Por Fabiana Frayssinet, da IPS –
Belterra, Brasil, 16/12/2015 – No oeste do Pará a construção de um complexo logístico portuário, destinado a exportar soja através da bacia amazônica, expulsou milhares de camponeses de suas terras, que agora são dedicadas a essa monocultura.O trajeto de Santarém até Belterra, a 100 quilômetros pela rodovia BR 163, transcorre entre campos de terra removida e só alguns espaços com florestas exuberantes características dessa região amazônica.
Tratores e máquinas de última geração, muito diferentes das toscas ferramentas dos pequenos agricultores vizinhos, estão arando a terra neste mês de dezembro para plantar soja em janeiro.
O camponês José de Souza, que tem nove hectares no município rural de Belterra, suspira. “A soja beneficia o grande produtor, mas prejudica o pequeno, porque a seca acontece por causa do desmatamento. Antes, a temperatura era agradávelaqui, mas agora está muito quente. Não se aguenta”, disse à IPS. Os efeitos são notórios em sua plantação de bananas, queimadas pelo intenso sol.
Resignado, Souza rega uns tristes sulcos com algumas couves e cebolinhas. Como outros, ficou cercado pela expansão da soja em Santarém e nos municípios vizinhos de Belterra e Mojuí dos Campos, que integram sua região metropolitana. Segundo a prefeitura de Santarém, dos 740 mil hectares cultiváveis na região, a soja já ocupa 60 mil.
Raimunda Nogueira, reitora da Universidade Federal do Oeste do Pará, apresentou números muito superiores. “A mudança do uso da terra foide aproximadamente 112 mil a 120 mil hectares convertidos em plantações de soja”, destacou à IPS.
E com a soja chegaram as fumigações. “Os campos de soja trazem muitas pragas, porque o veneno que usam para combatê-las as afastam e elas vêm para as nossas pequenas plantações”, lamentou Souza. “Os cultivos morrem e é justamente por isso que a propriedade se torna totalmente antiprodutiva e a solução é vender”, explicou à IPS o representante da não governamental Fase Amazônia, Jefferson Correa.
Não há registros epidemiológicos, mas nesses municípios a percepção é que aumentaram doenças como as respiratórias e cutâneas. Segundo Selma da Costa, do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Belterra, essa situação insalubre e a tentação de vender suas terras provocaram a migração de 65% dos camponeses do município, de aproximadamente 16.500 habitantes
“Acabam partindo. Quem vai aguentar ficar com o cheiro dos pesticidas? Ninguém. As pessoas adoecem. Muitas vezes as grávidas se sentem mal e não sabem a razão”, apontou Selma à IPS. “Venderam suas terras por uma miséria. Costumamos dizer que deram de presente. Praticamente entregaram suas terras aos grandes produtores, pensando que melhorariam, que iriam construir uma casinha bonita em Santarém, mas não conseguem se manter economicamente porque não podem produzir”, acrescentou.
Correa recordou que, até 2000, a terra era muito barata. Houve quem vendeu 100 hectares por US$ 1 mil a US$ 2 mil e depois se arrependeu. “Foram para a cidade, gastaram todo o dinheiro e, sem estudos nem cursos, a única solução foi voltar a trabalhar no campo, como peões dos que compraram suas terras”, afirmou. Outros sobrevivem na periferia urbana de Santarém como vendedores ambulantes e em outros trabalhos informais.
“Os agricultores tinham sua propriedade, seu próprio alimento, como feijão, arroz, farinha, pesca e caça, e deixaram de tê-lo na cidade”, detalhou Claudionor Carvalho, da Federação de Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura do Estado do Pará. Ele afirmou à IPS que a mudança fez crescer a prostituição na periferia urbana,“porque as famílias não estavam preparadas para viver essa realidade”.
O processo se intensificou há 15 anos, com a construção em Santarém, pela transnacional norte-americana Cargill, de um porto para a exportação de grãos. Santarém fica à margem do rio Tapajós, em sua confluência com o rio Amazonas, o que permite transportar soja e outros grãos por rios até o Oceano Atlântico.
O objetivo foi reduzir a distância e os custos de transporte da soja do Estado do Mato Grosso, seu produtor do país. O Brasil é o segundo produtor e primeiro exportador de soja do mundo, vendendo para China, Europa e outros mercados.Portos como esse na bacia amazônica reduziram quase pela metade a distância, de aproximadamente dois mil quilômetros,entre Mato Grossoe os congestionados terminais do sudeste do país, como o porto de Santos, no Estado de São Paulo.
O novo porto amazônico, com silos com capacidade para 120 mil toneladas (o dobro do início) atraiu centenas de produtores de soja do sul do país, provocando um boom de compra de térreas agrícolas próximas e disparando seus preços. Foi o caso de Luiz Machado e sua família, chegados do Mato Grosso.
“Tínhamos 90 hectares, que vendemos para comprar uma propriedade maior aqui, porque as terras estavam mais baratas. Além disso, estaríamos mais perto do porto, o que melhoraria o preço de nosso produto”, explicou Machado à IPS. Ele garante que a compra foi legal e que conserva intacta a floresta que rodeia seu terreno, que em grande parte já estava desmatado.
Entretanto, muitos outros não agiram dessa forma e o cultivo de soja devastou áreas selvagens, segundo afirmou à IPS Cândido Cunha, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em 2006, mediante a chamada “moratória da soja”, associações de produtores, muitos vinculados à Cargill, se comprometeram a não comercializar, a partir daquele ano, soja de áreas desmatadas.
O corte diminuiu temporariamente, mas depois se reativou porque os agricultores que haviam vendido suas terras se estabeleceram em outras virgens. “Gerou-se o processo de grilagem de térreas, que são falsificações de documentos ou apropriações ilegais de terras públicas”, complicando a já muito irregular situação de posse da terra amazônica, disse Cunha
Dos dois milhões e meio de toneladas de grãos exportados anualmente por Santarém, apenas 6% são locais, o restante procede do Mato Grosso. Mas Nelio Aguiar, secretário de Planejamento de Santarém, considera que serviu para modernizar sua economia, evoluindo de uma agricultura familiar para outra “mecanizada”. “Hoje temos uma agricultura maior, dolarizada, e cada colheita produz realmente grandes riquezas”, acrescentou.
Enquanto alguns comemoram esse avanço agroindustrial, outros temem pelo futuro da segurança alimentar local. A população da região metropolitana, cerca de 370 mil habitantes, depende em 70% de alimentos procedentes da agricultura familiar. “Agora, é preciso comprar tudo no mercado, arroz, feijão, tudo o que antes ninguém comprava porque produzíamos tudo. E também vendíamos”, lamentou Souza.
“Por que estamos comprando? Porque não temos mais terra, e o que plantamos está sendo envenenado?”, perguntou Costa.Para Correa, uma saída é ampliar os planos governamentais de apoio aos pequenos agricultores. Souza já é beneficiário de um deles. Também se beneficia por integrar-se a associações ou cooperativas camponesas.
Souza, orgulhoso, levou a IPS à sua cooperativa, chamada São Raimundo da Fé em Deus, onde um festivo grupo de mulheres e homens dividia a tarefa de descascar, triturar e cozinhar a mandioca (Manihot esculenta) para preparar a farinha, um alimento tradicional no país. “Nós temos que nos ajudarmos, porque a situação do pequeno produtor está difícil hoje em dia”, enfatizou. Envolverde/IPS