Internacional

Seca faz a ciência ser mais valorizada

Os vazamentos nas redes hidráulicas urbanas, como esse no mercado Pequeno Haiti, em São Domingos, provocaram perdas de água durante a longa seca na República Dominicana. Foto: Dionny Matos/IPS
Os vazamentos nas redes hidráulicas urbanas, como esse no mercado Pequeno Haiti, em São Domingos, provocaram perdas de água durante a longa seca na República Dominicana. Foto: Dionny Matos/IPS

Por Ivet González, da IPS – 

São Domingo, República Dominicana, 12/1/2016 – A última e longa seca na República Dominicana, que começou a diminuir no final de 2015, causou graves perdas na agricultura e provocou medidas nacionais de economia, campanhas educativas e até grandes manchetes na imprensa. Mas o período seco mais severo dos últimos 20 anos deixou um ganho inesperado para a comunidade científica desse país, que compartilha com o Haiti a ilha La Espanhola.

“O Escritório Nacional de Meteorologia (Onamet) foi beneficiado porque passou a ser mais considerado pelas autoridades e por setores importantes como agricultura e água”, explicou Juana Sille, especialista neste fenômeno silencioso, que no ano passado afetou cruamente o Caribe e a América Central.A causa é o El Niño/Oscilação do Sul (Enos), um evento climático sem frequência fixa, que os prognósticos indicam que estará ativo até este início de ano, com efeitos devastadores já observados também em países da América do Sul, como Bolívia, Colômbia e Peru.

Devido ao El Niño e aos seus padrões climáticos extremos, a organização humanitária Oxfam calculou, em outubro, que entre 2015 e 2016 pelo menos dez milhões de pessoas poderiam passar forme por transtornos nas safras e na produção agrícola em todo o mundo. “As secas mais severas registradas na República Dominicana estão associadas ao fenômeno Enos”, afirmou à IPS a meteorologista Sille, com base em estudos históricos realizados pelo Onamet.

Ao contrário de épocas passadas, Sille considera que atualmente “criou-se consciência sobre as decisões a respeito da mudança”.As autoridades “estão aprendendo a seguir o sistema de alerta e aplicar planos de adaptação preventivos”, explicou. Ela também revelou que, de maneira incomum, um ministro pediu em 2015 ao Onamet uma pesquisa para se certificar das causas e da possível duração da falta de chuvas que desde 2014 afetou o país.

Muitas mulheres mantêm em seus quintais hortas e árvores frutíferas para consumo familiar, com essa do assentamento rural de Mata Mamón, que foi afetado pela seca na República Dominicana durante 2015. Foto: Dionny Matos/IPS
Muitas mulheres mantêm em seus quintais hortas e árvores frutíferas para consumo familiar, com essa do assentamento rural de Mata Mamón, que foi afetado pela seca na República Dominicana durante 2015. Foto: Dionny Matos/IPS

Um quarto da população mundial sofre escassez severa de água limpa, especialmente em países do Sul em desenvolvimento, mas suas comunidades científicas têm dificuldades para conscientizar sobre o manejo da seca, cujos impactos passam mais despercebidos do que os embates dos furacões e terremotos. Os especialistas, como no caso dos dominicanos, exortam os países a criarem planos de gestão de risco para não ser necessário amenizar as complicadas crises por escassez de água.

“Temos um Plano Nacional Contra a Desertificação e a Seca, mas há instituições que o aplicam e outras não. Essa seca demonstrou que todos temos que implantarcom urgência esse programa, no qual se trabalha há muito tempo”, pontuou Sille. O ano de 2015 evidenciou a importância de se manter campanhas educativas sobre uso eficiente de água, cultivos que exijam pouca água, orientação de maneira mais frequente dos produtores, ampliação da construção de poços e manutenção dos reservatórios disponíveis, bem como melhorar a limpeza das represas, acrescentou.

Qualificadas de insuficientes por fontes especializadas, o país dispõe de dez represas, localizadas em seis das 31 províncias do país. Atualmente é construída a represa de Monte Grande, na província de Barahona, no sul do país. Junto com os rios e outras fontes, as represas devem atender a demanda dos 9,3 milhões de habitantes do país e de sua economia, onde o turismo tem um papel essencial.

De maneira geral, a água represada é usada primeiro para consumo doméstico. Depois um volume serve para irrigar os cultivos em suas zonas de influência e gerar eletricidade. Todos esses destinos ficaram comprometidos durante 2015 pela escassez de água. “A seca foi forte. A pior de todas, porque acabou com as plantações”, contou à IPS a trabalhadora do lar Luisa Echeverry, de 48 anos, que completa a dieta de sua família com produtos de uma horta no quintal de sua casa, no assentamento rural de Mata Mamón, no município de Santo Domingo Norte, perto da capital.

Os pequenos cultivos de feijão, milho, pimentas e outras verduras, com os quais esta mulher complementa a dieta de seus três filhos, diminuíram por causa da pouca chuva. “Nos momentos mais difíceis, nos virávamos com uma cisterna que temos, com a qual às vezes até ajudamos os vizinhos mais próximos”, explicou Echeverry.“A preocupação foi com as plantações, nas casas sempre tivemos água”, disse Ocrida de la Rosa, moradora desse povoado de pequenos agricultores da província de Santo Domingo, onde muitas mulheres cultivam hortas e árvores frutíferas para consumo familiar.

Com exceção de duas, todos aas represas dominicanas operaram em seus níveis mínimos, motivo porque as autoridades tiveram que priorizar o setor residencial, e não a agricultura e a geração elétrica.Caíram os rendimentos das colheitas e muitas foram perdidas, sobretudo nos campos de arroz, que exigem muita água. A produção da região arrozeira do noroeste do país caiu 80% devido escassez de chuvas eà redução do caudal do rio Yaque del Norte.

A Junta Agroempresarial Dominicana informou a queda de 25% a 30% na oferta de leite por causa da seca, enquanto a pecuária sofreu a morte de centenas de cabeças no sul do país.As hidrelétricas diminuíram sua geração em 60%, sendo que a hidroeletricidade deve fornecer 13% da produção total de energia renovável.Inclusive o abastecimento diário de água diminuiu 25%. O caudal ficou reduzido nos pontos mais altos de Gran Santo Domingo, a região metropolitana da capital, a ponto de milhares de pessoas em centenas de bairros sofrerem o racionamento, bem como no interior do país.

Alguns setores receberam água de caminhões-pipa e, diante dos cortes no serviço, moradores afetados de Gran Santo Domingo e zonas vizinhas protestaram pelo vazamento de água em atividades imprescindíveis e pelas muitas avarias a serem reparadas nas instalações domésticas. As autoridades fecharam lava-carros e foi determinada a prisão de quem fosse pego desperdiçando água bombeada para lavar veículos, na limpeza de calçadas e regando jardins.

“O manejo integrado da água avança no país”, destacou à IPS Bolívar Ledesma, meteorologista da Onamet. Como exemplo, citou o Observatório Nacional da Água, que toma decisões de administração junto com órgãos como Corporação de Aqueduto e Esgoto de Santo Domingo, Instituto Nacional de Água Potável e Esgoto, e Instituto Nacional de Recursos Hídricos, entre outros.

Efeitos da seca no Caribe

  • Cuba apresentou déficits nos acumulados de chuva em 45% da área geográfica, no período seco mais grave dos últimos 115 anos.
  • Jamaica divulgou um “aviso de proibição” com pena de até 30 dias de prisão para quem usasse água que não fosse com finalidades doméstica e de saúde.
  • Barbados, Dominica e Ilhas Virgens estabeleceram medidas de economia de água no setor industrial.
  • Santa Lúcia declarou emergência nacional por vários meses devido à escassez de água potável.
  • Porto Rico sofreu graves consequências pela pouca manutenção das represas.
  • Antiga e Barbuda dependeu de poços e unidades dessalinizadoras para paliar a falta de chuvas.
  • Na América Central foram afetadas mais de 3,5 milhões de pessoas.Envolverde/IPS