Por Orlando Milesi e MarianelaJarroud, da IPS –
Santiago, Chile, 15/6/2016 –Deter e neutralizar a degradação dos solos é vital para a sustentabilidade ecológica da América Latina e do Caribe, bem como para a segurança alimentar de seus países.“Todo o mundo sabe da importância da água, mas nem todos entendem que o solo é mais do que um lugar onde colocamos os pés, é ele que nos fornece alimentos, fibra, materiais para construção, que retém a água, onde é armazenado o carbono atmosférico”, destacou Pilar Román, do escritório regional da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
Atualmente, mais de 68% da superfície sul-americana está afetada pela erosão: cem milhões de hectares de terras foram degradados pelo desmatamento e 70 milhões pelo excesso de pastoreio.A desertificação, por exemplo, atinge 55% da extensa região nordeste do Brasil, que, com quase 1,6 milhão de quilômetros quadrados, engloba 18% da superfície do país, afetando boa parte de seus cultivos básicos, como milho e feijão.
Na Argentina, México e Paraguai, mais da metade do território sofre problemas vinculados à degradação e desertificação. Na Bolívia, Chile, Equador e Peru, estima-se que entre 27% e 43% do território apresenta problemas de desertificação.Um caso grave é o da Bolívia, onde seis milhões de pessoas, ou 77% de sua população, vivem em áreas degradadas.
A situação nãomuda muito no restante da região. Segundo o Atlas de solos da América Latina e do Caribe, da FAO, em El Salvador a erosão hídrica afeta 75% da superfície, enquanto na Guatemala 12% da superfície está ameaçada pela desertificação.
A FAO destaca que 95% dos alimentos consumidos pela população mundial são produzidosem solos que hoje, em nível global, estãomais degradados e pobres em nutrientes. Os dados indicam que 80% dos solos agrícolas sofrem atualmente erosão moderada e severa, e outros 10% enfrentam uma erosão leve. Portanto, apenas 10% dos solos férteis do planeta estão saudáveis.
Para conscientizar sobre a gravidade desse flagelo, é celebrado, nodia 17, o Dia Mundial de Luta Contra a Desertificação, que este ano tem por lema Proteger o Planeta. Recuperar a Terra. Participação das Pessoas. A ideia é alertar a população mundial sobre os perigos que representam a desertificação e a degradação das terras.
“Sem uma solução de longo prazo, a desertificação e a degradação das terras não afetarão apenas o fornecimento de alimentos, mas também propiciarão um aumento das migrações e colocarão em perigo a estabilidade de muitas nações e regiões”, advertiu Ban Ki-moon, secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), por ocasião dessa jornada mundial.
Román, do Escritório de Apoio Técnico à Coordenação Sub-Regional da América do Sul da FAO, explicou à IPS que existe uma estreita relação entre pobreza, desertificação e degradação. “Inúmeros estudos demonstram que as comunidades mais pobres e vulneráveis são as que têm pior acesso aos insumos. Uma comunidade pobre tem acesso a uma terra menos fértil, tem menos acesso a sementes, água, recursos produtivos, maquinário agrícola e a incentivos”, acrescentou.
“Dentro dessas comunidades pobres, as pessoas mais vulneráveis são as mulheres, que têm menos títulos de propriedade e menos acesso a incentivos econômicos, e as comunidades indígenas. Existe uma relação direta nessa direção e vice-versa: um solo degradado fará com que uma comunidade migre e que haja conflitos sobre um recurso limitado”, afirmouRomán em uma entrevista no escritório regional da FAO, em Santiago.
Um exemplo é o que acontece no Chile, onde 49% do território está afetadopela erosão e 62% desertificado. Para enfrentar essa grave realidade, as autoridades atualizaram seu mapa de degradação da terra, a fim de desenhar e implantar atividades estratégicas de mitigação e adaptação à mudança climática.Essa atualização foi realizada com o cruzamento de antecedentes meteorológicos e bioclimáticos nos últimos 60 anos, além de fisiográficos e indicadores socioeconômicos, de recursos naturais e de ambientes.
Efraín Duarte, autor dessa atualização e especialista da consultoria privada Sud-Austral, apontou à IPS que “as principais causas diretas da desertificação, da degradação da terra e da seca em nível nacional são atribuídas ao desmatamento, à degradação das florestas, aos incêndios florestais e aos processos subsequentes de mudança de uso da terra. Deve-se agregar o impacto da mudança climática sobre a variabilidade do clima”.
Segundo vários estudos, pelo menos 25% do déficit de precipitação durante a atual seca no Chile, que se prolonga por quase cinco anos, pode ser atribuído à mudança climática antrópica, destacou Duarte. Como causas indiretas mencionou “a deficiência nas políticas públicas de fiscalização, regularização e fomento de recursos ‘vegetacionais’ (florestas, arbustos, mato), combinada com a pobreza rural, os baixos conhecimentos e a valorização cultural dos recursos vegetacionais por parte da sociedade”.
Com base na atualização do mapa, o governo fixou uma estratégia nacional para “apoiar a recuperação e a proteção de florestas nativas e formações xerofíticas, bem como potencializar o estabelecimento de formações vegetacionais em solos que possam ser florestados”.
Segundo Duarte, “o Chile pode realizar ações prévias de mitigação focadas no combate ao desmatamento, à degradação florestal, extração excessiva de produtos florestais, aos incêndios florestais, à sobrecarga animal, à supervalorização e ao manejo insustentável do solo, e, por fim, ao emprego de tecnologias não apropriadas para ecossistemas frágeis”. Também advertiu que a luta contra a desertificação é uma responsabilidade compartilhada em níveis nacional e internacional.
Román concorda com essa apreciação e diz que a prevenção da degradação se combate “de maneira holística, com bases de informação adequadas, capacitação e conscientização das comunidades e dos agentes que tomam decisões sobre a proteção do solo”. E também se consegue na produção agrícola, evitando as más práticas, que priorizam o rendimento no curto prazo, e a pressão sobre o recurso solo, pontuou.
Para a FAO, no longo prazo, as reformas sustentáveis da produção agrícola permitirão produzir 58% mais alimentos, além de proteger o recurso solo para as futuras gerações. A prevenção não consiste apenas em aplicar técnicas em nível de campo, mas também em nível de governança, de instrumentos legais e de trabalho com as comunidades, ressaltouRomán.
Embora o ideal seja prevenir a degradação e a desertificação, existem algumas experiências de sucesso de recuperação ou reversão de áreas desertificadas. Na Costa Rica, por exemplo, as duas causas principais da degradação diminuíram entre 1990 e 2000. O desmatamento deixou de afetar oito mil hectares, dos 22 mil afetados, enquanto os incêndios florestais diminuíram de 7.103 hectares para 1.322.
Románenfatizou que, como forma de mitigação, é muito relevante ampliar a gama de alimentos que são consumidos, e que, atualmente,proveem, em 60%, de batata, arroz, trigo e milho, apenas quatro das 30 mil plantas comestíveis conhecidas.“Por um lado, as plantações de monoculturas dessas plantas são um dos fatores da degradação dos solos e, por outro, uma ingestão calórica baseada em carboidratos dessas plantas cria uma má nutrição”, ressaltou. Envolverde/IPS
*Este artigo está relacionado com o Dia Mundial de Luta Contra a Desertificação, que será celebrado nodia 17 de junho.