Por Manipadma Jena, da IPS –
Niyamgiri, Índia, 24/7/2015 – Um grupo de mulheres no Estado de Odisha, na Índia, dança ritmicamente e oferece uma canção ao deus da floresta em troca de uma colheita abundante. Com panelas de barro na cabeça e suas criaturas espirituais às costas – uma pomba ou uma galinha –, partem a pé de Kadaraguma, seu povoado na cordilheira de Niyamgiri, no distrito de Rayagada. Pertencentes à tribo dos dongria kondhs, habitantes das florestas que veneram as colinas circundantes como a morada sagrada de seu deus, Nyiam Raja, essas mulheres são sacerdotisas, conhecidas no dialeto local como bejunis.
A cerimônia é a primeira etapa de uma viagem a um povoado vizinho para recolher uma rara variedade de milho, o alimento básico da tribo de mais de dez mil habitantes. No passado, esse cereal resistente e de alto valor nutritivo era cultivado em enormes extensões de terra em toda a Índia. Aqui, nas colinas de Niyamgiri, os dongria kondhs acreditam firmemente nos benefícios do milho e dedicam partes das ladeiras montanhosas à sua produção.
Porém, nas últimas décadas, o desenvolvimento industrial e a mineração neste Estado rico em recursos minerais absorveram muitos hectares de terra e relegaram a segundo plano o cultivo resistente à seca. Um programa público que subsidia o arroz também contribuiu para a queda na produção e no consumo do milho, para tristeza das comunidades indígenas que asseguram que sua fonte local de alimentos não só protege sua saúde como também tem valor espiritual e cultural.
“Somos dongria kondhs. Vamos morrer sem nossos morros e nossas sementes sagradas”, afirmou à IPS uma das sacerdotisas. “Quando era menina soube que colhíamos mais de 30 variedades tradicionais de milho”, recordou Dasara Kadraka, que aos 68 anos é a sacerdotisa mais veterana das 22 aldeias que colaboram na preservação do cereal. “Há dez anos estava reduzido a 11 variedades e, atualmente, só são cultivadas duas”, afirmou à IPS.
Dasara é oriunda de Kadaraguma, aldeia de 31 casas que tem papel fundamental na coleta das sementes, que consiste em um complexo ritual. A pé, as sacerdotisas visitam os povoados que cultivam uma variedade antiga de milho. Elas oferecem a galinha e a pomba à bejuni local, e em troca pedem quatro medidas de sementes para encher quatro cestas de bambu, que despejam sobre um tecido branco.
As sementes são, então, distribuídas em partes iguais entre cinco famílias da aldeia das sacerdotisas viajantes, para serem plantadas em junho. Graças à chuva, a colheita resultante em dezembro equivale, em média, a 50 vezes a quantidade de semente plantada. Como pagamento, as sacerdotisas entregam oito cestas do cereal aos seus vizinhos, o dobro das sementes que receberam inicialmente.
As notícias sobre as variedades pouco comuns de sementes são passadas de boca em boca. Membros da comunidade dom, vizinha dos dongria kondhs, atuam como mensageiros. As visitas dos doms a localidades distantes permitiram recentemente a preservação de milho em desaparecimento: o khidi janha, aparentado com o sorgo, no povoado de Jangojodi, e uma versão do milho rabo de raposa chamada kanga-arka, na aldeia de Sagadi.
Há 60 anos, o milho ocupava 40% das terras cultivadas com cereais na Índia. Atualmente, esse número caiu para apenas 11%. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) revela que a produção de milho começou a diminuir com a mudança do milênio, e que os níveis em 2010 pouco superam os de 1990. Em Niyamgiri, os números são piores.
“O plano do governo que incentivou cultivos comerciais como abacaxi, cúrcuma e gengibre na comunidade dongri kondh invadiu 50% das terras dedicadas ao milho nos últimos 15 anos”, afirmou Susanta Kumar Dalai, um voluntário do setor social que trabalha com a tribo.
Como o milho cresce bem em situação adversa, prospera em condições de seca e não exige irrigação além da chuva habitual, as comunidades rurais não entendem a decisão do governo que pretende limitar sua produção.
O milho também fornece altas quantidades de proteínas, vitamina B e minerais como magnésio, potássio, zinco e cobre aos povos tribais, e preenche os vazios nutricionais que não podem ser complementados com outros alimentos mais caros. A desnutrição em Niyamgiri é comum, e a fome extrema, que o governo mede segundo sua referência de ingestão diária de 2.400 calorias, alcança 83% da população.
Os moradores locais afirmaram à IPS que as práticas agrícolas tradicionais, como os cultivos mistos e os hábitos alimentares antigos, poderiam resolver muitos problemas. “Quando tínhamos mais variedades de milho, plantávamos até nove cereais e lentinha diferentes em uma área”, disse Krusna Kadraka, de 53 anos, chefe da aldeia de Kadaraguma.
No momento da colheita, cada casa tinha várias “gulis” (cestas de bambu com capacidade de até 200 quilos) cheias de cereais. Agora que as variedades de cereais são substituídas por monoculturas como o arroz, 27 das 31 famílias do povoado colhem apenas duas gulis de grãos por ano em suas áreas individuais de um hectare.
Mankombu Sambavisan Swaminathan, destacado geneticista de 88 anos, disse à IPS que a Índia desenvolveu uma “hierarquia dos grãos”, pela qual o arroz – um cultivo lucrativo para os empresários que vendem fertilizantes e uma importante fonte de renda em razão da exportação – é considerado superior aos cultivos mais tradicionais.
Diante da insistência de Swaminathan, o milho será incluído no sistema público de distribuição de alimentos, que entrega cereais subsidiados a dois terços dos 1,2 bilhão de habitantes da Índia, alimentando 820 milhões de pessoas. Embora o sistema esteja repleto de corrupção, converteu grandes populações rurais em consumidoras de arroz e relegou o milho ao lugar de grão “ordinário”, destinado a ser forragem para o gado e não um alimento básico para os seres humanos.
Swaminathan destaca que não se quer apenas que o governo da Índia reconheça o milho, mas que a Organização das Nações Unidas (ONU) dedique um ano internacional ao que ele chama de “cultivo órfão”, porque, apesar de ter sido muito popular, agora está abandonado por um sistema cada vez mais globalizado e impulsionado pelas exportações.
Essa medida poderia ser justamente o que precisa a Índia, que tem uma das mais altas taxas de fome no mundo. Segundo a FAO, 194,6 milhões de pessoas estão “desnutridas” nesse país. A Organização Mundial da Saúde calcula que 1,3 milhão de crianças morrem de desnutrição a cada ano na Índia. Envolverde/IPS
* Esta reportagem é parte de uma série concebida em colaboração com Ecosocialista Horizons.