por Jorge Rodríguez, da IPS –
Cidade da Guatemala, Guatemala, 10/11/2016 – O café é, para a grande maioria do mundo, um catalisador social por excelência da sociedade moderna, já que nos permite criar e fortalecer laços em quase todos os níveis nos quais nos desenvolvemos. Mas, como muitas das coisas que integram nosso cotidiano, pouco sabemos sobre a origem e a produção desse grão, que, em 2012, gerou ganhos de US$ 1 bilhão somente na Guatemala.
Nesse país há cerca de 125 mil produtores de café, concentrados em 204 municípios de departamentos como Huehuetenango, Alta Verapaz, Sacatepéquez, Suchitepéquez, Retalhuleu, Sololá, Chiquimula, Jalapa, Santa Rosa, Guatemala, San Marcos, Quiché, Quetzaltenango, Chimaltenango, onde estão localizadas oito regiões que produzem os tipos regionais de café Acatenango Valley, Rainforest Coban, Fraijanes Plateau ou New Oriente, Highlands Huehue, Antigua Coffee, Traditional Atitlan e Volcanic San Marcos.
O café guatemalteco é um dos mais valorizados em nível mundial. Em uma lista liderada pelo Brasil, a Guatemala é o décimo produtor de café e exporta 3,6 milhões de sacas (de 60 quilos) por ano, segundo informe de 2012 da Associação Nacional do Café (Anacafe). Embora os indicadores internacionais marquem uma tendência à alta na produção (cerca de 0,05% ao ano), o certo é que a situação desse grão – segunda matéria-prima comercializada no mundo, atrás do petróleo – vive momentos críticos e afeta principalmente os quase 25 milhões de pequenos produtores no mundo.
As práticas modernas de cultivo estão baseadas na maciça produção agrícola, com uso de insumos químicos, sem levar em conta fatores ambientais e de preservação dos recursos naturais. Para reverter isso a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), com apoio do Ministério de Agricultura, Pecuária e Alimentação (Maga), organizações de cafeicultores, organizações não governamentais e cooperação internacional, promove capacitação e assistência técnica em elaboração e utilização de produtos orgânicos para produtores de pequena escala em 16 municípios cafeeiros do departamento de Huehuetenango.
“Primeiro começamos a preparar técnicos e promotores e depois escolhemos 928 cafeicultores da área da Região Huista em Huehuetenango”, contou Julio Martínez, técnico da FAO. As capacitações consistem em melhorar, com produtos orgânicos, técnicas de manejo, poda, nutrição, controle e prevenção da ferrugem. Além de reduzir custos, os produtos orgânicos ajudam na ativação da microflora e microfauna no sistema cafeeiro, que são, em essência, os melhores aliados contra enfermidades e ajudam a melhorar a qualidade do solo e, por fim, das colheitas.
“Queremos reduzir de maneira gradual o uso de agroquímicos. Também mostramos que plantar com um enfoque agroecológico não só permite melhores colheitas e reduz o impacto no bolso como também deixa um legado melhor para as futuras gerações de agricultores”, afirmou Israel Cifuentes, diretor do Projeto de Fortalecimento na zona de Huehuetenango, executado pela FAO com apoio da Agência Espanhola de Cooperação para o Desenvolvimento (Aecid).
Desde janeiro de 2016, foram capacitados cerca de 1.200 cafeicultores em 16 municípios de Huehuetenango e a meta é chegar a três mil produtores. Também se estuda incluir residentes em 11 municípios de San Marcos, dois de Jalapa e três de Chiquimula. “Espera-se alcançar, até 2017, cerca de nove mil pequenos produtores”, indicou Cifuentes.
Em 2013, a Guatemala informou que 193 mil hectares de café (70%), dos 276 mil cultivados em todo o território, estavam afetados pela ferrugem. Essa porcentagem se manteve até 2015 e causou perda de empregos diretos e indiretos no setor, afetando particularmente um em cada cinco trabalhadores cafeeiros dos 125 mil existentes no país. Para combater esses problemas, em comunidades como Guantán, Triunfo, Chanjón e Huehuetenango, os camponeses há meses elaboram e aplicam seus próprios fungicidas e fertilizantes orgânicos, com a esperança de reduzir o impacto de enfermidades e da mudança climática no cultivo do café.
“Subimos a montanha em busca de micro-organismos sadios que são a chave para o processo de elaboração de nossos produtos”, destacou Rosendo Pérez, um beneficiário do projeto. A partir desse material orgânico, se faz uma mistura de cascas e melaço para armazenar em recipientes de plástico selado durante 30 dias. Essa é a base para a preparação de até cinco diferentes produtos orgânicos que são aplicados nos cultivos dependendo do estado em que estejam.
“As medidas de cada ingrediente (cal, enxofre, cinza) varia segundo a idade do cafezal. Um produto é para a floração, outro para quando está com frutos e folhagem, e outro para a ferrugem”, expplicou Wilmar Santos, outro beneficiário do programa. Cada um destes produtos orgânicos é elaborado em 20 biofábricas situadas em diferentes partes das comunidades envolvidas no projeto. “Esperamos criar mais 38 a 40 biofábricas em 2017, com apoio das Agências Municipais de Extensão Agrícola do Maga, detalhou Martínez.
Um dos contratempos das organizações que fomentam o uso de produtos orgânicos é a paciência dos próprios camponeses, já que sua elaboração demanda tempo e maior trabalho, ao contrário dos produtos industrializados que estão disponíveis nas lojas. “Embora a deserção seja pouca, algumas pessoas consideram que todo esse trabalho não representa vantagem para eles como agricultores. Mas, apesar de em termos econômicos não haver maiores ganhos, o beneficio se traduz na saúde da natureza e do ambiente”, pontuou Santos.
O mudança de uma produção tradicional para uma orgânica deve ocorrer paulatinamente, “para não haver o risco de perda de cultivos”, apontou o produtor Rafael Granados. Durante o tempo que esses produtores ficam no programa, os insumos orgânicos são aplicados em pequenas parcelas de suas terras e já se manifestaram diferenças notáveis. “Em 2015, investimos cerca de US$ 920 na compra de fertilizantes, fungicidas e herbicidas”, disse Jesús López Suárez. As versões agroecológicas desses insumos custam seis vezes menos.
A grande maioria das pessoas consultadas concordaram que a média de economia gira em torno de 40%, em comparação com os tempos em que usavam apenas agroquímicos. Além desse impacto positivo em seus bolsos, outro fator que a FAO e seus aliados celebram é o cuidado dos recursos naturais e do ambiente. Durante esse tempo, os cafezais mostram melhor resistência a épocas prolongadas de seca, bem como maior macrobiodiversidade (microflora e microfauna) e melhor saúde do ecossistema que os rodeia.
“Vimos que a saúde das plantas, do solo e de seus micro-organismos é muito melhor do que com o uso de outros produtos”, observou Granados. Durante o verão, quando chove muito pouco, ele notou que as folhas e a floração são de melhor qualidade. “O produto orgânico reativa a vida”, acrescentou. Com isso se busca criar uma cultura que considere a harmonia entre o cultivo e a natureza, que se traduz em cultivos de melhor qualidade, sem aditivos químicos nem riscos para a saúde dos consumidores.
“Também notamos uma redução no consumo de remédios”, contou a produtora Leticia Mérida, afirmando que ela e sua família já não sentem enjoos nem dores de cabeça depois que começou a aplicação dos fungicidas orgânicos. A tecnologia também é parte fundamental desse processo e, por essa razão, acontece com o apoio de aplicativos móveis do Sistema de Alerta, conhecido como Satcafe, que ajuda a monitorar a ferrugem e a broca do café, para depois gerar medidas de manejo e controle para essas pragas em toda a região da América Central e do Caribe.
“Mostramos aos agricultores que é bom diversificar mediante o uso de diferentes variedades de café, dando ênfase às tradicionais”, ressaltou Cifuentes. Os cafezais também podem ser aproveitados para plantar feijão, milho, banana e abacate, entre outros, que servem de sustento para as famílias dos pequenos produtores. Byron Chales coloca em prática todos os conhecimentos que a FAO passou e, junto com seu pai, cuida de plantações de feijão e milho junto com as de café. “Com isso dou de comer à minha família”, contou, enquanto mostrava algumas técnicas de manejo que o ajudam a melhorar seus cultivos.
A criação e manutenção de hortas, produção de sementes e de outros insumos não tradicionais permitem gerar renda extra para os pequenos cafeicultores. “É necessário pelo menos um ano de capacitação e formação, além de dois ou três anos de transição dos produtos químicos para os orgânicos. A ideia é sempre melhorar tudo o que é possível, mas, para isso, é essencial a participação e vontade de outros atores da sociedade”, enfatizou Cifuentes.
No total, espera-se que em 2017 três mil cafeicultores de Huehuetenango, quatro mil de San Marcos e dois mil em Jutiapa e Chiquimula possam fazer parte desse programa. Envolverde/IPS
* Para maior informação sobre a experiência, veja este vídeo.
* Este artigo foi publicado originalmente pelo escritório da FAO na Guatemala. A IPS o distribui por acordo especial com o escritório regional da FAO para a América Latina e o Caribe.