Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 2/6/2015 – A Organização das Nações Unidas (ONU) não está sufocada apenas pelas crises humanitárias que avançam, especialmente na África e no Oriente Médio, mas também porque a escassez de fundos, em sua maioria procedente de doadores ocidentais, a mantém de mãos atadas.
No atribulado Sudão do Sul há uma crise amadurecendo para 40% dos 11,4 milhões de habitantes em “níveis alarmantes de fome”, segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA), com sede em Roma. Mas a falta de fundos e o minguante acesso às zonas afetadas dificultam a capacidade desta agência para cobrir as necessidades humanitárias. Neste momento, a escassez de fundos do PMA chega a US$ 230 milhões a título de assistência alimentar.
No total, o número de pessoas que precisam de ajuda de emergência aumentou mais que o dobro desde 2004, até chegar aos atuais cem milhões de pessoas que sofrem essa situação, segundo a ONU. Os requisitos econômicos para este ano chegam à assombrosa cifra de US$ 19,1 bilhões, US$ 3,4 bilhões a mais do que em 2004.
A ONU considera que há quatro emergências “graves e de grande escala”: República Centro-Africana, Iraque, Síria e Sudão do Sul. Só essas crises deixaram 20 milhões de pessoas em situação vulnerável diante da má nutrição, de doenças, violência e morte, além de necessitadas de assistência e proteção. “Mas não há fundos suficientes para cobrir essas necessidades”, lamentou à IPS Shannon Scribner, responsável de política humanitária da organização Oxfam nos Estados Unidos.
Scribner afirmou à IPS que a ONU está à frente do atual sistema humanitário, que em grande parte é financiado com os aportes de um punhado de países ricos e administrados por eles, por grandes organizações não governamentais internacionais, entre as quais a Oxfam, e pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha e pela Meia-Lua Vermelha. O sistema permitiu salvar inúmeras vidas humanas nos últimos 50 anos com pouquíssimos recursos, menos do que aquele que os grandes doadores destinam como subsídio aos seus próprios agricultores, acrescentou.
“O sistema está ultrapassado e a ajuda pode ser pouca e chegar muito tarde”, ressaltou Scriber. Por isso tem sentido fortalecer a capacidade dos atores locais para prevenir, se preparar e responder às emergências, bem como aumentar a assistência para a redução do risco de desastres (RRD), pois pode ter um grande rendimento na hora de salvar vidas e evitar danos às comunidades e à infraestrutura, como se viu na Ásia meridional, América Central e África oriental. Mas, entre 1991 e 2010, apenas 0,4% da ajuda oficial ao desenvolvimento foi destinado à RRD, destacou Scribner.
Na terceira semana de maio, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, designou um painel da ONU de alto nível para atender o aumento da brecha entre recursos e financiamento dos esforços humanitários mais urgentes. A Oxfam recomendou que o painel analise a possibilidade de as contribuições dos Estados membros aos chamados humanitários sejam obrigatórios, um funcionamento semelhante ao das missões de manutenção da paz das Nações Unidas, em que os fundos são recebidos de avaliações obrigatórias atribuídas aos membros.
Atualmente, a ONU e suas principais agências são financiadas com as contribuições designadas dos 193 Estados membros e baseadas no princípio de “capacidade de pagamento”, sendo os Estados Unidos o maior contribuinte, com 22% do orçamento regular das Nações Unidas. Todos esses são pagamentos obrigatórios. Além disso, as agências da ONU também recebem recursos “complementares”, procedentes de contribuições voluntárias de seus membros.
De acordo com Ban, na última década, a demanda por assistência aumentou de “forma dramática”, devido ao aumento da escassez de água, à insegurança alimentar, às mudanças demográficas, à rápida urbanização e à mudança climática. “Todas essas e outras dinâmicas contribuíram para uma situação na qual os atuais recursos e o fluxo de fundos são insuficientes para cobrir o aumento da demanda para assistência”, disse o secretário-geral.
“Espera-se que os atores humanitários fiquem cada vez mais tempo nos países e nas regiões com conflitos e crises de longa data”, ressaltou Ban, acrescentando que nos últimos dez anos a demanda global por ajuda humanitária, de fato, disparou.
A Oxfam destacou que 12,2 milhões de pessoas precisam de assistência na Síria, das que quase quatro milhões são refugiadas e 7,6 milhões deslocadas em território sírio. No Iêmen, duas em cada três pessoas já necessitavam assistência humanitária antes da atual crise. Tanto na Síria como neste último país, o pedido da ONU conseguiu apenas 20% dos fundos solicitados.
Scribner pontuou à IPS que uma forma de atender a atual carência de fundos e evitar que cheguem muito tarde é investir mais em ações humanitárias encabeçadas pelos governos nos países com crise, com a assistência e o monitoramento da sociedade civil, que costuma ser mais rápida e mais apropriada, e até pode salvar vidas. Mas, entre 2007 e 2013, apenas 2,4% da ajuda humanitária anual foi destinada diretamente a atores locais.
O Painel de Alto Nível para Financiamento Humanitário será presidido pela vice-presidente da Comissão Europeia (órgão executivo da União Europeia), a búlgara Kristalina Georgieva, e Sultan Nazrin Shah, da Malásia. Também o integrarão Hadeel Ibrahim, da Grã-Bretanha, Badr Jafar, dos Emirados Árabes Unidos, Trevor Manuel, da África do Sul, Linah Mohohlo, de Bostsuana, Walt Mcnee, do Canadá, Margot Wallström, da Suécia, e Dhananjayan Sriskandarajh, do Sri Lanka.
A ONU espera que o painel envie suas recomendações ao secretário-geral em novembro deste ano, o que ajudará a moldar o debate na Cúpula Mundial Humanitária, que acontecerá no próximo ano em Istambul, na Turquia. Envolverde/IPS