Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 31/8/2015 – Os números da guerra civil na Síria, que em seus mais de quatro anos causou mais de 220 mil mortes, um milhão de feridos e 7,6 milhões de deslocados, dão novo impulso à possibilidade de um embargo de armas pela Organização das Nações Unidas (ONU) contra o governo sírio de Bashar al Assad. Entretanto, toda proposta de sanção enfrentará a oposição da Rússia, que é membro permanente com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU e o maior fornecedor de armas de Damasco, desde o Tratado de Amizade e Cooperação que a Síria assinou com a antiga União Soviética, em 1980.
O arsenal militar sírio inclui mais de 200 aviões de combate Mig-21 e Mig-29, dezenas de helicópteros de ataque Mil Mi-24, mísseis terra-ar SA-14 e tanques T-72, junto a uma diversidade de lança-foguetes, canhões antiaéreos, morteiros e obuses, todos de fabricação russa. Mas a maioria dessas armas está obsoleta, compradas em grande parte nas décadas de 1970 e 1980 por milhares de milhões de dólares e com grande necessidade de renovação ou substituição.
Como ocorre com todos os acordos militares, os contratos com a Rússia incluem manutenção, reparos e capacitação. O último informe da Forecast International, uma empresa de investigação do mercado de defesa com sede nos Estados Unidos, diz que a Síria chegou a ter entre três mil e quatro mil assessores militares, em sua maioria baseados em Damasco.
Moscou também perdoou cerca de US$ 9,8 bilhões em dívida militarsíria, contraída durante a era soviética, o que preparou o caminho para novos acordos armamentistas em janeiro de 2005. Isso garantiu a sobrevivência militar de Damasco diante de uma onda de grupos guerrilheiros contrários a Assad, incluído o extremista Estado Islâmico.
Peggy Hicks, diretora mundial de ativismo da organização de direitos humanos Human Rights Watch (HRW), afirmou que a resistência da Rússia ao embargo de armas contra a Síria é correta, mas a violação de Damasco das leis da guerra e das resoluções do Conselho de Segurança exige uma resposta real e não apenas mais discursos. “Fornecer armas à Síria enquanto suas forças cometem crimes contra a humanidade pode expressar assistência ao cometimento desses crimes, o que torna possível a responsabilidade penal dos fornecedores de armamentos”, ressaltou a HRW.
Para Hicks, os embargos de armas não são a solução perfeita, mas são uma medida simples que custa pouco para colocar em prática e que complicaria a aquisição pelo governo de mais armas que poderia usar para atacar a população civil. “A medida do Conselho de Segurança de impor um embargo de armas também enviaria a forte mensagem à Síria de que seus ataques indiscriminados contra os civis devem cassar. Então, por que não é imposto?”, questionou.
Dirigindo-se ao Conselho de Segurança em novembro, o secretário-geral adjunto de Assuntos Políticos da ONU, Jeffrey Feltman, destacou a eficácia das sanções impostas pelo fórum mundial a Afeganistão, Angola, Haiti e à antiga Iugoslávia, entre outros países. “Sabemos que o regime de sanções não é perfeito, mas tampouco há dúvidas de que funciona”, acrescentou.
A ONU impôs suas primeiras sanções em 1966, à antiga Rodésia do Sul, e desde então aplicou 25 regimes de sanções em apoio à resolução de conflitos, na luta contra o terrorismo ou para impedir a proliferação de armas nucleares e outras armas de destruição em massa. Atualmente há 15 regimes de sanções em aplicação, a maior quantidade da história das Nações Unidas.
Desde que o conflito da Síria começou, em março de 2011, Rússia e China vetaram em conjunto quatro resoluções destinadas a sancionar o governo de Assad, a última vez em maio de 2014. A China, que apoia o governo de Assad, não é uma fornecedora de armas da Síria.
Em comunicado divulgado em julho, a HRW pede um embargo de armas contra a Síria, após os reiterados ataques contra mercados públicos e bairros residenciais, nos quais morreram pelo menos 112 civis. “O bombardeio de um mercado cheio de compradores e vendedores em plena luz do dia mostra a atroz indiferença aos civis do governo sírio”, segundo Nadim Houry, subdiretor para o Oriente Médio dessa organização.
“Esse último massacre é outra lembrança, como se fizesse falta, da necessidade urgente de o Conselho de Segurança atuar com relação às suas resoluções anteriores e tomar medidas para deter os ataques indiscriminados”, acrescentou.
Em 22 de fevereiro de 2014, o Conselho de Segurança aprovou uma resolução exigindo que “todas as partes cessem imediatamente todos os ataques contra a população civil, bem como o emprego indiscriminado de armas em zonas povoadas, incluídos os bombardeios”. Em agosto, em razão dos ataques contra civis, o Conselho reiterou a exigência de que todas as partes cessassem os ataques contra a população civil, bem como o uso indiscriminado de armas em zonas povoadas.
A HRW afirmou que os membros do Conselho de Segurança, entre eles a Rússia, que protege o governo sírio das sanções, devem adotar medidas imediatas para cumprimento dessa determinação. A organização recomendou que, além do embargo de armas, o Conselho de Segurança deveria aplicar o mesmo nível de escrutínio que aplicou aos ataques químicos mediante o acompanhamento de todos os ataques indiscriminados, atribuindo responsabilidades e punindo os responsáveis.A HRW, com sede em Nova York, acrescentou que o Conselho de Segurança deve enviar a situação da Síria ao Tribunal Penal Internacional. Envolverde/IPS