Jerusalém, Israel, 10/4/2015 – Uma marcha de quadro dias desde a periferia de Israel aos corredores do poder em Jerusalém, pedindo o reconhecimento oficial de 46 aldeias beduínas no deserto de Neguev, adquiriu um inédito valor simbólico. A marcha, que começou na aldeia não reconhecida de Wadi al Nam, no Neguev, terminou em 29 de março com a entrega de um “plano-mestre alternativo para as aldeias beduínas não reconhecidas” no escritório do chefe de Estado israelense, Reuven Rivlin, em Jerusalém.
Na ocasião, dirigentes beduínos e centenas de representantes de organizações não governamentais foram acompanhados por membros árabes e israelenses do parlamento israelense pertencentes à Lista Conjunta, uma aliança política integrada pelos quatro partidos majoritariamente árabes em Israel: Hadash, Lista Árabe Unida, Balad e Taal.
“Como a Lista Conjunta é mais forte agora e temos um objetivo comum, pensamos que podemos pressionar com maior eficácia o parlamento e o governo para encontrar uma solução justa para as pessoas das aldeias não reconhecidas”, afirmou Fadi Masamra, do Conselho Regional de Aldeias Não Reconhecidas (CRANR), organização que defende os direitos da comunidade beduína.
O objetivo comum é o reconhecimento oficial das 46 aldeias beduínas não reconhecidas do Neguev, que não estão representadas nos mapas nem recebem serviços básicos, como água corrente ou eletricidade.
Em 2011, o governo israelense aprovou um plano unilateral, conhecido como Plano Prawer, para “regularizar os assentamentos beduínos” no prazo de cinco anos, mediante a demolição das aldeias não reconhecidas e o reassentamento forçado de sua população em novas localidades. A proposta provocou rejeição generalizada e finalmente foi arquivada em 2013.
Os ativistas orgulham-se de que foram as manifestações das pessoas na rua, e não os legisladores no parlamento, que detiveram o Plano Prawer. Mas agora dizem que a cooperação entre as ONGs e a Lista Conjunta pretende salvar essa brecha entre o movimento popular e a classe política.
“Estou muito orgulhosa de que a Lista Conjunta tenha convocado essa marcha”, disse Hanan al Sanah, do movimento feminista Sidre, enquanto caminhava com os manifestantes. “Demonstra que seu compromisso é real e que não esqueceram sua promessa eleitoral. Estão tornando visível a questão do reconhecimento e podem aproveitar a mobilização que ocorreu durante anos na comunidade”, pontuou à IPS.
As organizações não governamentais também trabalham sem descanso no Neguev, não só para mobilizar os beduínos contra o Plano Prawer, como também para produzir literatura, informes e campanhas que discordem da classificação oficial da presença beduína no deserto como “ilegal”. Ao reformular a questão do reconhecimento em torno dos direitos à terra, dos direitos humanos e da igualdade, conseguiram o interesse do público judeu e internacional e dar forma ao debate social.
As ONGs também empregam uma poderosa ferramenta estatal, a cartografia, para propor a solução do Plano-Mestre Alternativo, que revela um mapa diferente do Neguev, no qual as aldeias não reconhecidas estão “legalizadas” e podem ter acesso às mesmas oportunidades de desenvolvimento que seus vizinhos judeus.
O plano foi elaborado por uma equipe dirigida por Oren Yiftachel, professor de geografia política, planejamento urbano e políticas públicas na Universidade Bem Gurion do Neguev, em colaboração com CRANR e Bimkom, uma organização que promove a igualdade no planejamento.
“Tentamos dar às pessoas uma narrativa diferente em função da história, dos fatos, dos direitos jurídicos e das normas internacionais de direitos humanos. Trabalhamos durante três anos no plano alternativo e criamos um cenário diferente para o futuro”, explicou Yiftachel.
“Depois de tudo, a solução está demorando já que o futuro das aldeias não reconhecidas, e dos cem mil beduínos que vivem nelas, continua incerto. É importante recordar que o Estado não é um corpo homogêneo. Há pessoas dispostas a considerar o reconhecimento”, acrescentou.
Para as ONGs e os ativistas que trabalham dia a dia no terreno, a mobilização continua sendo fundamental. “Eu diria que o verdadeiro desafio continua sendo a mobilização, tanto da população judia quanto da beduína”, destacou Michal Rotem, do Fórum de Coexistência do Neguev, uma organização árabe-judia que trabalha nas aldeias não reconhecidas. “Os políticos vão e vêm, mas a função das ONGs é somar mais comunidades e grupos à luta e manter o compromisso”, acrescentou.
Para Aziz Abu Madegham Al Turi, da aldeia não reconhecida de Al Araqib, a colaboração com as ONGs é importante para trazer gente nova ao Neguev e colaborar em ações que repercutam além do deserto. “Quanto pior fica, mais unidos estamos”, afirmou. “O Estado tenta nos separar, mas nos conectamos por meio de diferentes organizações e comitês e dessa forma encontramos forças novas. Nos unimos para apoiarmos uns aos outros”, acrescentou.
Amir Abu Kweider, destacado ativista na campanha contra o Plano Prawer, considera que a chegada da Lista Conjunta é uma ocasião para formar novas alianças. “Temos que intensificar os esforços para proteger nossos direitos contra a legislação racista e alcançar novos públicos israelenses”, afirmou.
Nesse sentido, a marcha pode ser considerada um êxito. Tamam Nasra, por exemplo, viajou desde o norte de Israel para a ocasião. “Os árabes do sul não são diferentes de mim. Seus problemas são meus problemas. Sua opressão é minha opressão. Por isso respondi à convocação de Ayman Odeh”, o líder da Lista Conjunta, declarou à IPS.
Omri Evron, eleitor da Lista Conjunta de Tel Aviv, também esteve na marcha por um sentido de responsabilidade coletiva. “Não é possível que em 2015 em Israel haja pessoas que na prática não são reconhecidas pelo Estado. Isso precisa mudar”, ressaltou. Envolverde/IPS