Internacional

República Checa maltrata refugiados, diz a ONU

Imigrantes do norte da África perto da ilha italiana da Sicilia. Foto: Vito Manzari, de Martina Franca (TA), Itália, Immigrati Lampedusa/CC-BY-2.0
Imigrantes do norte da África perto da ilha italiana da Sicilia. Foto: Vito Manzari, de Martina Franca (TA), Itália, Immigrati Lampedusa/CC-BY-2.0

Por Thalif Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 26/10/2015 – Os refugiados que fogem para a Europa, procedentes de países açoitados pelas guerras na África, Ásia e Oriente Médio, muitas vezes são maltratados pelas autoridades europeias. A imprensa destacou alguns desses fatos, como a comida que é jogada aos refugiados, seu confinamento em jaulas como animais, e as barreiras erguidas nas fronteiras terrestres que os impedem de transitar de um país a outro.

Na Alemanha, apesar de sua política de portas abertas, uma manifestação contra a imigração, com participação de mais de 20 mil pessoas, exigiu a reabertura dos campos de concentração para confinar os refugiados, segundo o jornal norte-americano The New York Times. A Hungria está construindo uma barreira para deter a onda de migrantes. E a Eslováquia disse que somente aceitará os refugiados cristãos, o que provocou uma forte condenação por parte da Organização das Nações Unidas (ONU).

Porém, a condenação mais severa partiu do alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, o príncipe jordaniano Zeid Ra’ad Al Hussein, que denunciou o brutal tratamento que a República Checa dá aos refugiados. Nos últimos dois meses, vários países de trânsito da União Europeia (UE) aplicaram políticas restritivas contra os migrantes e os refugiados que tentam chegar aos países europeus mais ao norte.

“Entretanto, a República Checa é a única a submeter rotineiramente esses migrantes e refugiados à detenção durante 40 dias, e se diz que às vezes por mais tempo, até 90 dias, em condições qualificadas de degradantes”, destacou Zeid, no dia 22 deste mês. “Segundo informes fidedignos de diferentes fontes, as violações dos direitos humanos dos migrantes não são isoladas ou casuais, mas sistemáticas. Pareceriam ser parte integral da política do governo checo concebida para dissuadir os refugiados de entrarem no país ou de permanecer nele”, acrescentou.

“Muitas dessas pessoas são refugiadas que sofreram terrivelmente em seus países de origem, bem como durante sua viagem até a República Checa. O direito internacional deixa muito claro que a detenção da imigração deve ser estritamente uma medida de último recurso”, recordou o príncipe. O Comitê da ONU sobre os Direitos da Infância insistiu em que a detenção de meninos e meninas tendo como base única sua situação migratória, ou a de seus pais, é uma violação de seus direitos, não responde ao seu interesse superior e não é justificável.

Com a proximidade do inverno no hemisfério norte, o deslocamento de refugiados se acelerou ainda mais nos últimos dias. Segundo o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, mais de 643 mil refugiados e migrantes procedentes de África, Ásia e Oriente Médio cruzaram o Mediterrâneo rumo à Europa este ano, e pelo menos 3.135 morreram nessa travessia.

O New York Times se referiu ao artigo de um jornal alemão, que acusava os refugiados e denunciava que no período de duas semanas haviam protagonizado mais de mil delitos, com necessidade de duas mil intervenções policiais. “Em uma época em que não se pode passar pela segurança do aeroporto com uma garrafa de água, dezenas de milhares chegam diariamente com pouco ou nenhum filtro”, afirmou o jornal alemão.

“Queremos deter a corrente migratória, mas para isso também é preciso encontrar uma solução para a situação no Oriente Médio, frear a guerra na Síria e ver a Líbia se converter em um Estado novamente”, declarou o comissário de Migrações da UE, Dimitris Avramopoulos. “Não quero pecar por otimismo. Creio que essa situação vai durar”, acrescentou.

Por sua vez, Zeid se referiu a versões fidedignas que denunciam que os imigrantes que chegam à República checa são desnudados e submetidos a revista pelas autoridades em busca de dinheiro para pagar os US$ 10 diários cobrados de cada pessoa por sua permanência involuntária nos centros de internação. As autoridades exigem esse pagamento de todo imigrante, sem fundamentos jurídicos claros, o que leva muitos à indigência depois de liberados.

“O fato de as pessoas serem obrigadas a pagar sua própria detenção é particularmente condenável”, afirmou Zeid, que também expressou alarme porque a política de detenção é acompanhada de um discurso público cada vez mais xenófobo, incluídas as reiteradas declarações islamofóbicas do presidente Milos Zeman, e uma petição pública “contra a imigração”, proposta pelo ex-mandatário Václav Klaus.

Embora algumas das condições físicas, como a lotação, no centro de internação de Bila-Jezová, 80 quilômetros ao norte de Praga, tenham melhorado nos últimos dias, devido principalmente à abertura de outros centros, o alto comissário afirmou que o enfoque básico não mudou. Zeid exortou o governo a tomar medidas imediatas para garantir respeito aos direitos humanos de imigrantes e refugiados. Entre esses passos se “deve incluir alternativas para a detenção que se baseiem nos direitos humanos, conforme as obrigações internacionais da República Checa”, ressaltou.

“As autoridades também devem considerar as preocupações expressas pelo comissário de Direitos Humanos do Conselho Europeu, pelas organizações da sociedade civil e inclusive por vários representantes do próprio governo, além das recomendações da defensora do povo checo, Anna Šabatová, acrescentou o príncipe jordaniano.

Zeid elogiou o informe da defensora do povo, apresentado no dia 13 deste mês, que se referiu a como os refugiados são tratados de maneira degradante na presença de seus filhos, que ficam traumatizados pela presença constante de agentes armados. A defensora visitou o centro de internamento de Bila-Jezová e encontrou cem meninos e meninas detidos. Envolverde/IPS