Internacional

Represa gigante na Etiópia expulsaria 200 mil indígenas

O lago Turkana é conhecido como “berço da humanidade”. A sobrevivência do povo kwegu, que vive em seu entorno, correrá risco se for concretizado o projeto da represa Gibe III. Foto: CC-BU-As-3.0 via Wikimedia Commons
O lago Turkana é conhecido como “berço da humanidade”. A sobrevivência do povo kwegu, que vive em seu entorno, correrá risco se for concretizado o projeto da represa Gibe III. Foto: CC-BU-As-3.0 via Wikimedia Commons

 

Por Chalachw Tadesse – 

Adis Abeba, Etiópia, 5/5/2015 – Uma missão da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) irá avaliar o impacto socioambiental que terá na Etiópia o projeto da represa hidrelétrica Gilgel Gibe III, uma das maiores de seu tipo na África e que colocará em perigo a sobrevivência de 200 mil habitantes indígenas, segundo denúncias de ativistas.

A visita da delegação da Unesco, anunciada pela rede de noticias etíope FBC, foi conhecida quando a organização Sobrevivência Internacional alertava que o povo kwegu, do sudoeste da Etiópia, sofre gravemente com a fome devido à destruição das florestas e à redução das águas do rio de sua área. A organização, com sede na Grã-Bretanha, vinculou a crise alimentar dos kwegus à construção da represa Gibe III e à irrigação em grande escala na região, que privam a população autóctone da água e da pesca.

A represa está 90% construída, segundo comunicado oficial, e poderia começar a gerar eletricidade depois da temporada de chuvas em agosto. A obra foi erguida no rio Omo, que desemboca no lago Turkana e ao qual fornece 90% de sua água. Esse lago é o maior do mundo em um entorno desértico e fica em sua parte principal no noroeste do Quênia, mas seu extremo norte invade a Etiópia.

A construção da represa gerou preocupações por causa do vale baixo do Omo e do lago Turkana, ambos declarados Patrimônio da Humanidade pela Unesco. O vale é um dos lugares com maior diversidade cultural do planeta, onde escavações arqueológicas encontraram restos humanos com mais de 2,4 milhões de anos, e o lago, com quatro milhões de anos de antiguidade, é considerado “berço da humanidade”.

A Unesco não conseguiu que a Etiópia detivesse a construção da represa para permitir uma análise independente do possível impacto da obra. O governo afirma que fez uma avaliação conjunta junto com uma empresa de consultoria internacional financiada pelo Banco Mundial. Essa avaliação concluiu que a represa regularia o fluxo de água e não teria efeitos negativos no lago Turkana, conforme afirmou o ministro de Água e Energia, Alemayehu Tegenu, à rede FBC, em março.

Mas essa afirmação é contestada. Fontes fidedignas sustentam que a obra afetará consideravelmente os meios de vida de 200 mil indígenas na zona de Turkana e no vale baixo do Omo, incluídos os povos mursis, bodis, kwegus e suris.

As plantações comerciais da Etiópia ao longo do rio poderiam reduzir a corrente do Omo até o lago Turkana em 70%, informou o jornal britânico The Guardian. O lago abriga pelo menos 60 espécies de peixes e sustenta outros animais que são a principal fonte de sustento da população vizinha. Os cultivos também podem contaminar a água com produtos químicos e nitrogênio.

Cresce o temor de que a represa esgote os recursos da zona e provoque conflitos entre diferentes comunidades do frágil ecossistema do lago Turkana. Um informe da organização britânica Fundo de Alimentos Sustentáveis diz que “a irrigação agrícola em grande escala em regiões secas provoca o esgotamento da água e a salinização do solo”.

“Este lugar se converterá em um campo de batalha incontrolável e sem fim”, alertou Joseph Atach, subchefe da aldeia Kanamkuny, em Turkana, em entrevista ao The Guardian. A redução da pesca terá “enormes repercussões para as 200 mil pessoas que dependem do lago para sua subsistência”, afirmou Feliz Horne, pesquisador da organização de direitos humanos Human Rights Watch.

A previsão é de que a represa proporcione a irrigação da plantação estatal de cana de açúcar Kuraz e outros empreendimentos comerciais de algodão, arroz e óleo de palma. Segundo a Unesco, a plantação de Kuraz “privaria o lago Turkana de 50% de sua entrada de água”, o que causaria uma redução de 20 metros no nível do lago e uma retirada da costa norte de até 40 quilômetros. Em uma resposta por correio eletrônico à IPS, Horne calculou que “entre 20% e 52% da água do rio Omo poderia não chegar ao lago Turkana, dependendo da tecnologia de irrigação que for usada”.

Yared Hailemariam, ativista etíope pelos direitos humanos e outrora político opositor, com sede na Bélgica, concorda que a principal ameaça para o lago Turkana são as plantações de cana de açúcar. “As futuras negociações da Unesco com o governo deverão se centrar principalmente nas plantações de cana de açúcar e não na redução do tamanho da represa hidrelétrica”, disse à IPS, via Skype.

Desde o começo da obra da represa em 2006 organizações internacionais de direitos humanos acusaram o governo etíope de expulsar os indígenas do vale baixo do Omo e de colocar em perigo a comunidade do lago Turkana. Em 2012, a Human Rights Watch alertou que “o governo estaria deslocando comunidades indígenas dedicadas à pecuária sem consultar nem indenizar devidamente estas pessoas, para dar lugar a novas plantações de cana de açúcar administradas pelo Estado.

Com relação aos métodos para desalojar os indígenas empregados pelo governo, Horne disse que “a força direta que se via” no começo “foi substituída pela ameaça da força, junto com os incentivos, incluído o acesso à ajuda alimentar caso as pessoas se mudassem para as aldeias novas”.

Por outro lado, a postura do Quênia também é questionada. Horne e Argaw Ashine, jornalista ambiental etíope exilado, temem que este país tenha acordado com o governo da Etiópia a compra de eletricidade de Gibe III a um preço menor. Os estudos afirmam que o Quênia poderia obter mais de 300 megawatts de eletricidade da futura represa. “O governo queniano se preocupa mais com a economia urbana industrial, sedenta de energia, do que com a marginalizada tribo de Turkana”, afirmou Argaw.

“A situação dos kwegus é extremamente grave”, ressaltou Elizabeth Hunter, da Sobrevivência Internacional. Essa organização “recebeu informes muito alarmantes de que estão morrendo de fome, e isto porque caçam, pescam e cultivam plantas junto ao rio Omo. Agora, enquanto falo, todo esse meio de sustento está sendo destruído”, concluiu. Envolverde/IPS