Por Jed Alegado e Angeli Guadalupe*
Manila, Filipinas, 10/9/2015 – Jun (nome fictício) está acorrentado, preso a um poste na pequena casa que se assemelha a uma choça. Seu irmão o acorrentou para evitar que machuque vizinhos ou estranhos quando está em um estado de ânimo hostil. Ele está assim há três anos, mas seus sintomas pioraram desde que o tufão Yolanda passou pelas Filipinas, em 2013. Jun perdeu sua mulher, seus filhos e sua casa no desastre.
A angústia psicológica fez com que tivesse uma recaída da sua doença psiquiátrica. Como ninguém mais pode cuidar dele, o irmão o levou para sua casa. Mas, como seu irmão trabalha e os demais membros da família são seus pais idosos e doentes, ninguém pode controlar Jun durante seus surtos. Tampouco toma alguma medicação, porque a família não tem como pagar e nem sempre consegue de graça na clínica de saúde local. Por isso, a única opção que restou ao seu irmão foi acorrentar Jun.
Na cidade de Tacloban e em todo o país existem mais casos como o de Jun. O tufão Yolanda (também conhecido como Haiyan) açoitou as Filipinas no dia 8 de novembro de 2013. A tempestade de categoria cinco, com ventos de 250 a 315 quilômetros por hora, matou mais de 6.300 pessoas e causou prejuízos superiores a US$ 1,9 bilhão.
Devido às graves perdas e à culpa que muitos sentem por sobreviver, pelo menos 10% da população sofre de depressão. Porém, dois anos depois da catástrofe, alguns continuam sem saber que podem recorrer aos serviços de saúde mental. Outros se queixam da má qualidade dos serviços e da escassa oferta de medicamentos. Os que têm dinheiro consultam psiquiatras em outras cidades para evitar o estigma.
Como acontece com a maioria dos desastres, nas Filipinas foi dada prioridade à reabilitação física. Isto é compreensível e lógico, mas não se deve esquecer a saúde mental das vítimas.
Segundo informe da Organização Mundial da Saúde sobre a incidência de doenças no mundo, os transtornos mentais ocupam o segundo lugar, atrás das enfermidades cardiovasculares, como a principal causa de morbidade e mortalidade em função do número de anos perdidos devido à doença, incapacidade ou morte precoce. Entretanto, apesar do assombroso número de pessoas afetadas, estima-se que somente 25% da população mundial tem acesso a serviços de saúde mental. Mais de 40% dos países não possuem políticas de saúde mental e na maioria esta recebe menos de 1% do gasto total em saúde.
Hoje em dia a mudança climática gera desastres naturais mais frequentes e devastadores. Em situações de emergência como essas a incidência de transtornos mentais frequentemente duplica. Portanto, a atenção à saúde mental também deveria duplicar, sobretudo nos países mais vulneráveis, como as Filipinas. Essa situação não deveria surpreender, já que as Filipinas são um arquipélago e um país em desenvolvimento. Segundo o Índice de Risco Mundial de 2014, do Instituto Universitário das Nações Unidas para o Ambiente e a Segurança Humana, dos 15 países com maior risco de desastres, oito são Estados insulares, incluídas as Filipinas.
Organizações como a Federação Internacional de Associações de Estudantes de Medicina (IFMSA) pretendem que o impacto da mudança climática na saúde seja incluído no texto de negociação do novo tratado universal para reduzir o aquecimento global, que deverá ser aprovado em dezembro, em Paris, na 21ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC). Esse esforço da Federação começou a partir da COP 20, realizada em Lima, no Peru, em 2014, e continuou em Genebra, em fevereiro.
As negociações preparatórias para a COP 21, realizadas entre 31 de agosto e 4 deste mês em Bonn, na Alemanha, foram um exercício inútil, já que os negociadores continuam evitando a questão de um mecanismo de perdas e danos que, segundo os defensores da saúde, é fundamental para ajudar as pessoas afetadas pelos efeitos da mudança climática. “Como grupo, queremos garantir que a saúde esteja incluída em todas as partes do documento de negociação – preâmbulo, pesquisa, desenvolvimento de capacidades, adaptação e finanças”, pontuou a IFMSA.
Os efeitos da mudança climática transcendem o ambiente, a segurança alimentar, os direitos sobre a terra e inclusive dos povos indígenas, já que tem consequências diretas e indiretas na saúde. Essas consequências são distribuídas de forma desigual entre os setores mais vulneráveis, como idosos, crianças e mulheres grávidas, que têm a menor capacidade de adaptação.
Os Estados partes da CMNUCC devem considerar esse problema nas negociações de dezembro, que pretendem limitar o aquecimento do planeta em menos de dois graus centígrados e garantir mecanismos de adaptação aos países mais vulneráveis. Estima-se que no futuro as guerras acontecerão pela água e não pelo petróleo. Os desastres atuais podem nos dar uma ideia do que nos espera quando as consequências da mudança climática agravarem e nos afetarem de maneira a não podermos administrar.
O que estamos fazendo não é só para as futuras gerações. É para nós, que vivemos agora neste planeta. Vamos ser as vítimas se não assumirmos, o quanto antes, a maior responsabilidade possível. Envolverde/IPS
* Jed Alegado é estudante de pós-graduação no Instituto Internacional de Estudos Sociais (ISS) de Haia, e Angeli Guadalupe é médica e realiza curso de pós-graduação na Universidade de Tóquio.