Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS –
Nações Unidas, 6/7/2016 – A chamada guerra contra as drogas continua sendo a mesma de sempre. Porém, as perspectivas sobre como enfrentar o problema mudaram de forma drástica, segundo a conclusão de um novo estudo.O Informe Mundial sobre Drogas, elaborado pelo Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime (Unodc), oferece uma revisão sobre o uso e a produção de substâncias viciantes e seu impacto na comunidade em diferentes partes do mundo.
O Unodc estimou que um em cada 20 adultos, ou um quarto do um bilhão de pessoas entre 15 e 64 anos, consumiram pelo menos um tipo de droga em 2014. A proporção não mudou nos últimos quatro anos, enquanto o número de pessoas consideradas com problemas derivados do vício aumentou, pela primeira vez em seis anos, para mais de 29 milhões. Desse número, 12 milhões de pessoas usam drogas injetáveis e 14% delas vivem com HIV, o vírus causador da aids.
O diretor executivo do Unodc, Yury Fedotov, destacou o significado do estudo exaustivo: “O informe de 2016 destaca o apoio aos enfoques integrais, equilibrados e baseados na integração de direitos”. Mas a diretora do programa de política global de drogas da Fundação Open Society, Kasia Malinowska, não concorda com o documento.“É mais do mesmo”, opinou.
Em especial, Malinowska citou a falta de reconhecimento da falência das políticas de proibição de drogas. Por exemplo, o estudo conclui que a violência vinculada às drogas é maior na América Latina do que na Ásia. Mas isso passa por alto sobre as operações antidrogas militarizadas no primeiro, que não existem no segundo, pontuou.
Na década de 1990, esse tipo de operação financiada pelos Estados Unidos na Colômbia, que contribuiu para uma escalada da violência vinculada ao tráfico, bem como a guerra mais prolongada do hemisfério ocidental, deixaram 220 mil mortos. E, embora o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo (Farc-EP) tenham assinado um acordo histórico no dia 23 de junho, esse país continua sendo um grande produtor de pasta de coca e cocaína.
“Meu questionamento é como os atores externos contribuíram para a violência, e que não se reconhece o contexto mais amplo, e esse é o problema com o informe”, explicou Malinowska à IPS. “O documento não assume a responsabilidade de até que ponto as atuais políticas de proibição contribuíram para o problema”, destacando a necessidade de reconhecer que a proibição não é a única forma de enfrentar o problema do abuso de drogas e que se deve contextualizar as políticas segundo o bem-estar dos cidadãos de cada país, e não segundo convenções internacionais.
O diretor de Assuntos Públicos e Análises de Políticas do Unodc, Jean-Luc Lemahieu concordou, durante a apresentação do informe, dizendo que “não é um jeito único”, e mencionou Holanda e Suécia como dois exemplos dessa situação. Na Holanda, o governo implantou um enfoque de “separação de mercados”, que distinguiu a maconha de outras drogas duras, a fim de limitar a exposição e o acesso a drogas mais duras.
A iniciativa teve resultado nesse país, pois o consumo continua sendo baixo. O governo holandês também investiu em tratamento, prevenção e redução do dano, o que ajudou a manter um número baixo de novas infecções de HIV entre os consumidores de drogas, bem como dos problemas derivados do abuso.Por sua vez, a Suécia implantou políticas mais restritivas, que punem o consumo e diminuiu o fornecimento. O Unodc afirmou que o enfoque teve “êxito”, porque há poucos consumidores e poucas transmissões do HIV entre os que usam drogas injetáveis.
Tanto Lemahieu como Malinowska também destacaram a necessidade de se integrar o desenvolvimento sustentável com políticas globais contra as drogas. O Unodc também reconhece no informe a incidência da pobreza e da falta de um modo sustentável de ganhar a vida com cultivos como o da coca. “O cultivo e a produção de drogas ilegais podem ser erradicados somente se as políticas apontam para o desenvolvimento social, econômico e ambiental total das comunidades”, afirma o documento.
Malinowska falou à IPS da necessidade de se oferecer suas “próprias” opções e oportunidades aos pequenos agricultores pobres que participam da economia vinculada ao narcotráfico. Nem todos têm a possibilidade de escolher outras atividades econômicas, mas é um enfoque que não foi testado, afirmou.
“Necessitamos de um desenvolvimento sustentável e planejado. Utilizamos a mesma matriz, o mesmo modelo, a mesma linguagem, e isso deve mudar de forma drástica. É muito importante deixarmos de pensar como se fosse um problema de drogas, e que o vejamos como uma falta grave de desenvolvimento em algumas regiões”, acrescentou Malinowska.
O Informe Mundial sobre as Drogas deste ano foi apresentado após a sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o Problema Mundial das Drogas, realizada em abril na sede da ONU, em Nova York. Na apresentação do informe, o vice-secretário-geral, Jan Eliasson o descreveu como um assunto de “preocupação globalcomum”, que afeta todos os países e setores da sociedade. Envolverde/IPS