mairead-377x472
Mairead Maguire

Por Mairead Maguire*

Belfast, Irlanda do Norte, 7/1/2016 – Em novembro de 2015 visitei a Síria junto com uma delegação do Comitê Internacional do Conselho pela Paz. Foi minha terceira visita ao país nos últimos três anos. Como em ocasiões anteriores, me comoveu o espírito de resistência e coragem do povo sírio.

Apesar de nos últimos cinco anos esse país do Oriente Médio ter afundado na guerra por forças externas, a grande maioria do seu povo segue adiante com suas vidas cotidianas e muitos se dedicam a trabalhar pela paz, a reconciliação e a unidade de sua amada Síria.

Lutam para superar o temor de que a interferência externa e as forças destrutivas no interior da Síria os levem a sofrer o mesmo destino terrível de Afeganistão, Iraque, Ucrânia, Iêmen e muito outros países.

Muitos sírios estão traumatizados e em estado de choque e se perguntam “como isso aconteceu em nosso país?”. Pensavam que as guerras por terceiros eram algo que ocorria em outros países, mas agora a Síria também se converteu em uma zona de combate,em um cenário geopolítico controlado pela elite ocidental internacional e seus aliados no Oriente Médio.

Muitos com os quais nos encontramos não demoraram em nos dizer que a Síria não vive uma guerra civil, mas uma invasão estrangeira. E também que isso não é um conflito religioso entre cristãos e muçulmanos.

Nas palavras do patriarca Gregorios III Laham, “os muçulmanos e os cristãos não só dialogam entre si, mas suas raízes estão entrelaçadas já que convivem há mais de 1.436 anos sem guerras, apesar de desacordos e conflitos… com os anos a paz e a convivência superaram a controvérsia”.

Na Síria nossa delegação viu que as relações entre cristãos e muçulmanos podem transcender a tolerância mútua e podem ser profundamente afetuosas.

Durante nossa visita nos encontramos com centenas de pessoas, dirigentes políticos locais e nacionais, figuras do governo e da oposição, líderes muçulmanos e cristãos, membros dos comitês de reconciliação e refugiados internos. Também conhecemos muitas pessoas nas ruas de cidades e povoados, sunitas, xiitas, cristãos, alauítas, que sentem que suas vozes são ignoradas e pouco representadas no Ocidente.

Os jovens manifestaram seu desejo de ver um Estado novo que garanta a igualdade social, a liberdade de todos os grupos religiosos e étnicos e a proteção das minorias, e que essa fosse obra do povo sírio, não de forças externas, e que se faça a paz. Conhecemos muitos sírios que rechaçam a violência e trabalham para resolver o conflito mediante a negociação e a colocação em prática do processo democrático.

Poucos dos sírios que conhecemos tinham a ilusão de que seu presidente, Bashar al Assad, eleito por 70% dos votos, seja perfeito, mas muitos o admiram e o preferem à alternativa de o governo cair em mãos dos combatentes jihadistas, extremistas fundamentalistas com uma ideologia que obrigaria as minorias – e os sunitas moderados – a fugirem da Síria, ou morrer.

Já viveram isso com o êxodo de milhares de sírios que fugiram por medo de serem assassinados ou de terem suas casas destruídas pelos combatentes estrangeiros jihadistas e pelos supostos moderados, treinados, financiados e alojados por forças externas.

Na antiga cidade de Homs, testemunhamos casas bombardeadas depois que milhares de moradores fugiram quando rebeldes atacaram as forças sírias desde zonas residenciais (em uma estratégia de escudos humanos) e os militares responderam com força letal contra a população civil e os edifícios, algo que também foi feito com os locais culturais, também usados como escudos.

Em Homs nos reunimos com membros do comitê de reconciliação, dirigido por um sacerdote e um xeque. Também visitamos o túmulo de um sacerdote jesuíta assassinado pelos combatentes do extremista Estado Islâmico, e a igreja católica reconstruída, já que a original foi queimada.

Durante as reuniões à luz de velas, devido aos apagões, ouvimos como cristãos e muçulmanos na cidade foram fundamentais para a reabilitação dos combatentes que decidiram largar as armas e aceitar a oferta de anistia do governo.

Nos pediram que solicitássemos à comunidade internacional que ponha fim à guerra na Síria e apoie a paz, e para nossa delegação foi particularmente triste e decepcionante que, nesse mesmo dia, o arcebispo anglicano de Canterbury anunciasse seu apoio ao voto favorável da Grã-Bretanha ao bombardeio contra a Síria.

Posteriormente, o governo britânico votou a favor da guerra na Síria. Se Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Europeia, entre outros, desejam ajudar o povo sírio, podem levantar imediatamente as sanções que estão lhes causando grandes penúrias.

Também visitamos a cidade cristã de Maalula – onde ainda se fala aramaico, a língua de Jesus –, uma das localidades cristãs mais antigas do Oriente Médio. Na igreja de São Jorge, o sacerdote explicou como depois de a igreja ser queimada até o concreto pelos rebeldes com apoio ocidental, e muitos cristãos serem mortos, o povo de Maalula levou uma mesa até as ruínas da igreja e, depois de rezar, começou a reconstruí-la, bem como suas casas.

Lamentavelmente, também nesse lugar alguns moradores muçulmanos destruíram as casas de seus vizinhos cristãos, e isso nos recordou as complexidades do conflito sírio e a necessidade de ensinar a não violência e construir a paz e a resiliência.

Também nos sensibilizou mais profundamente a difícil situação que padecem não apenas os sunitas moderados diante dos extremistas, mas a grande quantidade de cristãos que foge do Oriente Médio.

Se a situação não se estabilizar na Síria e no resto da região, restarão poucos cristãos no chamado berço da civilização, onde surgiu o cristianismo, onde os seguidores das três religiões abraâmicas vivem e trabalham como irmãos na unidade.

O Oriente Médio já testemunha, praticamente, o trágico desaparecimento do judaísmo, e essa tragédia está acontecendo a um ritmo alarmante com os cristãos do Levante.

Mas há esperança e a Síria é uma luz para o mundo, já que há muitas pessoas que trabalham pela paz e a reconciliação, o diálogo e a negociação. É aqui onde resta a esperança e o que todos podemos apoiar ao rechaçar a violência e a guerra na Síria, no Oriente Médio e em nosso planeta. Envolverde/IPS

*Mairead Maguire é ativista da Irlanda do Norte e ganhadora do prêmio Nobel da Paz em 1976.