções mais duradouras e sustentáveis.
Fora dos acampamentos, os refugiados dependem do Acnur para encontrar moradia e pagar o aluguel em povoados e cidades em dezenas de países vizinhos a conflitos armados. A previsão é de que essas operações terão custo de US$ 724 milhões este ano. Mas atualmente estão disponíveis apenas US$ 158 milhões, um déficit que ameaça deixar milhões de homens, mulheres e crianças sem abrigo adequado e com problemas para reconstruir suas vidas. Segundo o Acnur, o setor privado é uma fonte cada vez mais importante de fundos, tendo concentrado mais de 8% do orçamento de 2015.
As regiões com mais necessidade de assistência, de acordo com o Acnur, são África subsaariana, onde são necessários US$ 255 milhões, mas se dispõe de apenas US$ 48 milhões, e Oriente Médio e norte da África, onde são necessários US$ 373 milhões, mas se conta com apenas US$ 91 milhões. Por sua vez, a Ásia necessita de US$ 59 milhões e dispõe de apenas U$ 8 milhões, enquanto a Europa precisa de mais ajuda, cerca de US$ 36 milhões, mas tem apenas US$ 10 milhões disponíveis, pois o fluxo de refugiados continua. Envolverde/IPS
* Este artigo integra uma série elaborada pela IPS sobre a Cúpula Humanitária Mundial, que acontece hoje e amanhã em Istambul, na Turquia.