Internacional

Seca agrava saúde de pacientes com HIV

Daniel Chirara, um agricultor de Vumba, no Zimbábue, mostra seu cultivo de milho num momento em que esse país sofre uma grave seca. Foto: Andrew Mambondiyani/IPS
Daniel Chirara, um agricultor de Vumba, no Zimbábue, mostra seu cultivo de milho num momento em que esse país sofre uma grave seca. Foto: Andrew Mambondiyani/IPS

Por Andrew Mambondiyani, da IPS – 

Mutare, Zimbábue, 3/3/2016 – A zimbabuense SilindiweMoyana, com cinco filhos e portadora do vírus da deficiência imunológica humana (HIV), já não pode conter sua ansiedade. Agoniada pela fome em Chipinge, leste do Zimbábue, se preocupa se sua família sobreviverá à seca desse ano.

A falta de chuvas é devastadora e põe em risco a nutrição das pessoas com HIV, causador da síndrome de deficiência imunológica adquirida (aids). Numerosos especialistas concordam em relacionar a seca com o fenômeno meteorológico El Niño, que coincide com o fato de este país ainda não ter se recuperado da falta de chuvas da temporada passada.

“Temos medicamentos antirretrovirais, mas não temos alimentos. A água para beber agora também é muito escassa. A nutrição é muito importante para as pessoas que tomam antirretrovirais, mas não temos comida. É um desafio grave”, ressaltou, abatida, Moyana.Com 1,2 milhão de pessoas com HIV/aids, o Zimbábue é um dos países africanos mais afetados pela doença, e historicamente tem as maiores proporções de casos no mundo, embora nos últimos anos tenha sido elogiado por seus êxitos em reverter a situação.

Em 2013, o Fundo Mundial de Luta Contra a Aids, a Tuberculose e a Malária deu ao Zimbábue US$ 555 milhões para apoiar o tratamento com antirretrovirais, a fim de atender mais de um milhão de pessoas entre 2014 e 2016. Atualmente, mais de 700 mil pacientes com HIV/aids são beneficiários do programa gratuito de tratamento com antirretrovirais. Mas agora há o receio de que esses êxitos se percam devido à seca.

Existem cerca de 2,4 milhões de pessoas que sofrem insegurança alimentar este ano, segundo dados oficiais divulgados em fevereiro. O coordenador da Rede Nacional para Pessoas com HIV/aids do Zimbábue, na província de Manicalandia, Lloyd Dembure, apontou que a seca atual afeta um grande número de pacientes. Muitas das pessoas com HIV/aids recebem tratamento gratuito com antirretrovirais, mas muitas delas passam vários dias sem uma alimentação adequada”, ressaltou.

Segundo Dembure, “a situação é grave. A maioria de nossos membros é pobre e não pode tomar os antirretrovirais com estômago vazio. Inclusive, poderia obrigar algumas diretamente a abandonar o tratamento”. Os especialistas reiteram que, se todo o tratamento não é seguido, o vírus da aids sofre mutação e se torna resistente. “Temos urgência de uma assistência alimentar para as pessoas com HIV”, destacou.

Além disso, a situação se agrava pelas principais infecções com HIV e tuberculose. Muitas pessoas com o vírus tomam medicamentos contra a tuberculose. “São medicamentos fortes e exigemde uma boa alimentação”, destacouDembure.

Casper Pound, um homem soropositivo residente nesta cidade fronteiriça de Mutare, que dirige a Organização de Apoio às Famílias Contra a Aids, confirmou que muitas pessoas portadoras do vírus da aids sofrem com a seca. “As pessoas com HIV passam por uma situação difícil no tocante à alimentação. Fica cada vez mais difícil tomar o medicamento com o estômago vazio”, enfatizou.

Segundo o Conselho Nacional Contra a Aids do Zimbábue, mais de 60 mil pessoas sucumbem à aids a cada ano. O país tem uma das maiores prevalências de HIV na África, com 15%, o que equivale a 1,3 milhão de pessoas portadoras do vírus.O programa gratuito de tratamento com antirretrovirais começou há uma década para reduzir a morbidade e a mortalidade pelo HIV/aids e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

Em dezembro de 2014, pelo menos 618 mil adultos com HIV/aids eram beneficiários do programa gratuito, além de 46 mil meninas e meninos.O porta-voz do Conselho, TadiwaPfupa, argumentou que não cabe à instituição oferecer complementos alimentícios aos pacientes. “Há outros órgãos governamentais responsáveis por isso”, explicou.

Um informe da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indica que o tratamento contra o HIV/aids está estreitamente relacionado com a alimentação. “A má nutrição pode prejudicar o sistema imunológico e contribuir para que a doença se desenvolva”, alerta o documento. Por outro lado, uma dieta balanceada é um componente essencial da atenção básica de uma pessoa com HIV/aids.

“Devido à falta de atenção médica e de tratamento contra a aids na maioria dos países em desenvolvimento afetados pela doença, é fundamental realizar grandes esforços e manter a boa alimentação das pessoas infectadas com HIV/aids”, ressalta o informe.

Para evitar uma catástrofe, o governo comproupara consumo interno,de Zâmbia e Ucrânia, 650 mil toneladas de milho, alimento básico neste país, ao custo de US$ 200 milhões. Devido à seca, o país espera uma colheita não superior a 200 mil toneladas, bem abaixo da demanda nacional de pelo menos 1,4 milhão de toneladas.

O governo fez um pedido de ajuda no valor de US$ 1,6 bilhão para alimentar um quarto dos mais de 13 milhões de habitantes que estão à beira da fome. O presidente do país, EmmersonMnangagwa, assegurou que “estamos organizando a logística para distribuir o milho”, segundo informou a imprensa local. Envolverde/IPS