Internacional

Sudeste da Ásia tem sua crise de refugiados

Homens abandonados por traficantes de pessoas em alto mar foram resgatados pela Guarda Fronteiriça de Bangladesh e se reuniram com suas famílias em Teknaf, um povoado do distrito de Cox’s Bazar. Foto: Abdur Rahman/IPS
Homens abandonados por traficantes de pessoas em alto mar foram resgatados pela Guarda Fronteiriça de Bangladesh e se reuniram com suas famílias em Teknaf, um povoado do distrito de Cox’s Bazar. Foto: Abdur Rahman/IPS

Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS – 

Nações Unidas, 27/10/2015 – Com o fim da temporada das monções, milhares de pessoas perseguidas em Myanmar (Birmânia) e Bangladesh se lançam ao mar no sudeste da Ásia, segundo denúncia da organização Anistia Internacional, com sede em Londres. Os refugiados se arriscam em perigosas travessias, com a esperança de escapar da perseguição e da marginalização.

Nos últimos anos, dezenas de milhares de pessoas atravessaram a baía de Bengala e o mar de Adamã rumo aos países vizinhos, inclusive até a Indonésia. A maioria das pessoas que fogem é de muçulmanos rohingya, uma minoria religiosa e étnica de Myanmar, que tem maioria budista. O governo nega a cidadania a esse grupo étnico e aplica políticas discriminatórias, deixando-o apátrida.

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) descreveu a comunidade rohingya como uma das “mais excluídas, perseguidas e vulneráveis do mundo”.

Para mostrar a dimensão e o grau da crise, a Anistia entrevistou 179 solicitantes de asilo e elaborou o novo informe Deadly Journeys: The Refugee and Trafficking Crisis in Southeasdt Asia (Travessias Mortais: Crises de Refugiados e de Tráfico de Pessoas no Sudeste da Ásia). O documento destaca que as pessoas que fogem em busca de refúgio, além do risco de se afogar ou ficarem perdidas em alto mar, podem cair em mãos de organizações de tráfico humano.

“O abuso físico diário que os rohingyas sofrem, presos em barcos, é extremamente horrível para ser expresso em palavras. Escaparam de Myanmar, mas só o que fizeram foi trocar um pesadelo por outro”, afirmou a investigadora Anna Shea. Quase todos os entrevistados experimentaram ou testemunharam reiterados socos por parte dos membros da tripulação. As pessoas apanhavam por se mover, por pedir comida ou água e até por pedir para usar o banheiro. As crianças tampouco se salvavam quando choravam, afirmou.

Uma garota de 15 anos contou que apanhava enquanto os traficantes ligavam para seu pai em Bangladesh pedindo resgate de US$ 1.700. Outro adolescente da mesma idade relatou os golpes e castigos sistemáticos que teve de suportar. Ele contou que pela manhã apanhavam três vezes. À tarde outras três, e à noite eram nove vezes. “Nos jogavam ao mar. Tínhamos que nadar durante horas, e se tentávamos segurar na embarcação nos batiam. Quando já estávamos afogando, éramos colocados a bordo e nos batiam”, acrescentou. Certa vez a tripulação o jogou no mar 15 vezes durante várias horas.

Os rohingyas entrevistados também descreveram as condições de vida como sendo “desumanas e degradantes”. Denunciaram embarcações lotadas e comida e bebida insuficiente para todos. Também disseram que eram obrigados a ficar sentados com as pernas cruzadas durante as travessias que duravam uma semana e recebiam uma pequena porção de arroz por dia.

As embarcações não estavam limpas, criando um ambiente repulsivo. Um morador local que ajudou a resgatar os refugiados que chegaram a Aceh, na Indonésia, disse que cheiravam tão mal que o pessoal de resgate não conseguia nem subir na embarcação. “O mau cheiro é porque havia muita gente sem banho”, afirmou.

Os abusos causam problemas de saúde em curto e longo prazos, como dores musculares, desidratação, má nutrição e outras enfermidades, acrescenta o informe da Anistia. A organização pede urgência aos governos do sudeste asiático para que tomem medidas de combate ao tráfico de pessoas, realizem investigações, façam operações de resgate e identifiquem pontos de desembarque seguros.

O documento destaca que a busca e o resgate não são apenas um “um imperativo humanitário”, mas uma obrigação legal estabelecida na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que tem entre seus Estados-parte Bangladesh, Indonésia, Malásia e Tailândia.

A princípio, os governos obrigavam as embarcações lotadas a voltarem para o mar, impedindo o desembarque. Em maio deste ano, a Tailândia começou a perseguir o tráfico, o que levou as tripulações a abandonarem as embarcações, deixando cerca de oito mil pessoas perdidas em alto mar durante semanas.

Indonésia e Malásia ofereceram refúgio aos rohingyas, mas ainda não se sabe se terão permissão para permanecer depois de maio de 2016, correndo o risco de voltarem a ficar no limbo. “Sem cooperação entre os governos para combater o tráfico de pessoas, voltarão a ser cometidas graves violações de direitos humanos contra as populações mais vulneráveis e desesperadas da Ásia meridional”, ressaltou Shea.

Segundo o Acnur, nos primeiros seis meses deste ano cerca de 31 mil pessoas procedentes de Myanmar e Bangladesh empreenderam perigosas travessias por mar. A Anistia estima que aproximadamente 1.100 morreram em alto mar desde 2014. Envolverde/IPS